Olhem bem para a foto que ilustra esta
crônica! Fui eu mesmo que a fiz no último dia 18 de maio quando de mais uma de minhas
raras e nostálgicas perambuladas pelas ruas de Belo Horizonte, uma das mais
progressistas e bem planejadas cidades do País. Quando vou até lá para visitar
parentes não há como deixar de ir ao centro, tomar um cafezinho na Praça Sete, um
“pit stop” na Savassi, uma visita ao Restaurante do Porto ou mesmo dar um
pulinho no indefectível Mercado Municipal próximo à conhecida Praça Raul Soares.
O mosaico português está em toda a parte, como nesta pobre calçada. Já explico!
Sim, eu disse “planejada”! Belo Horizonte é
mais velha, mas nasceu como Brasília e algumas poucas outras cidades
brasileiras. Fruto de um bom projeto político que demandou para a sua consecução
a inteligência, a competência e o bom gosto de próceres da engenharia, da
arquitetura, do paisagismo e até mesmo de profissionais da bem conhecida e
muito apreciada calcetaria portuguesa. Desta
arte, o exemplo magno no País são as calçadas de Copacabana que já viraram
símbolo da cidade do Rio de Janeiro.
O Engº Aarão Reis, vencedor com o melhor
projeto para a nova capital mineira, a erigiu em cerca de quatro anos partindo
de uma visão futurista e forte influência do positivismo da época. Construída para
substituir a topograficamente acidentada Ouro Preto e também para suportar o
crescimento que a recém-nascida República haveria, portanto, de proporcionar
mais espaço e mais conforto para uma população que já vinha crescendo de modo
acelerado. Sua inauguração foi no dia 12 de dezembro de 1897. Hoje BH já é uma
senhora de 117 anos, 2,5 milhões de habitantes na sua área urbana e 5,8 milhões
em sua região metropolitana. Atingiu um IDH 0.810, classificado como “muito
alto” até mesmo para os padrões internacionais. Mas tem problemas...
Ainda sobre o projeto da cidade Aarão Reis argumentou a seu favor:
“Foi
organizada, a planta geral da futura cidade dispondo-se na parte central, no
local do atual arraial, a área urbana de 8.815.382 m² dividida em quarteirões
de 120 m x 120 m e ruas largas e bem orientadas que se cruzam em ângulos retos
e por algumas avenidas que as cortam em ângulos de 45º. Às ruas, fiz dar a largura de 20 metros, necessária para a conveniente
arborização, a livre circulação dos veículos, o tráfego dos carros e trabalhos
da colocação e reparações das canalizações subterrâneas. Às avenidas, fixei a
largura de 35 metros, suficiente para dar-lhes a beleza e o conforto que
deverão, no futuro, proporcionar à população (…)”.
Assim nasceu BH, orgulho dos mineiros, mas
que como qualquer outra cidade deste País constitui-se num cadinho de culturas formada
por gente vinda de todos os quadrantes. Uns cultos, outros ignorantes. Cultos
trabalhadores, organizados, mas também cultos ociosos, displicentes,
desinteressados. Ignorantes bravos que arregaçaram as mangas para o trabalho e
o fazem o melhor que podem. Muitos ignorantes desleixados, despreparados,
incompetentes. À frente da sociedade, políticos
cultos, políticos incultos. Uns zelosos, honestos, outros calhordas, preguiçosos,
irresponsáveis e despudorados. Nesse cadinho real o bom e o ruim, o bem e o mal
se misturam, se fundem, e formam uma massa estranha, difícil de ser
compreendida e explicada.
A calçada da foto é consequência da parte
dessa massa gelatinosa que, por descuido do lado bom da sociedade, ainda prospera
impune. O calceteiro caprichoso dos primórdios fez o desenho harmônico com os
mosaicos e criou o efeito de ondas que se expandem ao infinito. Passam-se os
anos, o que, em geral, nos sugeriria mais aperfeiçoamento técnico e mais gosto
estético e nos vem os “profissionais” da vez. Provavelmente para embutir uma
fiação sob a calçada eles se mostram incapazes de recolocar os históricos
mosaicos em linha com o desenho original. Simples assim: pretas com pretas,
brancas com brancas. O único desafio para apenas dois ou três neurônios seria o
de respeitar o desenho original. Aposto quanto quiserem que uma criança de
apenas três anos saberia como fazê-lo melhor.
No mesmo cadinho sou tentado a jogar
algumas perguntas para tornar a massa cultural mais palpável: Por que dar um
serviço a quem não tem o menor preparo para tal? Quem contrata o serviço não
deveria fiscalizar e exigir qualidade antes de pagar por ele? Por que muitos acham
que o problema não é deles e sim dos outros e se omitem enquanto a sociedade
engole calada sem se mexer, protestar, reclamar e exigir respeito? Por que
temos esta postura de achar que as pequenas coisas não são importantes e que por
isso podem ser relevadas? Quando vamos ter consciência de que o bem público é
feito e mantido com o dinheiro dos impostos que pagamos e que, portanto temos o
direito de exigir qualidade no seu gasto?
Quando nos perguntamos por que nunca
ganhamos um prêmio Nobel enquanto há países que os tem às dezenas fica-nos um
travo na garganta, um desconforto insuportável de ver que em nosso País cada
vez mais a impressão que nos fica é que temos involuído. A Política era
atividade nobre e honrada, hoje é abominável. Os profissionais eram competentes,
hoje são uns porcalhões. A calçada era bem cuidada e elegante, hoje é um lixo.
Será que tem jeito?
Edson Pinto
Maio’2015