21 de ago. de 2014

273) O CONTO DO VIGÁRIO

Contam que em século pretérito as paróquias do Pilar e da Conceição, ambas em Ouro Preto, MG, disputavam entre si o direito de terem definitivamente em seus respectivos altares certa imagem de Nossa Senhora muito adorada pelos fiéis da época.

Num gesto aparentemente conciliador, o vigário da paróquia do Pilar fez ao outro a proposta para que amarrassem a imagem da santa num burrico que naquele momento vagueava pelas vielas do povoado: Liberado em ponto equidistante às duas paróquias, deixariam que o angelical muar se dirigisse livremente para aquela que mais lhe apetecesse.  A paróquia, assim escolhida, tomaria a posse definitiva da santa. Dito, tratado e feito. O burrico quase que sem pestanejar marchou célere para a paróquia do Pilar.

Passado algum tempo soube-se que aquele burrico dócil pertencia já de há muito ao vigário da Paróquia do Pilar e era lá que tinha a sua morada e o capim de cada santo dia. Ao delegar a decisão ao “tertius burrico”, o esperto vigário omitiu tal fato. Já sabia, de antemão, que era para lá que ele se dirigiria, uma vez que, como muita gente que conhecemos hoje de sobeja, mesmo sem ter as orelhas longas do protagonista em questão, mas por mera parvoíce, visão bitolada, cabeça-dura e dependência alimentar, faria sempre a mesma coisa. Estava assim estabelecida a versão brasileira do conto do vigário. Há outra versão de origem portuguesa que se atribui a Fernando Pessoa pelo seu conto homônimo, mas que não vem ao caso citar aqui. Fiquemos com esta versão bem brasileira, bem mineirinha...

Como sabemos, já há tempos, toda vez que nos deparamos com uma “esperteza” lembramo-nos do vigário e mais especificamente do substantivo que ele, a contragosto, imagino, conseguiu incluir em nosso léxico: “vigarice”. Atenção, portanto, amigos: Quando alguém, de forma dissimulada, maneirosa e dócil lhes oferecer alguma operação vantajosa tenha sempre em mente que isso ou vem de sua adorável mãezinha ou vem do vigário da paróquia do Pilar...

O telefone toca:

__ Boa noite senhor, aqui é da Vivo. Gostaria de falar com o proprietário da linha.

__ Sim, é ele.

__ Senhor, esta ligação por motivo de segurança está sendo gravada (isto dá certa seriedade à conversa, não é?). A Vivo tem uma excelente oferta para o que o senhor “possa estar reduzindo” o valor da sua conta do telefone fixo (olha o gerúndio!).

__ Ótimo que esteja sendo gravada. Aprecio muito esta providência. Assim, quem sabe ela poderá me ser útil mais à frente. Farei o mesmo do lado de cá. Neste caso, se vocês a perderem eu poderei usar a minha...

__ Senhor, estamos vendo aqui no nosso cadastro que o senhor tem uma linha fixa e que o seu gasto tem sido ao redor de R$200,00 por mês. Gostaríamos de oferecer-lhe a possibilidade de migrar para um plano de 100 minutos que lhe custará apenas R$31,00/mês. É muita economia!

__ Ué (assim mesmo, bem mineiramente), vocês da Vivo não estão precisando de dinheiro? Por que abririam mão dos meus R$200,00 e se contentariam com apenas R$31,00? Será que entendi? Nem precisa explicar, já captei...

__ Senhor...

__ Espera aí! O que há por trás disso? Já sei. Provavelmente eu que uso muito mais do que 100 minutos (menos que duas horinhas por mês) deverei ser penalizado pesadamente com os minutos que excederem a isto, não é mesmo? Cada “papo” semanal com a minha mãezinha leva no mínimo duas horas. No mês já seriam oito horas. E os meus compadres e as comadres da minha mulher que ainda nem sabem da existência do WhatsApp? Nada feito!

__ Senhor, mas...

__ Além disso, "minha querida", eu não consigo entender a lógica capitalista dessa grande empresa. Enquanto todas as atividades econômicas buscam maximizar os seus lucros, esta, surpreendentemente, optaria por reduzi-lo? Façamos o seguinte: Como estou satisfeito com o que pago e com a utilização que dou ao meu telefone deixarei tudo como está. Agradeço a sua gentileza. Boa noite!

Telefone desligado vem a reflexão:

É incrível como as empresas que prestam serviços através dos chamados “Call Centers” são ineficientes para nos atenderem quando precisamos de alguma informação, reclamação ou quaisquer outros tipos de serviços pós-venda, mas se mostram tão rápidas e “generosas” na hora que querem nos envolver em manobras que nos levem a gastar mais com elas.

Alguém já imaginou a concessionária da rodovia, espontaneamente, reduzir o valor do pedágio? Algum hospital baixar, sem que se peça, o preço de uma internação? O supermercado onde você compra regularmente lhe mandar um cheque correspondente a um desconto que julgarem que você fez por merecer?
 
Será que estamos às vésperas de uma grande mudança conceitual do capitalismo? Errou de novo Marx ao prognosticar que o capitalismo clássico por não lograr superar suas contradições internas levaria inevitavelmente ao comunismo? Claro, ele não contava com a hipótese de que – pelo menos aqui no Brasil – já estarmos promovendo a transição do capitalismo clássico, selvagem, para um capitalismo generoso, este mesmo que leva empresas a procurarem insistentemente seus clientes para lhes oferecer faturas menores mesmo que com isso lucrem menos.

Edson Pinto

Agosto’2014

Um comentário:

Blog do Edson Pinto disse...

De: Edson Pinto
Para: Amigos

Caros amigos (as):

Pode ser que você não conheça em detalhes a real história do chamado “Conto do Vigário”. Mas, com toda certeza, já ouvi falar dele, mesmo porque ele se manifesta com grande frequência.

Nesta semana, não só refleti sobre o assunto como também o exemplifiquei. Confiram no texto acima.

Bom final de semana a todos!

Edson Pinto