Chegou num dia nublado, como quem vem do céu, mas carregando o peso de ter moldado homens demais em pedra.
Michelangelo
Buonarroti , o criador do Davi, o pintor da Capela Sistina, o escultor de dores
e músculos, pisou o chão vermelho de Congonhas do Campo como quem reencontra
algo que nunca soube que perdeu.
Ali,
entre igrejas e colinas, sentiu que as montanhas falavam. E que uma mão
desconhecida lhe respondia em pedra sabão.
Quis
conhecer o autor daquilo. E o encontrou: um homem curvado, das mãos doentes,
mas do espírito altivo, Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho.
Ficaram
horas sem dizer nada, só olhando as figuras de pedra esparramadas pelo adro da
igreja.
Depois,
começaram a conversar com gestos.
Com
cinzéis.
Michelangelo
mostrou-lhe um desenho do Moisés, que carregava nos bolsos como quem leva um
filho.
Aleijadinho mostrou-lhe um croqui torto de um apóstolo com expressão assustada.
— Esse é Judas, disse.
—
E como o senhor esculpa com mãos tão feridas?, perguntou Michelangelo, com
olhar de admiração sincera.
—
Cada dor me revela o contorno. A carne sabe o que o mármore não sabe, respondeu o mineiro, sem vaidade.
Michelangelo
sorriu. Entendeu.
O
que ele buscara em Roma, encontrou ali: fé e pedra em concílio.
Antes
de partir, tirou um pedaço de pergaminho e escreveu alguns traços.
Entregou
ao Aleijadinho com um gesto simples, como quem passa um bastão invisível.
—
Aqui estão os doze. Os apóstolos. O mundo precisa vê-los não como santos, mas
como homens.
Você
os fará com sua alma. Dê a eles o barroco que lhes cabe. O meu mármore é frio
demais para tanto sentimento.
Aleijadinho
apenas assentiu.
Michelangelo
partiu, como quem conclui um ciclo.
E
o mineiro, de mãos falhas e alma inteira, deu forma aos Doze Profetas que hoje
vigiam o adro de Congonhas com olhos de eternidade e rugas de humanidade.
Dizem
que, em noites de lua cheia, se ouve, entre as pedras da igreja, um diálogo
antigo: um sotaque italiano e outro mineiro, discutindo sombras, fé e
equilíbrio de formas.
Edson
Pinto
Agosto, 2025
Nota do autor
Michelangelo Buonarroti (1475–1564) foi um dos maiores
artistas do Renascimento italiano, escultor, pintor, arquiteto e poeta. Criador
de obras-primas como o Moisés, o Davi e a Capela Sistina, deixou um legado
monumental de beleza e profundidade espiritual.
Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho (1738–1814), é considerado o maior
artista do barroco brasileiro. Escultor e arquiteto mineiro, mesmo acometido
por uma grave doença degenerativa, criou obras impressionantes em madeira e
pedra-sabão, entre elas os Doze Profetas de Congonhas, símbolo da força da fé e
da arte no Brasil colonial.

Um comentário:
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