Minha mãe, graças ao bom Deus,
chegou aos 84 com a vida tranquila e morando em uma das boas cidades do sul de
Minas. Não é originária da região, mas ao que parece já a adotou como o seu
paraíso terrestre. Ainda na metade dos seus 70, viúva e fervorosa amante da opção
de morar perto de algum filho, porém em casa independente e sozinha, acatou o
convite de Celma, uma de minhas irmãs que já morava no município, para também
se transferir para lá. E não se arrependeu...
Lá tem quase tudo o que se realmente
precisa e que normalmente se encontra em uma cidade grande, mas com a vantagem
de se poder respirar muito mais sossego, usufruir de um custo de vida
incrivelmente mais baixo do que o que temos na megalópole, comodidade de se ter
tudo perto de casa; uma filha amora e prestativa; genro atencioso e alguns
netos e bisnetos ao seu alcance. E mais: cheiro permanente de café no ar, “comadres”
que trazem broa de fubá, apito de trem e pessoas com espírito genuinamente
cordiais ao seu redor.
Há uma Unidade do Exército na
cidade que com razoável frequência apresenta aquele espetáculo que somente os
mais velhos guardam na lembrança: pelotões, companhias, batalhões de militares
marchando ao mesmo tempo em que entoam canções, hinos e gritos de guerra muito
criativos. Da Escola de Sargento das Armas (ESA) saem e voltam para longas
jornadas de treinamento os futuros sargentos da Infantaria, Cavalaria,
Artilharia, Engenharia e Comunicações do Exército Nacional. O palco são as vias
públicas principalmente aquelas que acompanham o rio e a antiga linha férrea.
Vê-se da sacada de seu apartamento
a Igreja Matriz, o casario conservado e belo da cidade, os campos ao longe com
cafezais a perder de vista, o Rio Verde com sua mata ciliar em volteios suaves
entrando e saindo da área central do município. Vê-se ainda o pequeno estádio
de futebol, Elias Arbex, e a Rua Edson Arantes do Nascimento que nele desemboca
e na qual se encontra restaurada e originalmente mobiliada a casa onde nasceu e
morou o menino Pelé, o nosso rei do futebol. Virou, por óbvio, um museu que
vale a pena ser visitado.
A cidade é Três Corações, nome
que pode tanto remeter às famosas três curvas em formato de corações que o Rio
Verde faz dentro do perímetro urbano e que “velhas missões paladinos de Deus e
da fé”, tal qual se encontra em versos no Hino oficial da cidade, teriam
consagrado a Jesus, Maria e José. Mas pode também ser uma homenagem aos três boiadeiros
goianos que, inseparáveis de suas três violas, não só fundaram o vilarejo original
no século XVIII como ainda deixaram em lágrimas as suas amadas Jacira, Jussara
e Moema. A poetisa tricordiana, Darcy Brasil arremata em seu poema que virou o
hino da cidade:
“Nestas serras de
doces colinas
Sob um céu sem
igual, sempre azul
Foi crescendo a
Princesa de Minas,
O recanto mais
belo do sul.”
Bem, esse é o
cenário em que dona Cida lê febrilmente de Tolstói a Flaubert, passando por Dostoiévski,
Machado de Assis, Dante Alighieri e Cervantes. Mas há sempre tempo para os
sermões de Vieira, tudo de José Saramago, Victor Hugo, Fernando Pessoa e Jorge
Amado, entre outros. Não assiste às novelas da TV, mas não perde um Manhattan
Connection do Lucas Mendes, o globo News do GNT, o Café Filosófico, o Correspondentes
Internacionais e o Roda Viva todos da TV Cultura. Pula com freqüência para a Marília
Gabriela no GNT e para o National Geographic. Bobeou, está na TV Senado e com
grande alegria na TV Justiça onde adora ver os debates do Supremo Tribunal
Federal. Descansa fazendo tricô, lendo a Folha de São Paulo e a revista Veja.
Está, neste momento, quase sendo convencida pela família para aderir ao
smartphone, mas aqui há resistências. Sei não...
Alimenta-se à moda antiga: “Acho
que não foi o torresmo que me fez mal, não. Deve ter sido aquela leitoa assada
que comi no sábado na casa de minha filha que me deu este mal-estar. Mas isso
se resolve com uma boa dose de bicarbonato”. É defensora ardorosa de algumas
teses médicas: “Olha meu filho, nem tudo o que o médico receita precisa ser
seguido à risca. Como – me explica se for capaz – o médico que te examina por apenas
10 minutinhos pode prescrever um medicamento para você tomar a vida toda?” “Eu
vou sim, ao médico, pois sei que é necessário, mas os remédios e os exames que
me prescrevem e pedem, decido eu sobre como tomá-los e se devo fazê-los”.
“Quando estou bem, suspendo o
remédio para não me intoxicar e não criar dependência. Se volto a ter um
problema intestinal ou estomacal, como o destes dias, aí eu volto a tomar o
remédio até que o mal-estar passe”. “Eu tenho condições e obrigação de conhecer
o meu corpo melhor do que os médicos, pois eles só me vêm por 10 minutos, como
disse, a cada três ou quatro meses e eu convivo com ele 24 horas por dia.”
“Quem, portanto, entende mais de mim mesma?”
E aí vem a tese matadora que me
leva ao questionamento que dá título a esta minha crônica, Teimosia ou
Sabedoria:
“Você acha meu filho, se todos esses exames
que nos pedem para fazer com cada vez maior freqüência nessas máquinas
sofisticadas que emitem fortes radiações só para nos ver melhor por dentro,
como a mamografia, a ultrassonografia, a tomografia e a ressonância magnética
nuclear se fossem coisas que não fizessem mal, os operadores de tais
equipamentos não permaneceriam na sala para nos acompanhar? “Eles simplesmente apertam
os botões e saem em disparada carreira da sala”.
"Eu, hein...”
Edson Pinto
Junho’ 2013
5 comentários:
De: Edson Pinto
Para: Amigos
Caros amigos:
Há quem diga que o cronista é o poeta dos acontecimentos diários. Concordo!
Quando se escreve algo baseado em fatos reais, o cronista, diferentemente do jornalista que se prende a frieza da concisão, tem a liberdade de brincar com as palavras para expressar a sua própria visão de mundo.
Independente de querer poetizar mais, ou poetizar menos, o leitmotiv do cronista é a busca permanente da sabedoria que se pode depreender dos fatos da vida.
Por isso, nesta semana, volto a falar de algo baseado na minha própria relação familiar e pessoal.
A crônica TEIMOSIA OU SABEDORIA que vai aqui publicada, embora doméstica, imagino possa encontrar equivalentes na realidade de meus amigos.
Bom final de semana a todos!
Edson Pinto
Tio Edson, Parabéns! Adorei esta crônica que descreve e relata tão bem o dia a dia e o jeito de ser da nossa querida vovó Cida.
De: Rodrigo Pacheco
Para: Edson Pinto
Bom dia Edson, tudo bem?
Muito boa essa “Teimosia ou Sabedoria”. Matei a saudade de sua mãe e da Celma.
Melhor ainda foi saber que elas estão bem e com saúde!!
Grande abraço a todos...
Rodrigo Nogueira Pacheco
De: Eugênio Attizani
Para: Edson Pinto
Boa tarde amigo Edson:
Fiquei muito feliz de ler sua crônica, que nos levou e nos mostra, quão grande é nossa vida, a qual tivemos a oportunidade de conviver com nossos pais e avós.
Estas lembranças que somente nos fazem bem e incorporam nossa experiência.
Feliz aquele que tem a graça de conviver com pessoas como "sua querida mãe"
Parabéns para ela e que DEUS a conserve com essa sabedoria a qual nos encanta e nos engrandece.
Um forte e abraço e grande beijo para a Dona CIDA, de toda minha família.
Eugenio Attizani Neto
De: Marco Brizzi
Para: Edson Pinto
Amigo Edson,Parabéns pela mamãe que tens...
Ela é que tinha que ser entrevistada pela Marilia Gabriela ou até a Fátima Bernardes, e dar seus sábios conselhos para esse povo, de como se pode viver melhor...
Abs.
Marco Brizzi
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