20 de set. de 2012

216) O PROBLEMA DO JÔ


Sem querer praticar um trocadilho infame, refiro-me, via o título desta crônica, ao nosso famoso e muito querido comediante, escritor, artista plástico, dramaturgo, diretor teatral, músico, ator e apresentador de televisão, José Eugênio Soares, o Jô Soares. O trocadilho se impõe por essa sua última habilidade, a de apresentador de TV, que chega aos nossos lares em horário incerto, exceto de que é sempre bem depois da meia-noite, ou seja, “O Programa do Jô”.

Quem nunca ficou até mais tarde prejudicando o seu sagrado e necessário sono reparador para acompanhar a entrevista previamente divulgada de uma figura notória ou de uma pessoa especialista em um determinado tema de seu interesse?

Eu, vez por outra, dou-me a essa irresponsabilidade de ir para a cama lá pelas 2 da manhã, porque a entrevista fartamente anunciada parecia-me compensadora. O próprio Jô já é, em si, uma figura muitíssimo agradável. Não sei se é porque todos os gordinhos, em geral, são simpáticos, ou se é pela história que ele construiu ao longo de tantos anos de TV e que nos estimula a admirá-lo e a assisti-lo. Certamente, ninguém deve apegar-se ao querido artista por apreciar a sua performance chinfrim no mini bongô que normalmente faz para dar brilho a sua entrada no programa. Trata-se de um artista, e isso, por si só, já é mais do que suficiente para perdoar-lhe a desnecessária exibição da sua pobre faceta como músico.

Não há, entretanto, como deixar de reconhecer que a sua simpatia e a sua veia humorística dão às suas entrevistas uma característica toda especial. É sempre uma entrevista leve, intimista, recheada de pitadas de humor que não só podem aliviar a eventual aridez do tema tratado como ainda tornar o momento mais relaxante. Contudo, o que ultimamente venho percebendo é que toda a “mise-en-scène” do Jô, em geral, põe a perder o conteúdo que poderíamos extrair da entrevista. Poderíamos supor uma de duas hipóteses: O entrevistador Jô Soares nunca está devidamente preparado para fazer a entrevista, o que demonstraria uma fraca produção a suportá-lo, ou deve-se a tendência do artista ao improviso fazendo-o passar sobre a pauta para priorizar seus gracejos, sua indiscutível especialidade.

Tudo bem! Ele é um humorista acima de quaisquer outras atividades. Porém, do ponto de vista de quem espera uma contribuição cultural, científica e histórica a ser extraída da entrevista, isso soa como a mais pura perda de tempo. Perde-se assim o precioso sono e vai-se para a cama com a sensação de que o sacrifício da vigília não compensou. Todos aqueles gracejos superficiais que ficavam muito bem quando ele atuava na “Família Trapo” ou no “Viva o Gordo” ou ainda em suas engraçadas performances no teatro se esvai pelo desperdiço da oportunidade de ter feito uma entrevista consistente.

Sugiro que façam uma experiência para verificarem se o meu ponto de vista procede. Peguem uma entrevista qualquer de cujo tema você tenha algum domínio. Tenho certeza de que ao final da entrevista você estará decepcionado com a contribuição que foi legada aos ouvintes do seu auditório ou a nós, os telespectadores.

Cito um caso: Em 15/8/2012, Jô Soares levou ao seu programa a bióloga e taxonomista Marie Bartz para falar sobre os seus estudos dos animais anelídeos e sua importância para a vida no planeta. Esperei pela entrevista, pois gosto do tema. O que assisti? Gracejos vários sobre a beleza da moça e muita ênfase da representação fálica dos exemplares de minhocas que a competente bióloga encontrava e vinha classificando cientificamente. Sobre a importância das minhocas para a fertilização do solo; sobre as pesquisas de Charles Darwin que dedicou um tratado fundamental sobre o tema e de como seria possível reduzir o lixo orgânico que polui as cidades via a atividade da minhocultura, nada ou muito pouco. Só muitos gracejos do humorista.

O problema do Jô, finalmente, pode ser atribuído tão somente a enorme quantidade de atividades às quais ele se lança. Não tem como ser bom em tudo. Pode-se ser razoável em muitas habilidades ao mesmo tempo, mas dificilmente consegue-se ser profundo em todas elas. Ou entendemos que o Jô Soares deva ser visto desta forma, ou ficaremos, ver por outra, decepcionados com o seu desempenho.

Com a performance no seu mini bongô, como já disse, é uma vergonha. As entrevistas, essas, ficam a critério da análise de cada um. Afinal, elas são boas ou não também muito em função do que esperamos delas e da percepção de cada um...

Edson Pinto
Setembro’2012

13 de set. de 2012

215) A FALÁCIA DA UTILIDADE DOS JUROS ALTOS

O Estadão do último domingo, 9/9/12, nos brindou com um artigo altamente revelador do debate que se trava, há anos, sobre o uso da taxa básica de juros como instrumento maior do controle da inflação. (clique aqui para acesso ao artigo “Rumo a 5%”, do mestre em finanças públicas, Amir Khair)

Quem não acompanha com regularidade temas como esse talvez nunca tenha percebido que a gestão da taxa de juros é a razão maior da existência de um banco central como o nosso. Embora a matéria pareça, a princípio, árida e ao mesmo tempo envolta em muita tecnicidade, ela é de uma simplicidade franciscana. Explico a seguir:

Com base na famosa “Lei da Procura e da Oferta”, sabe-se que, do ponto de vista da “Procura”, quanto mais alto o preço de qualquer bem ou serviço (vide eixo do preço “P” no gráfico acima) menor é a sua procura (eixo de quantidade “Q” no mesmo gráfico). O inverso é igualmente verdadeiro: Quanto mais baixo o preço, maior será a procura. Do ponto de vista da “Oferta” ocorre exatamente o contrário (vide os mesmos efeitos de preços e quantidades ofertadas refletidos pela curva da Oferta sobre os eixos “P” e “Q”). O ponto “E” demonstra o equilíbrio entre as duas forças.

Como a inflação (aumento de preços) ocorre quando a procura é maior do que a oferta, a forma enraizada e erroneamente considerada como a única na política econômica tupiniquim para reequilibrá-las, tem sido a elevação das taxas de juros. Não é totalmente falso o efeito de que o preço mais elevado do dinheiro, no primeiro momento, leva à redução da demanda e com isso o controle da inflação. O que tem sido uma falácia é a argumentação de que não existem outros instrumentos ou outras oportunidades que se aplicadas corretamente poderiam dispensar o uso exclusivo da política de elevação da taxa de juros.

Redução do custo Brasil; redução da burocracia governamental que impõe custos elevados para as empresas e para os cidadãos; utilização das oportunidades momentâneas ofertadas pelo mercado mundial; estímulo ao empreendedorismo popular; aumento da eficiência dos governos e combate à corrupção. Essas são apenas algumas das boas alternativas disponíveis.

Se entendermos que o dinheiro que tomamos emprestado para financiar a compra de um produto ou serviço, incluindo os juros nele embutidos, como sendo também uma mercadoria qualquer, logo percebemos que em país de juros elevados, como no nosso, não existe melhor negócio do que vender dinheiro.

Funciona assim: Se mercadorias ou serviços são mais procurados do que ofertados, os produtores ou prestadores de serviços aproveitam para aumentar seus preços o quanto possível e com isso fazerem bons lucros. Para evitar que isto aconteça em detrimento dos consumidores, o Banco Central do Brasil, através da taxa SELIC, aumenta os juros que vão se refletir nos preços de tudo o que compramos. Aqui entra o sistema financeiro e apossa-se do benefício extra que os vendedores de mercadorias e serviços esperavam embolsar em função do desequilíbrio que lhes era favorável na balança oferta/procura.

Existem outras razões que melhor expliquem os enormes ganhos dos bancos brasileiros? Será que ganham muito por que são muito eficientes? Por que emprestam muito dinheiro a taxas honestas ou quaisquer outros motivos saudáveis? Claro que a razão primordial é a mamata propiciada pelas elevadas taxas de juros. Na verdade, os bancos nem precisam muito emprestar dinheiro às empresas e aos consumidores finais. Basta colocar as suas sobras de caixa em títulos púbicos que são os mais seguros e que remuneram com a, até recentemente, mais alta taxa de juros do mundo.

O governo se compromete a pagar aos investidores em títulos públicos, juros altíssimos. E de onde sai o dinheiro para pagar essa fortuna de juros? Dos impostos que pagamos, é claro. É por isso também que temos uma das maiores cargas tributárias do mundo. E o pior: o dinheiro que é destinado aos juros dos títulos do governo faz falta para a manutenção das nossas horrorosas estradas, ao nosso precário sistema de saúde, ao deficiente sistema educacional do País, entre outros.

O circulo virtuoso seria, então: Juros menores; menos pagamento aos investidores de títulos públicos forçando-os a investirem na economia real; mais recursos que ficariam disponíveis para investimentos em infraestrutura; menor custo Brasil; maior estímulo para que produtores e prestadores de serviços aumentassem a oferta; mais consumo; mais progresso...

E por que demorou tanto tempo para que as autoridades entendessem que só o sistema financeiro estava se beneficiando da política de juros altos?

Edson Pinto
Setembro’ 2012