De repente eu estava lá com aquele pequeno objeto em minhas mãos. Pouco maior que uma caixinha de fósforos, dessas que os tempos modernos ainda não conseguiram totalmente extinguir. E como tal, era leve, jeitoso de se pegar, mas robusto como devem ser os objetos que têm a pretensão de serem marcantes na vida de quem os usa.
Foi como se caísse sobre a minha cabeça a cruel borduna do tempo, estremecendo nervosamente todas as sinapses de meu já bem rodado cérebro, até que, voltando no tempo, me visse na casa de meu avô, naquele histórico momento em que me descrevia as maravilhas do gramofone manual que ele mantinha no canto de sua sala de visitas.
Eu disse sala de visitas, pois era exatamente lá que - ao estilo de um espetáculo cerimonioso aos seus admirados convivas - ele girava manualmente a maravilhosa máquina que ia reproduzindo - em qualidade para os padrões de hoje, inaceitável - a música que agradava aos espíritos e punha no peito de cada um o orgulho de estarem vivendo uma época de tanto progresso e conforto.
Supondo que uma música completa exigisse 200 maniveladas naquela “maravilha”, seriam – calculei rapidamente – 2 milhões de pacientes e coordenados giros para se ouvir as 10.000 músicas daquela “quase-caixinha-de-fósforos” que ainda mantinha, entre trêmulo e surpreso, nas minhas mãos. É óbvio que não se ouve uma música, uma única vez. Então, seriam outras milhões de maniveladas adicionais. E, o pior, sempre naquele mesmo cantinho da sala de visitas.
O tempo decorrido entre a invenção da maravilhosa máquina de reproduzir sons até os dias de hoje, passando pelo aperfeiçoamento dos reprodutores automáticos, dos bolachões de vinil, do “pick-up” dos sonhos de cada jovem, dos gravadores de fitas magnéticas, dos cassetes, e dos CD’s, foi certamente curtíssimo quando olhamos, em escala, a trajetória humana sobre este mundo de contrastes, injustiças, guerras, mas também de avanços que interferem em nossas vidas, na maioria esmagadora das vezes, para melhor.
Recuperada a consciência e com as sinapses devidamente refeitas e agora ampliadas, me dou conta de que não poderia deixar passar tão curta permanência nesta dádiva Divina, que é a vida, sem desfrutar de tamanho prazer. A música, especialmente, este modo sublime de comunicação, tem implícito o poder de mexer com nossas emoções, com o intelecto e com a psicologia que nos dão forma. Uma boa música pode aplacar nossa solidão ou até mesmo incendiar nossas paixões, filosofo, ainda atordoado...
Transmutei-me para outra dimensão...
Edson P. Pinto
dez'2005
Um comentário:
Hey Edson,
Como você mencionou a importância da música para nós seres humanos, aos teus leitores indico o livro "Alucinações musicais: relatos sobre a música e o cérebro" de Oliver Sacks (Companhia das Letras, 2007.
Abs, Giba Canto.
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