Meus amigos mais próximos sabem que, vez por outra, me desabalo para Belo Horizonte, onde, entre outros prazeres familiares, dou uma mãozinha na Loja The Army, de um de meus filhos e que é especializada na moda militar de vanguarda.
Sinceramente, gosto muito de me relacionar com pessoas e para isso não há coisa melhor do que atender o público em um comércio nos moldes tradicionais, com balcão, demonstração dos produtos, negociação de preços e outras facetas que mais adiante quero lhes contar.
Tal prazer se faz, ainda mais evidente, quando isso pode acontecer no coração cultural de um povo com características muitíssimo peculiares e com uma matreirice docemente intimista como é o estilo que tão bem caracteriza o povo mineiro.
Aqui está o meu registro real e pessoal sobre o que tem sido atender clientes consumidores finais nas alterosas. Eu que passei grande parte de minha vida profissional vendendo idéias e projetos para outras empresas, usando argumentos de base fortemente técnica – de repente – me vejo maravilhado com o “minerim”, o mais esperto, diabólico e sagaz de todos os compradores que se pode imaginar:
__ Tá caro, sô!... __ Esse tal de Hesbollah não vai me encrencar não? (referindo-se a uma de nossas camisetas temáticas) __ E esse tal de Hamás não é aquele povo que bota bomba em tudo que vê, e depois finge que não tá sabendo de nada? __ Essas pinturas aqui das camisetas não vão estragar não, sô?
Eu tenho que soltar um sorriso, usar todo o meu estoque de argumentos para valorizar o produto, destacar seus diferenciais e ainda aplacar a desconfiança que faz do mineiro um arguto negociador.
__ Este tecido é de "rip-stop", meu senhor. Foi desenvolvido para o uniforme do Exército americano no Iraque. Não rasga, por isso o nome rip, de rasgar, e stop, de parar... Entendeu? Ou, então:
__ Não, meu senhor, não se preocupe. O Hesbollah é um partido político, legal, que detém 14 cadeiras na Assembléia Nacional do Líbano e o que faz é tão somente defender a sua pátria, resistindo, ao extremo, ao poderio de Israel, ou ainda:
__ O Hamás, esse então, é o movimento de Resistência Islâmica da Palestina, criado na cidade de Gaza com objetivo de obtenção da libertação de seu território, acrescento para espanto do “minerim”, desconfiado por natureza, que agora - e só percebe quem nasceu lá - já com os olhos brilhando de contentamento, porém tentando esconder a sua alegria e com isso inibir-me a possível tentação para cobrar-lhe um pouco mais.
__ Desde o rio Jordão até o mar, finalizo com a adequada cautela e evitando prosseguir no intricado tema.
__ As nossas camisetas são em gel resistente que não apresentam problema na lavagem nem na hora de passar, ou ainda: __ Observe que aplicamos o bordado em sua camiseta ou em seu quepe militar sem cobrança adicional. Temos aqui uma máquina exclusiva que faz isto em 20 segundos. Essa cortesia – “sem cobrança adicional” – era, exatamente, o que ele gostaria de ter ouvido desde o início de nossa conversa. Já compensa liberar um leve sorriso, e ele o faz...
Como podem ver, são mesuras, acrobacias verbais, e salamaleques que não se esgotam. Nunca perco a calma, pois isto mineiro não aceita. Ou te diz algumas verdades, ou engole em seco, e nunca mais volta. Aí você fica com dó do sujeito; concede-lhe um generoso desconto e fica até com o coração partido, imaginando que talvez aquele dinheiro vá fazer falta a ele ou a sua família.
O "minerim", então, enfia a mão na algibeira e tira um montão de notas daquele "bolão" e paga "tudim" na grana. Dinheiro no Banco? Nem pensar... O governo fica sabendo e te limpa "interim". __ E nem me venha com essa bendita da Nota Fiscal que isso deixa rastro, sô... e sai dando aquela risadinha como se estivesse relatando uma vitória.
Se pudéssemos ouvir, captaríamos o que naquele momento é privilégio só de seus botões: “Viu, sô? Já se foi o tempo que mineiro comprava bonde ou qualquer outro "trem" sem "intendê tudim bem direitim" e sem pagar um precinho de pechincha. Ninguém me passa pra trás, não, sô. Mineiro não é bobo não... O "homi" me vende o "trem", mas tem explicar "tim por tim" e o preço tem que ser o meu e não o dele...”
Aí vem a gratidão quase impossível de ser compreendida por quem não freqüenta aquela abençoada terra: Em outro caso, concedemos um desconto de apenas R$5,00 nunca compra. O cliente fica tão feliz com o gesto que volta 10 minutos depois com uma caixa de bombons de presente que no mínimo teria custado umas cinco vezes mais do que o desconto que conseguira.
Entende?
Edson Pinto
postado em 24/6/08
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