24 de mai. de 2012

202) CHUTE NO TRASEIRO

De toda essa história relacionada com o atraso das obras da Copa do Mundo de 2014 e que levou o secretário geral da FIFA, Monsieur Valcke, a sugerir um solene e estimulante chute no nosso traseiro, eu, como certamente muitos outros brasileiros conscientes, não me senti ofendido com a grosseria, pois ela pode ter lá suas razões e comportar, segundo o ponto de vista de cada um, várias interpretações. Notadamente, é de se ressaltar que as evidências já arraigadas em nossa cultura demonstram que as coisas por estas bandas só acontecem com rapidez quando nossa retaguarda anatômica se vê acicatada por um 44, bico largo, como dizia meu saudoso avô.

Não é fácil fazer com que as coisas aconteçam aqui na Terra Brasilis no mesmo ritmo em que acontecem alhures. O governo anuncia um plano para construção de tantos milhões de casas para a população carente. Passam-se os anos e o que se consegue mal atinge a uma ínfima parte daquilo que se planejou. As promessas são, então, renovadas. O famoso PAC (Plano de Aceleração do Crescimento) não consegue alçar voo mais alto porque os entraves burocráticos, a leniência dos responsáveis pelas obras, e até mesmo a corrupção e o despreparo gerencial de nossos lideres prevalecem sobre a urgência e as boas intenções dos planejadores.

Desde Dom Pedro II, no século XIX, a tal transposição do Rio São Francisco para irrigar o semi-árido nordestino não chega ao fim. No equivalente de tempo transcorrido desde que Dom Pedro anunciou o tal projeto, os egípcios, com os parcos recursos tecnológicos de 3000 anos atrás, já teriam construídos, por baixo, umas três pirâmides, como as de Quéops, Quéfren e Miquerinos.

A Transamazônica, aquela estrada que ligaria os rincões da Amazônia ao sul do País, lembram-se? Fizeram umas poucas e porcas picadas na selva e hoje a Natureza já cuidou de reincorporá-la ao seu patrimônio. Os produtos eletrônicos produzidos na artificial Zona Franca de Manaus só chegam aqui, rápido, se for de avião. O custo Brasil, é óbvio, vai para as alturas e a integração do gigantesco território só fica na ficção. O mais sério é que - no ritmo em que andam as obras de infraestrutura no País - não tardará a nem mesmo termos mais condições de movimentar cargas nos nossos superlotados e defasados aeroportos. Será que voltaremos à época das tropas de burro atravessando os sertões brasileiros para levar e trazer mercadorias? Seria um atraso, mas - convenhamos - ainda assim, bem romântico...

Parece que tudo, contado desta forma, leva-nos a concluir que as coisas encontram-se muito erradas, não é? O que justificaria a exuberância econômica do nosso País não seria apenas o presente que o Criador, em momento de extrema generosidade e grandeza, nos deu? “Criança, não verás nenhum país como este/ Olha que céu, que mar, que rios, que florestas/ A Natureza aqui perpetuamente em festa/ É um seio de mãe a transbordar carinhos...” Olavo Bilac, como se vê, já tinha sacado com o mais absoluto lirismo esse - digamos - golpe de sorte de quem viria, pelas graças de Deus, ter acesso à luz neste abençoado território centro-oriental da América do Sul, que é o nosso amado Brasil.

Pero Vaz de Caminha na sua famosa carta de 1º de maio de 1500 já tinha reportado a Dom Manuel que, por aqui: “... a terra em si é de muito bons ares frescos e temperados como os de Entre-Douro e Minho, porque neste tempo d’agora assim os achávamos como os de lá. Águas são muitas; infinitas. Em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo; por causa das águas que tem!”

Seriam essas benesses as razões de nosso comodismo face aos desafios de uma vida dura que em tese não temos? Se Deus nos foi tão generoso por que iríamos nos neurotizar na busca de um comportamento austero desnecessário? Quem vive melhor: os dedicados asiáticos que exigem padrões de disciplina rigorosa aos filhos para superarem suas vicissitudes ou nós brasileiros que podemos levar a vida mais na flauta? Considerando que a passagem terrena é maravilhosa, breve e única, por que não fazê-la com um pouco menos de responsabilidades?

Eis aqui, meus amigos, a reflexão que vale a pena ser feita. Depende do que cada um pensa da vida. Um chute no traseiro pode, portanto, ser considerado um alerta, um desafio, uma grosseria ou quem sabe até mesmo uma manifestação de ciúme.

Edson Pinto
Maio’ 2012


3 comentários:

Blog do Edson Pinto disse...

De: Edson Pinto
Para: Amigos

Caros amigos:

“Vire e mexe”, como na expressão popular, vem à tona o tema do atraso na execução das obras necessárias e compromissadas para a Copa do Mundo de 2014 a ser realizada aqui no Patropi.

Os jornais de hoje, por exemplo, nos trazem informações sobre o tamanho do atraso. Há obras que ainda nem concluíram o seu obrigatório projeto básico de engenharia. Isto significa que, após finalizado o projeto, devem ainda ser licitados e executados. É como se estivesse, infelizmente, na estaca zero.

As avaliações apresentadas na imprensa são - como é da característica da cultura brasileira - incompletas e confusas: Se algumas das 101 obras que constituem o pacote da Copa do Mundo forem de pequeno porte (o que não vem sendo bem difundido para o público em geral) e cujos prazos de execução sejam, digamos, por exemplo, de apenas 6 meses, então não haveria com o que se preocupar.

Outras, como a construção dos estádios, pela extensão da obra e notória complexidade, obviamente preocupam, pois falta pouco mais de dois anos para a Copa do Mundo e apenas um ano para a Copa das Confederações.

De qualquer modo, achei interessante especular sobre este tema e escrevi a crônica da semana, CHUTE NO TRASEIRO, que já se encontra postada no meu blog.

Veja se você se identifica com alguns dos pontos de vista que externo no meu texto.

Bom fim de semana a todos!

Edson Pinto

Anônimo disse...

A principal causa que impede o PAC (Plano de Aceleração do Crescimento ou a maior concentração de canteiros de obras abandonados do planeta, como define muito bem Augusto Nunes em seu Pequeno Dicionário da Novilíngua Lulista) é a corrupção cujo ápice foi atingido no governo petista, e não os demais fatores apontados. Fernando Cavendish com a sua Delta está aí para comprovar essa afirmação.
Dizer que o chute no traseiro é “quem sabe uma manifestação de ciúme” é acreditar piamente não apenas nos versos de Olavo Bilac que “não existe país como este”, mas também na propaganda oficial que pespega em nossos ouvidos a máxima que moramos no país mais lindo do mundo. Belezas naturais existem em qualquer país do mundo, e achar as nossas as mais lindas do mundo é ser por demais chauvinista. As florestas além de serem “um seio de mãe a transbordar carinho”, são também o seio de uma madrasta muito má a transbordar febre amarela e maleita.
Osvaldo P. Castanha – osvaldocastanha@yahoo.com.br

Blog do Edson Pinto disse...

De: Edson Pinto
Para: Osvaldo Castanha

Caro Osvaldo!

Infelizmente, é, de fato, muito do que você considerou: A corrupção sempre foi, e parece que deve perdurar por muito tempo, ainda como um dos principais entraves ao nosso crescimento harmônico.

O descaminho, contudo, só prospera face à leniência da sociedade. Somos, todos - dói, mas é necessário que se diga - culpados por colocar nos cargos de mando aqueles que, paradoxalmente, sempre nos dilapidam. Puro masoquismo social...

Penso, no entanto, que é preferível, ainda, manter-nos alertas, atuantes e otimistas quanto a um futuro melhor do que entregar de vez a chave do banco de sangue aos nossos políticos vampiros. Eles continuarão mais astutos fazendo a festa.

A esperança, felizmente, ainda preserva seus sinais vitais. E é nisto que temos que nos agarrar...

Abraço

Edson