Contam que em século pretérito as
paróquias do Pilar e da Conceição, ambas em Ouro Preto, MG, disputavam entre si
o direito de terem definitivamente em seus respectivos altares certa imagem de
Nossa Senhora muito adorada pelos fiéis da época.
Num gesto aparentemente
conciliador, o vigário da paróquia do Pilar fez ao outro a proposta para que
amarrassem a imagem da santa num burrico que naquele momento vagueava pelas
vielas do povoado: Liberado em ponto equidistante às duas paróquias, deixariam
que o angelical muar se dirigisse livremente para aquela que mais lhe
apetecesse. A paróquia, assim escolhida,
tomaria a posse definitiva da santa. Dito, tratado e feito. O burrico quase que
sem pestanejar marchou célere para a paróquia do Pilar.
Passado algum tempo soube-se que
aquele burrico dócil pertencia já de há muito ao vigário da Paróquia do Pilar e
era lá que tinha a sua morada e o capim de cada santo dia. Ao delegar a decisão
ao “tertius burrico”, o esperto vigário omitiu tal fato. Já sabia, de antemão,
que era para lá que ele se dirigiria, uma vez que, como muita gente que
conhecemos hoje de sobeja, mesmo sem ter as orelhas longas do protagonista em
questão, mas por mera parvoíce, visão bitolada, cabeça-dura e dependência
alimentar, faria sempre a mesma coisa. Estava assim estabelecida a versão
brasileira do conto do vigário. Há outra versão de origem portuguesa que se
atribui a Fernando Pessoa pelo seu conto homônimo, mas que não vem ao caso
citar aqui. Fiquemos com esta versão bem brasileira, bem mineirinha...
Como sabemos, já há tempos, toda
vez que nos deparamos com uma “esperteza” lembramo-nos do vigário e mais
especificamente do substantivo que ele, a contragosto, imagino, conseguiu incluir
em nosso léxico: “vigarice”. Atenção, portanto, amigos: Quando alguém, de forma
dissimulada, maneirosa e dócil lhes oferecer alguma operação vantajosa tenha sempre
em mente que isso ou vem de sua adorável mãezinha ou vem do vigário da paróquia
do Pilar...
O telefone toca:
__ Boa noite senhor, aqui é da
Vivo. Gostaria de falar com o proprietário da linha.
__ Sim, é ele.
__ Senhor, esta ligação por
motivo de segurança está sendo gravada (isto dá certa seriedade à conversa, não
é?). A Vivo tem uma excelente oferta para o que o senhor “possa estar
reduzindo” o valor da sua conta do telefone fixo (olha o gerúndio!).
__ Ótimo que esteja sendo gravada.
Aprecio muito esta providência. Assim, quem sabe ela poderá me ser útil mais à
frente. Farei o mesmo do lado de cá. Neste caso, se vocês a perderem eu poderei
usar a minha...
__ Senhor, estamos vendo aqui no
nosso cadastro que o senhor tem uma linha fixa e que o seu gasto tem sido ao
redor de R$200,00 por mês. Gostaríamos de oferecer-lhe a possibilidade de
migrar para um plano de 100 minutos que lhe custará apenas R$31,00/mês. É muita
economia!
__ Ué (assim mesmo, bem
mineiramente), vocês da Vivo não estão precisando de dinheiro? Por que abririam
mão dos meus R$200,00 e se contentariam com apenas R$31,00? Será que entendi?
Nem precisa explicar, já captei...
__ Senhor...
__ Espera aí! O que há por trás
disso? Já sei. Provavelmente eu que uso muito mais do que 100 minutos (menos
que duas horinhas por mês) deverei ser penalizado pesadamente com os minutos
que excederem a isto, não é mesmo? Cada “papo” semanal com a minha mãezinha
leva no mínimo duas horas. No mês já seriam oito horas. E os meus compadres e
as comadres da minha mulher que ainda nem sabem da existência do WhatsApp? Nada
feito!
__ Senhor, mas...
__ Além disso, "minha
querida", eu não consigo entender a lógica capitalista dessa grande
empresa. Enquanto todas as atividades econômicas buscam maximizar os seus
lucros, esta, surpreendentemente, optaria por reduzi-lo? Façamos o seguinte:
Como estou satisfeito com o que pago e com a utilização que dou ao meu telefone
deixarei tudo como está. Agradeço a sua gentileza. Boa noite!
Telefone desligado vem a
reflexão:
É incrível como as empresas que
prestam serviços através dos chamados “Call Centers” são ineficientes para nos
atenderem quando precisamos de alguma informação, reclamação ou quaisquer
outros tipos de serviços pós-venda, mas se mostram tão rápidas e “generosas” na
hora que querem nos envolver em manobras que nos levem a gastar mais com elas.
Alguém já imaginou a
concessionária da rodovia, espontaneamente, reduzir o valor do pedágio? Algum
hospital baixar, sem que se peça, o preço de uma internação? O supermercado
onde você compra regularmente lhe mandar um cheque correspondente a um desconto
que julgarem que você fez por merecer?
Será que estamos às vésperas de
uma grande mudança conceitual do capitalismo? Errou de novo Marx ao
prognosticar que o capitalismo clássico por não lograr superar suas
contradições internas levaria inevitavelmente ao comunismo? Claro, ele não
contava com a hipótese de que – pelo menos aqui no Brasil – já estarmos promovendo
a transição do capitalismo clássico, selvagem, para um capitalismo generoso,
este mesmo que leva empresas a procurarem insistentemente seus clientes para
lhes oferecer faturas menores mesmo que com isso lucrem menos.
Edson Pinto
Agosto’2014
Um comentário:
De: Edson Pinto
Para: Amigos
Caros amigos (as):
Pode ser que você não conheça em detalhes a real história do chamado “Conto do Vigário”. Mas, com toda certeza, já ouvi falar dele, mesmo porque ele se manifesta com grande frequência.
Nesta semana, não só refleti sobre o assunto como também o exemplifiquei. Confiram no texto acima.
Bom final de semana a todos!
Edson Pinto
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