Muito se diz,
e pouco se entende, sobre pessoas que nasceram com o dom de vender. Não falo
aqui daquele vendedor do boteco da esquina que nos entrega a conta junto com o
cafezinho. Falo do verdadeiro artista da venda, o trapezista do argumento, o
encantador de resistências.
Falo de um
amigo meu, ou mesmo de um amigo seu, que veio ao mundo não com o dom da
palavra, mas com a palavra já vendida, embalada, com nota fiscal e garantia
estendida.
Desde
pequeno, o dito cujo já fazia escambo no recreio, trocando figurinhas repetidas
por bombons valiosos. Convencia os colegas de que o carrinho com três rodas
tinha mais aerodinâmica. Cresceu e continuou no mesmo ofício, não por
profissão, mas por vocação misteriosa. Se tivesse vivido nos tempos bíblicos,
teria vendido a arca de Noé para os próprios animais. E ainda por cima em dez
vezes no carnê.
É o tipo de
sujeito capaz de vender sombra em dia nublado, areia para moradores do deserto,
e ainda fazer parecer que o comprador saiu ganhando. Dizem que venderia um par de sapatos para o Saci-Pererê . E o Saci
sairia da loja pulando de alegria com o segundo pé de reserva.
Esse meu
amigo não oferece produtos, oferece destino. Não vende coisas, vende sonhos
embrulhados em argumentos impecáveis. É um ilusionista da utilidade, um
plantador de vontades em solo de desinteresse, um costureiro de desejos sob
medida.
Agora, peço
licença ao leitor para um breve desvio. Porque há por aí outro tipo de vendedor
que também anda com gravata, sorriso treinado e promessas na ponta da língua:
os políticos.
Esses são
especialistas em vender ideias com prazo vencido, ideologias genéricas em
promoção relâmpago, e soluções que evaporam na primeira chuva de realidade.
Vendem esperança parcelada e entregam decepção à vista. Têm o mesmo dom da fala,
mas a usam como quem vende terreno em Marte ou passagem só de ida para a
utopia.
A diferença?
O meu amigo entrega. O político promete. Um vende, o outro se vende. Porque se
esse meu amigo vendesse promessas como os senhores de Brasília, ao menos teria
a decência de avisar que o produto era simbólico. Mas não. Ele, o meu amigo, te vende um tapete
persa, e você recebe, estende na sala, limpa os pés e ainda elogia o bordado.
Já comprei
coisas dele de que não precisava, que não cabiam em casa e que só fizeram
sentido porque ele me fez acreditar que faziam. E fiz isso feliz. Rindo.
Convencido.
Não o invejo.
Eu o admiro como se admira um mágico: sabendo que há truque, mas preferindo
acreditar no mistério. Num mundo cheio de vendedores, poucos são os que vendem
sem parecer que estão vendendo. Ele é um desses.
Talvez, no fundo, o mundo fosse um lugar mais respirável se os políticos aprendessem com meu amigo, não a vender, pois nisso já são doutores, mas a entregar o que prometem com a mesma honestidade com que ele entrega seus tapetes persas e suas sombras nubladas.
Porque o
problema não está na arte da venda, mas no que se vende. E principalmente no
que nunca chega. Fausto, ao menos, vendeu a alma por algo grande, ainda que se
arrependesse depois. Jacó, por outro lado, comprou a progenitura do irmão por um
prato de lentilhas, e não se sabe quem fez o melhor negócio.
Meu amigo, se
estivesse por lá, teria vendido a lentilha com embalagem premium, alugado a alma
com cláusula de recompra e ainda saído aplaudido por Lúcifer e Esaú ao mesmo tempo.
Se todos os vendedores fossem como ele, venderíamos
menos ilusões e, quem sabe, compraríamos mais realidade. Mas política, como se
sabe, é esse bazar onde o freguês sai sempre com a sacola cheia de esperança e
o bolso vazio de futuro.
Edson Pinto
Julho, 2025