15 de ago. de 2025

340) MICHELANGELO EM CONGONHAS DO CAMPO

 

Chegou num dia nublado, como quem vem do céu, mas carregando o peso de ter moldado homens demais em pedra.

Michelangelo Buonarroti , o criador do Davi, o pintor da Capela Sistina, o escultor de dores e músculos, pisou o chão vermelho de Congonhas do Campo como quem reencontra algo que nunca soube que perdeu.

Ali, entre igrejas e colinas, sentiu que as montanhas falavam. E que uma mão desconhecida lhe respondia em pedra sabão.

Quis conhecer o autor daquilo. E o encontrou: um homem curvado, das mãos doentes, mas do espírito altivo, Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho.

Ficaram horas sem dizer nada, só olhando as figuras de pedra esparramadas pelo adro da igreja.

Depois, começaram a conversar com gestos.

Com cinzéis.

Michelangelo mostrou-lhe um desenho do Moisés, que carregava nos bolsos como quem leva um filho.

Aleijadinho mostrou-lhe um croqui torto de um apóstolo com expressão assustada. 

— Esse é Judas, disse.

— E como o senhor esculpa com mãos tão feridas?, perguntou Michelangelo, com olhar de admiração sincera.

— Cada dor me revela o contorno. A carne sabe o que o mármore não sabe, respondeu o mineiro, sem vaidade.

Michelangelo sorriu. Entendeu.

O que ele buscara em Roma, encontrou ali: fé e pedra em concílio.

Antes de partir, tirou um pedaço de pergaminho e escreveu alguns traços.

Entregou ao Aleijadinho com um gesto simples, como quem passa um bastão invisível.

— Aqui estão os doze. Os apóstolos. O mundo precisa vê-los não como santos, mas como homens.

Você os fará com sua alma. Dê a eles o barroco que lhes cabe. O meu mármore é frio demais para tanto sentimento.

Aleijadinho apenas assentiu.

Michelangelo partiu, como quem conclui um ciclo.

E o mineiro, de mãos falhas e alma inteira, deu forma aos Doze Profetas que hoje vigiam o adro de Congonhas com olhos de eternidade e rugas de humanidade.

Dizem que, em noites de lua cheia, se ouve, entre as pedras da igreja, um diálogo antigo: um sotaque italiano e outro mineiro, discutindo sombras, fé e equilíbrio de formas.

 

Edson Pinto

Agosto, 2025


Nota do autor

Michelangelo Buonarroti (1475–1564) foi um dos maiores artistas do Renascimento italiano, escultor, pintor, arquiteto e poeta. Criador de obras-primas como o Moisés, o Davi e a Capela Sistina, deixou um legado monumental de beleza e profundidade espiritual.

Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho (1738–1814), é considerado o maior artista do barroco brasileiro. Escultor e arquiteto mineiro, mesmo acometido por uma grave doença degenerativa, criou obras impressionantes em madeira e pedra-sabão, entre elas os Doze Profetas de Congonhas, símbolo da força da fé e da arte no Brasil colonial.


Um comentário:

Anônimo disse...

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