O corre-corre da vida moderna acaba
por monopolizar e canalizar nossos pensamentos para as situações mais práticas
e de cunho imediatista. O que devo fazer agora? Compro isto ou não? Vou ao
encontro de tal pessoa ou não? Estudo isto ou deixo o tema passar despercebido?
Tem sido reservado, obviamente não de propósito, aos pensadores, ao longo do
tempo, refletir sobre as situações mais transcendentais e de maior profundidade
sobre a vida. Uma dessas questões versa sobre o real significado daquilo que
convencionamos chamar de liberdade:
Primeiramente, o que significa
sermos livres?
Isaiah Berlin, o filósofo
russo/britânico que viveu quase integralmente o século XX (1909 – 1997) foi a
fundo nesta questão quando escreveu o seu famoso ensaio “Dois Conceitos de
Liberdade”, publicado em 1958. Nele, ele faz uma clara distinção entre dois
tipos de liberdades aos quais nos encontramos expostos:
A “liberdade positiva” que
corresponde ao atributo humano do livre-arbítrio que nos permite escolher e
determinar o nosso próprio destino e, por extensão, os objetivos da vida que
queremos ter. Nossas decisões de vida são dependentes exclusivamente de nós mesmos
e não de autoridades externas a nós. Decidimos por nós e não nos apraz sermos conduzidos
por outros como se não passássemos de animais irracionais ou de escravos
incapazes de ter a correta interpretação do que é a própria vida. A liberdade
positiva não se aplica exclusivamente ao âmbito pessoal quando a exercemos
sobre o nosso próprio destino, mas ela pode também ser exercida em nível social
e político.
A “liberdade negativa” diz
respeito objetivamente ao sentimento e certeza que temos ou precisamos ter de
que nenhum outro homem ou mesmo instituição nos tolhem a liberdade de fazer o
que consideramos bom para nós mesmos: Não estou algemado ou acorrentado, como
pode acontecer com um prisioneiro; Não estou sendo oprimido ou coagido para
além de um ponto tal em que, por razões justificáveis, se mostra adequado ao
meu sentimento de liberdade. Se tenho, ou se temos tal sentimento, então podemos
nos considerar livres. Essa liberdade “negativa” é o que podemos considerar
como a essência da liberdade, a liberdade de se encontrar livre dos obstáculos
externos. Em termos de convivência social, a liberdade política seria, dentro
deste conceito de liberdades negativas, aquela área preservada e desejavelmente
intocável dentro da qual podemos agir sem que nos submetamos ao constrangimento
do jugo do poder.
Considerando que tanto os nossos
objetivos pessoais e/ou políticos, na forma de liberdade positiva, podem afetar
o grau de liberdade negativa de outras pessoas, ou de nós mesmos, temos então
um grande problema sobre o qual deveríamos nos preocupar. Pessoalmente, a minha
liberdade para votar em um determinado partido político (liberdade positiva)
cujo programa de governo contém medidas que por certo violarão partes de minhas
liberdades negativas pode trazer contradições insanáveis. Por exemplo, a
necessidade de pagar mais impostos do que aquilo que eu julgo razoável ou de me
ver proibido de livre acesso a informações na forma de uma imprensa livre, são
evidentemente fatores de conflito ao antagonizar liberdade e opressão.
Regimes totalitários com
tendência a se perpetuarem no poder (nem preciso falar ao quais me refiro) mantêm
expectativas muito inflexíveis sobre os objetivos da vida das pessoas que se
encontram momentaneamente subjugadas ao seu controle. A consequência é que, com
o propósito de maximizar o que eles consideram como sendo a felicidade geral do
povo, acabam por impor severas restrições às liberdades negativas individuais,
aquelas mesmas que deveriam ser minimamente respeitas de tal modo a se evitar o
conflito entre as liberdades possíveis. Como e onde se vê isto? Ao nosso redor
e olhando para os estados com regimes que querem controlar a liberdade de
pensamento e opinião cerceando a imprensa, por exemplo. Veremos sempre um estado
que tutela de forma extremada o cidadão como se ele fosse um idiota que
precisasse de um tutor oficial para atingir a sua própria felicidade. O risco é
o que todos já sabemos: “O uso do cachimbo faz a boca torta”. Cinquenta milhões
que se beneficiam com os programas sociais fogem do mercado de trabalho e, de
lambuja, dão ao governo o presente de uma pequena taxa de desemprego e por que
não, também muitos votos...
Se a esta altura você está
ansioso para saber qual a solução para este conflito entre liberdades positivas
e negativas fica aqui apenas um lenitivo terapêutico: Só nos cabe continuar
acreditando no espírito que rege o conceito de liberdade como sendo o repúdio
incessante ao que podemos considerar como intimidação e dominação. O sentido
maior disto é que nunca permitamos que nossa visão de vida venha a se tornar assemelhada
aos grilhões que aprisionam. Em nossas cabeças, é como se estivessem presos em
nossos pés de tal forma a nos impedir de dar andamento à vida, pois o
verdadeiro sentido da liberdade é a liberdade dos grilhões.
Edson Pinto
Maio’ 2014
Um comentário:
De: Edson Pinto
Para: Amigos
Caros amigos (as):
Será que vivemos em um país que nos dá a agradável e necessária sensação de liberdade? O que significa sermos livres? Posso exercer meu livre-arbítrio sem ferir a liberdade alheia?
Não estou maluco! Apenas parei um instante para entender com um pouco mais de profundidade o que essa tal de liberdade efetivamente representa para o individuo isoladamente ou na sua relação social e política.
Vejam esta crônica/ensaio que publiquei nesta semana em meu blog: “LIBERDADE DOS GRILHÕES”.
Boa final de semana a todos!
Edson Pinto
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