16 de jul. de 2014

269) MENINOS, SEM QUERER, EU VI...

Os meus poucos, mas fiéis leitores notaram que fiquei mais de 30 dias sem publicar novos textos no blog. Alguns quiseram saber se eu estava bem de saúde, se tinha viajado ou que diabos teriam me desestimulado a dar prosseguimento ao hábito que tanto prezo e que me faz bem que é o de colocar sistematicamente no papel aquilo que gira solto na minha cabeça. Sei e reconheço que a maioria, contudo, deve ter ficado feliz pela trégua que lhes dei. Afinal, temos mais tarefas e agitação do que tempo para satisfazê-las.

Gosto muito de futebol, sem, contudo, ser um especialista e fanático. Conforme já havia dito em meu texto de nº 264, “A Pátria de Chuteiras”, eu estava não só entusiasmado como até mesmo me preparando para viver intensamente esta maravilhosa Copa do Mundo que acaba de ser realizada aqui no nosso País. Pensando bem, o futebol é apenas uma parte do espetáculo. Todo o conjunto de manifestações sociais, políticas, relacionamentos pessoais, oportunidades de turismo e lazer é que, tudo somado, fazem da Copa do Mundo um evento ímpar.

Todavia, por mais que eu me deleite com este esporte, sinceramente, não me disporia a pagar milhares de dólares por um único ingresso aos estádios como vimos abundantemente serem vendidos por cambistas ligados à própria FIFA. Esporte e esperteza não combinam. Aos que praticam o esporte com o uso ilícito do doping aplica-se a punição do banimento. Aos que dele se aproveitam financeiramente e trapaceiam reserva-se o xilindró. Além do mais, a tecnologia moderna nos oferece condições excelentes de imagem, áudio e de informações que, estar assistindo aos jogos de casa ou de algum ambiente de maior aglomeração social, como um bar ou um clube supre-nos em abundância com as emoções que emanam das partidas. E eu queria – como de fato consegui – assistir, pela TV e com amigos, todas as partidas realizadas, exceto uma... E é sobre esta em especifico que quero falar.

E por que a esta “uma” eu não a assisti pela TV? Quis o destino que, pelo site da FIFA, através do sistema de sorteio, ter conseguido, meses antes de iniciada a Copa, comprar ingressos para a partida de nº 61, semifinal no Estádio Mineirão em Belo Horizonte no dia 8 de julho. Podia ser qualquer time a estar lá naquele glorioso dia, mas botei fé de que assistiria a uma partida do Brasil. E pela análise que fazia com a família, com grande certeza daria o Brasil contra a Alemanha. De fato, tudo ocorreu como sonhado: O Brasil iria enfrentar a poderosa Alemanha exatamente naquele jogo.

E lá estávamos, família em peso, cheios de alegria e confiança. Nem o fato de termos perdido o Neymar e o zagueiro Thiago Silva para aquela partida foi suficiente para tirar a nossa esperança por uma vitória redentora. Estávamos em casa; as condições climáticas, ambientais e até a atmosfera estavam a nosso favor. Tudo funcionou bem e organizadamente. Há anos não entrava em um banheiro de estádio tão limpo; não sentava em cadeiras tão confortáveis; o estádio dispunha de telões com imagens reluzentes que nos davam informações úteis. “Tudo bacana”, para usar um termo comum na época em que ainda adolescente, no final dos anos 60, frequentava aquele mesmo Mineirão de arquibancadas rusticamente cimentadas.

Já havia jurado nunca mais voltar a estádios enquanto não fosse respeitado como consumidor consciente. Os nossos estádios, até que o padrão FIFA se fez presente, eram infames, verdadeiras pocilgas. Aquele oito de julho se me apresentava como a redenção de todos os nossos pecados terceiro-mundistas. As pessoas se confraternizavam até mesmo com os adversários do dia, os alemães, como se estivéssemos ali não para tentar superar um já tricampeão mundial, mas sim para comemorar uma vitória que de antemão já se dava como certa.

Mas eu vi... E digo como dizia o velho chefe timbira ao narrar as proezas do índio tupi no romance “I-Juca Pirama” de Gonçalves Dias: Meninos eu vi! Eu vi um time desfigurado, impotente, atônito, humilhado ser massacrado por magricelas de pernas longas e cabelos louros que passavam bola de pé em pé assemelhadamente ao que os Globetrotters faziam como as mãos. E foram sete gols que nos fizeram pequeninos como nunca antes na “história deste País”. E se o futebol não funcionou, todo o resto tomou aspectos nebulosos, perderam a graça como quando se desperta de um sonho tão fabuloso quanto irreal.

Meninos, eu vi o semblante das pessoas que estavam ao meu redor transmudarem de expressivos para apáticos; de sorridentes para carrancudos; de fraternais para agressivos e perplexos. Lembrei-me - ato contínuo - de outro texto que escrevi em 02 de julho de 2010 quando o Brasil havia perdido naquelas quartas de finais para a Holanda, na copa da África do Sul. Vide meu texto de nº 127, “Cinco Minutos de Tristeza”. Mas senti que, ao contrário daquela derrota de quatro anos antes, esta do Mineirão e nas condições em que ocorreram, apenas cinco minutos não seriam suficientes para apagar o desalento que se abateu sobre nós.

O céu que naquele dia apresentava-se aberto, lindo, ensolarado, de repente começou a mudar para um tom cinzento que causava medo. E não era chuva, meninos, eu vi! Era certamente de tristeza pela frustração de não apenas não vermos realizada um sonho legítimo, pois afinal somos o país do futebol, mas uma decepção de tamanha monta que procurar culpados ou encontrar justificativas de qualquer ordem torna-se desnecessário e contraproducente.

Mas, a vida continua e os fatos mudam as percepções que temos dela. Em tudo o que ocorre há sempre uma lição a ser extraída, a menos que não queiramos. O futebol para mim tem muito a ver com o curso da nossa própria existência: ganhamos ou perdemos. Nada de novo! O importante é termos consciência de que as maiores lições vêm-nos dos momentos em que fracassamos e não dos momentos de vitórias. É preciso crer, portanto, na real possibilidade de sermos derrotados. Só assim, as vitórias que esperamos para o futuro serão comemoradas com glória.

Até à Rússia em 2018...

Edson Pinto

Julho’2014 

2 comentários:

Blog do Edson Pinto disse...

De: Edson Pinto
Para: Amigos

Caros amigos (as):

Embarquei no “Costa Concórdia” da Copa do Mundo e sumi por mais de 30 dias.

Volto agora contando na crônica desta semana MENINOS, SEM QUERER, EU VI a minha experiência de brasileiro apreciador do esporte bretão. Ou seria alemão?

Bom final de semana a todos!

Edson Pinto

Anônimo disse...

Gostei muito do texto e especialmente da sua experiência "Eu vi ..." e da reflexão sobre a nossa vida. É isso...realmente.
Excelente.
Abraços
Cristina Taurizano