Dona Edwiges descobriu pela forma
mais inadequada possível que a panela de pressão que ela comprara pela primeira
vez e tão logo a vida lhe houvera melhorado, devia respeitar certas regras de
uso. Coitadinha, tinha ascendido dos estratos mais baixos da sofrida sociedade
brasileira para uma camada acima onde já se podia ter um pequeno aparelho de
TV, uma geladeira branquinha encimada por um pinguim emblemático, um sofá das
Casas Bahia, um fogão de quatro bocas e até utensílios muito úteis como uma
incrível panela de pressão para acelerar o cozimento do bendito feijão de cada
dia.
Só não compreendia o porquê
daquele chiado permanente que tanto a irritava. Talvez, fruto dos traumas da
vida dura dos tempos de roça, aquilo remetia sua mente aos irritantes grilos,
aos horrendos morcegos, aos lúgubres uivos de lobos que rondavam sua miserável casinha,
sem energia elétrica, no meio de um mato qualquer deste País que sempre foi
muito injusto com os pobres e generoso, até em demasia, com os ricos e
principalmente com os donos momentâneos do poder.
Isso, obviamente, são lucubrações
filosóficas inferidas por este escriba, mas que talvez não se passassem da
mesma forma na cabeça daquela senhora precocemente envelhecida pela faina
diária, enquanto seu marido e filhos buscavam, desde que chegaram à cidade
grande, o sustento no duro trabalho da construção civil. O problema dela era o chiado
da panela de pressão...
Enquanto o feijão cozinhava
ficava ela como que estarrecida admirando aquele processo, para ela, moderno,
mas que a incomodava com as lembranças ruins que trazia. Por mais que meditava
não conseguia entender que o chiado da panela decorria do escapamento, pela sua
válvula, do excesso de vapor produzindo durante o aquecimento do alimento e que
aquilo era necessário para que se evitasse o pior, ou seja, a sua explosão.
Cismou de tapar os buraquinhos da válvula com uns palitos de fósforo; o chiado desapareceu
por alguns instantes e o resultado posterior nem preciso falar: Bum!
O governo que aí está, na sua ânsia
incontida de eternidade, construiu alianças políticas caras e acomodou no seu
bojo e a expensas do erário, 39 ministérios; criou dezenas de milhares de novos
cargos nas estatais e em repartições diversas; elaborou projetos utópicos cujos
objetivos era a demonstração explicita e inconseqüente de uma exuberância infundada
do País, como a Copa do Mundo e as Olimpíadas; abriu-se com generosidade aos
corruptos cada vez mais audazes; com a sua miopia estatizante descuidou da infraestrutura
necessária para suportar o crescimento econômico; negligenciou a saúde pública,
a educação, a segurança e tantas outras demandas essenciais que geram calor,
aquecimento e vapor. Parece - não tenho dúvidas - viver o mesmo trauma de Dona
Edwiges.
A nossa panela de pressão já vem
de algum tempo sendo aquecida pelo fogo da insatisfação, não diria apenas da
classe média, mas de todas as pessoas que conseguem desenvolver uma visão
crítica sobre a baixa qualidade da política e dos governos que temos. Há no ar -
e não é de hoje - uma sensação cada vez mais perceptível de que algo de errado
acontece no País:
- Por que pagamos quase 40% de todo o nosso PIB em impostos e só recebemos – quando recebemos – serviços públicos da pior qualidade?
- Por que, mesmo pagando tantos impostos temos que pagar escolas particulares caríssimas para nossos filhos quando antigamente as escolas públicas eram tidas como padrão de excelência?
- Por que pagamos planos de saúde para suprir a saúde pública que não funciona, pedágios para usar estradas “mais ou menos”, segurança no condomínio para se ter alguma tranqüilidade e tantos outros ônus que nos impõem?
- Para onde vai todo esse dinheiro?
O fogo vem esquentando,
esquentando, esquentando e o governo, tal como a simples dona Edwiges, vem
tentando bloquear, por métodos duvidosos, a válvula de escape de nossa panela
de pressão. Ninguém tem a coragem de fazer, em primeiro lugar, uma reforma
política que levem homens sérios para o Congresso e que leve para o governo
gente que saiba como uma panela de pressão funciona e o que se deve deduzir do chiado
que faz. A conseqüência é o que começamos a ver nestes dias:
Bum!
Edson Pinto
Junho’2013