Tião não era propriamente o que se chama de um matuto no sentido de quem fora criado dentro do mato, mas sim um homem simples, daquele tipo que vive da terra e por isso apresenta-se com um jeitão rústico, tosco. Mas – é importante que se diga - por detrás daquela cor acobreada pela faina diária do campo havia uma determinação quase que doentia por ganhar dinheiro...
Difícil entender aquele amor de Tião pelo vil metal. Ele nascera num ambiente típico de vida do campo. Plantava, como fizeram todas as gerações familiares que lhe antecedera, colhia o que era necessário para a sobrevivência e o que lhe excedia na horta e no roçado nunca se transformava em coisas supérfluas que pudessem passar para os seus parentes, amigos e mesmo aos poucos inimigos, a mínima idéia de que ele estava ficando próspero.
Tião era a expressão máxima da naturalidade, sugeria ingenuidade, desafetação. Puro, trabalhador, respeitoso com todas as donzelas do povoado, um bom filho, mas calado, monossilábico, cara de poucos amigos. A vida de Tião era só dele e de mais ninguém...
Já passava folgadamente dos trinta e nada de casamento, nada de mulheres em sua vida senão as cinco irmãs e D. Cidinha, a eterna mantenedora da capela local, que usava e abusava do seu voluntarismo para, semanalmente, abastecer o altar com flores que ele colhia nos campos da região.
Começou até a circular um boato de que, ou Tião não era chegado em mulher por uma “questão de nascença” como diziam por lá, ou, como especulavam os mais maliciosos, talvez ele mantivesse um relacionamento com D. Cidinha. Na verdade, isto era uma heresia, uma maledicência das mais perversas e insustentáveis, pois D. Cidinha com seus mais de 80 anos era a mais respeitada das senhoras de todas aquelas paragens.
Além da rotina diária de trabalho no roçado e na horta que ia das 4 da manhã, tão logo o galo começava a cantar, até o cair da noite, Tião só tinha duas outras atividades regulares na semana: Todos os sábados, à noite, ele ia ao vilarejo dos garimpeiros e no domingo, com o sol nascendo, ia ao campo colher as flores e de lá já se mandava diretamente para a capela de São Judas onde as colocava no altar, e, na sacristia - sempre sozinho – ritualmente abraçava na altura do pescoço a grande imagem daquele que é considerado o patrono das causas perdidas, São Judas Tadeu.
O povo mal começava a chegar para a missa das 7 e Tião já estava de volta para o seu Rancho. Afinal, a horta e o roçado mereciam, também, seus cuidados dominicais.
Somente duas de suas irmãs mais velhas e uns poucos amigos mais próximos ainda tinham vaga lembrança de que Tião, adolescente, fora preterido por Neuzinha, a mais encantadora moçoila daquele fim de mundo. Ela, mesmo namorando todos os endinheirados e bons partidos das redondezas, ainda encontrava-se solteirinha da silva...
Tião era tímido, orgulhoso, e apesar de doce d’alma, guardava um desafio em seu coração e um plano em sua cabeça.
Mais de duas décadas se passaram desde o dia em que ele, humilhado, cabisbaixo afastou-se de Neuzinha no pátio da escola em que ambos estudavam e onde - bem naquele dia – comemoravam os seus respectivos 15 anos. Com palavras entrecortadas de soluços, Tião apenas conseguira proferir um auto-desafio que só ele, e talvez a própria Neuzinha, tenham registrado.
Eram almas gêmeas, nasceram exatamente no mesmo dia, foram batizados na mesma missa e aprenderam a tabuada com a mesma professora naquela mesma escola, mas ela tinha planos e ele apenas sonhos...
Neuzinha, linda, romântica, mas racional, acabara de recusar o seu amor por não vislumbrar-lhe condições de levá-la para a cidade e realizar os seus sonhos de vida. Mas havia – quer queiram quer não – um segredo entre os dois. E, pelo o que os fatos tudo indicam ela não se comprometera de forma irremediável com outro homem, como se fosse para esperá-lo a cumprir a sua promessa.
Toda a vida de Tião fora pautada por aquele desafio que em seguida virara promessa a São Judas Tadeu e acabara em uma grande obsessão. Ele tinha que reconquistar Neuzinha, tal qual prometera naquele longínquo dia de aniversário comum.
No próximo domingo, Tião iria completar seus 40 anos. Neuzinha também. Vinte e cinco anos se passaram e estava na hora de resgatar o seu plano, pagar sua promessa e colocar sua vida em dia para seguir em frente.
Tomado de grande coragem, consegue marcar com Neuzinha um encontro antes da missa das 7, daquele domingo de aniversário comum, lá na capela de São Judas. Em lá se encontrando, dirigem-se até a sacristia e com a ajuda de uma ferramenta, Tião quebra a base da imagem do santo e de lá despencam, como da cornucópia mitológica, o ouro, os diamantes e outras pedras preciosas que ele, domingo após domingo, ao longo de 25 anos depositava pelo oco do pescoço do Santo.
Era tudo e muito mais do que ele mesmo imaginava para reconquistar a sua Neuzinha. Ele tinha, naquele dia fatídico, prometido a si mesmo e a ela que seria um homem rico...
Ela, ainda linda, jamais tinha levado a sério aquela promessa juvenil de Tião. Aquilo não fazia mais sentido, era, para ela, uma vaidade da sua adolescência que havia se perdido com o passar do tempo.
Para ele, que nunca mais havia falado com ela, aquilo era tudo. Era mais do que simplesmente um tesouro real, uma grande fortuna. Era a forma de demonstrar para Neuzinha que ele a amava de verdade. Que não haveria motivos suficientes para impedir que a vida lhes colocasse juntos mais cedo ou mais tarde.
Aquele era o momento... A força do querer tinha superado pacientemente todas as agruras da vida, todas as tempestades do caminho e, assim, tudo haveria de se realizar...
E tudo se realizou...
Edson Pinto
19/3/08
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