Sol de maio,
meio-dia...
O campo todo
quieto que até o vento parecia descansando. Debaixo do ipê rosa, ainda por florescer,
três homens simples de aparência, mas ricos de filosofia se encostavam silenciosos, suados, depois de encherem o
bucho com arroz, ovo frito e farinha molhada d’água de moringa.
Zé Grande
coçou o queixo barbado, olhou o céu limpo como uma folha de papel pronta para se escrever, e lascou:
— Ocês
já pensaram que nóis tá vivo sem sabê por que e pra quê?
João do
Dico engoliu o último naco de rapadura e fez cara de quem engoliu também a
pergunta.
Só Joaquim
Véio respondeu, depois de cuspir pra longe, ao mesmo tempo em que principiava enrolar
um cigarro de palha:
— Vivo
a gente tá, né. Pra quê, como dizem, é Deus que sabe. E talvez nem Ele saiba
direito. Tem sabidos por aí que falam que cada um de nóis é que deve dar o
sentindo à própria vida. Eu acho isso certo...
Zé Grande
riu daquele jeito triste de quem se faz de engraçado para disfarçar o medo que
sente por dentro. Olhou o mato, como se ali morasse uma resposta escondida,
entre folha e sombra.
— Será
que vale, isso tudo? Acordá cedo; botá a enxada no lombo; capinar; vê o dia passá sem novidade, só esperando a
morte chegar de mansinho?
João do
Dico ajeitou o chapéu de palha e falou pela primeira vez:
— Mas
morte é a única certeza que tem. E nóis ainda duvida e se espanta quando vê ela
buscando nossa gente...
— Eu
não sei se sou feliz - disse Zé Grande, quase num sussurro. - Às vezes eu sinto
uma tristeza sem nome, que vem do vento, ou de mim mesmo, sei lá...
—
Felicidade é passar o dia sem dor nas costela - disse Joaquim Véio.- Já é
muito. O resto é invenção de cidade, de gente que não gosta de trabaiá.
O
silêncio veio outra vez, feito bicho arredio. O sol se moveu um dedo no céu.
— Ocê
acha que tem Deus mesmo, Zé Grande? - perguntou João do Dico, com voz de quem
pisa em chão mole.
— Acho! Mas é
um Deus que fala baixinho e nóis quase nunca escuta. Um Deus escondido nos buracos
da vida da gente, nas pausas pra armuçar;, na sesta da tarde...
Joaquim
Véio assentiu com a cabeça, devagar:
— Um
Deus que não responde, mas escuta. Igual a terra.
Os três
ficaram olhando o horizonte, onde o mato se enrosca com o céu. Não disseram
mais palavra porque a fala cansa mais que o cabo da enxada, às vezes. Mas
naquele silêncio, alguma coisa se ajeitou dentro de cada um.
Foi quando
Joaquim Véio pigarreou, já fumando, limpando a garganta do tempo, e falou com a
calma de quem já viu mais do que contou:
— Eu fico
pensando... será que nóis já não é feliz, do nosso jeito? Será que precisa
mais? Será que felicidade não é isso aqui mesmo: barriga cheia, sombra de
árvore, o mundo calado em volta da gente?
Zé Grande e
João do Dico olharam para ele, quietos. Joaquim Véio transbordando de sabedoria
de vida bem vivida, continuou:
— Tem gente
que dá volta no mundo, vai longe pra buscar sossego, paz... mas será que não é
aqui que ela mora? No cheiro da terra depois da chuva, no pão que a gente parte
junto, no silêncio que a gente entende sem dizer, na mulher que espera nóis pro
café, pro jantá; nos filhos que Deus nos mandô ?
Joaquim Velho
deu um suspiro comprido, como quem esvazia um quarto dentro do peito e arrematou
com sabedoria:
— Talvez a
felicidade seja só isso: sabê que a vida é pouca, mas ainda assim sentá com
dois amigos e vê o tempo passar, sem pressa, sem ambição. Se isso não for
felicidade... então eu nem quero sabê o que é...
E o vento
voltou a soprar, devagarzinho, como se também tivesse escutado.
Edson Pinto
Junho’2025
Um comentário:
A crença e confiança em Deus permite alivio em preocupações e ansiedades. Nos tornam mais resilientes em face a coisas da vida e ...
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