23 de jul. de 2015

299) FALÁCIA “TU QUOQUE” (VOCÊ TAMBÉM)


Em decorrência da apuração de suposto desvio de bilhões dos cofres de uma empresa pública, um dos envolvidos se encontra preso em uma cela da Polícia Federal em um lugar qualquer deste imenso País. Embora diminuta, a cela tem duas portas vigiadas por dois policiais protegidos por máscaras para não serem identificados. As portas, igualmente não identificadas, têm cada qual um destino. Uma leva à liberdade, a outra à morte moral e política.

É dada ao preso a oportunidade de escolha de uma das portas para dali sair. Obviamente ele quer escolher a porta que o leve à liberdade. O carcereiro permite-lhe fazer apenas uma pergunta a um dos dois policiais que vigiam as portas. É dito ainda que um dos policiais, sem que se identifique qual, fala sempre a verdade, enquanto o outro é um mentiroso contumaz.

Estivesse você no lugar do preso, que pergunta você faria a um dos guardas?

Volto à resposta ao final do texto.

Antes:

Adaptei esse clássico e já bem conhecido problema de lógica para mostrar que vivemos um momento ímpar da vida nacional. Como nunca antes visto, recorrer aos ensinamentos da Filosofia se tornou tão necessário quanto o ar que respiramos, o alimento que ingerimos e a água que bebemos. Na Grécia antiga – não nessa Grécia estropiada de hoje – filósofos como Aristóteles já haviam detectado a importância de se estudar os processos intelectuais que levam ao conhecimento correto de tudo o que nos rodeia. Só assim seremos capazes de entender quais argumentos são verdadeiros e quais são falaciosos, mentirosos...

Vivemos em um mundo de falácias quando argumentações com aparência de verdades são produzidas para os propósitos de engano. Tanto na esfera da lógica como na esfera da retórica as falácias pululam de forma permanente como recurso para livrar a cara daqueles que agem política e moralmente de maneira condenável. Não raro, argumentos que vêm embrulhados em lindo papel de verdades incontestes não trazem mais do que um conteúdo falso. Entre dezenas de tipos já classificadas de falácias, quero pinçar e comentar sobre uma delas:

A falácia “Tu quoque”, ou “você também”: É o argumento daquele partido político - por exemplo - que já não tendo encontrado justificativa convincente para as suas pedalas fiscais não encontra outra saída senão a de admitir os seus erros, mas justificá-los com o fato de que outros também o cometeram. Assim, imaginam que ao se igualarem a outros pecadores que por quaisquer razões não foram punidos também deveriam merecer o mesmo tratamento. Lembrem-se daquele personagem do saudoso Chico Anysio, Tavares, um hipócrita assumido, bêbado, que sempre saia com a máxima de: “Sou, mas quem não é?”.

O governo que esta aí e com o volume de problemas que conseguiu acumular, por mais boa vontade que tenhamos para com ele, já deve ter esgotado todo o arsenal de falácias possíveis e imaginárias na tentativa, hoje, vã de transformar mentiras em verdades. Se acontecer uma reviravolta do quadro atual mantendo-se os mesmos personagens será não só um milagre, mas a contestação histórico/milenar de que a lógica e a coerência deveriam sempre reinar sobre os atos da vida. A Filosofia e a sua afilhada, a Lógica, seriam colocadas de cabeça para baixo...

A propósito, a única pergunta que levaria o preso para o caminho da liberdade seria pergunta a qualquer um dos guardas: Qual porta o outro guarda indicará como sendo a da liberdade?

Explico:

Primeiro, se a pergunta cair para o guarda mentiroso, ele certamente dirá que o outro guarda (por exclusão o que fala a verdade) apontará determinada porta como a porta da liberdade. Estaria, como sempre, mentindo, distorcendo, a verdade do outro.

Segundo, se a pergunta cair para o guarda que só fala a verdade e sendo este sabedor que o outro guarda sempre mente, este também apontará para a mesma porta como sendo a porta que levará à liberdade.

Conclusão: Como ambos indicariam a porta da morte como sendo a que pressupostamente levaria à liberdade, bastaria então seguir para a outra porta, ela sim a porta da liberdade.

O preso não viu, pois os guardas encontravam-se mascarados. Soube, contudo e apenas depois de já se encontrar em liberdade, que o guarda mentiroso tinha em seu peito a tatuagem de uma estrela vermelha.

Edson Pinto

Julho’2015

Um comentário:

Blog do Edson Pinto disse...

De: Edson Pinto
Para: Amigos

Caros amigos (as):

Ninguém com razoável experiência de vida há de esperar que tudo o que se ouve seja absolutamente verdadeiro. Enquanto os animais irracionais dissimulam por motivos de sobrevivência, o ser humano o faz também até mesmo por razões escusas.

Tanto é verdade que, bem uma centena de falácias de lógica e oratória, já se encontra catalogada. Servem como ferramentas habilíssimas para os que querem enganar...

No texto desta semana falo sobre uma dessas falácias, aquela que se escuda no erro dos outros para justificar os próprios.

Abraço e bom final de semana a todos!

Edson Pinto