Historicamente, a passagem para os tempos modernos ao raiar do século XVI a.D, não seria bem compreendida sem o reconhecimento do papel maiúsculo desempenhado pelo que se denominou, mais tarde, de “As Grandes Navegações”.
Razões variadas, principalmente as de ordem econômica, levaram nações europeias a empreender incursões cada vez mais distantes pelos oceanos, tanto à busca de novos caminhos para as Índias como para conquistas de novos territórios. Nessas, descobriu-se a América em 1492, o Brasil em 1500 e muitos outros territórios que passaram a constituir o Novo Mundo.
O arrojo de marinheiros conquistadores do passado só pôde ser mantido e até mesmo consagrado, porque inovações tecnológicas contribuíram para que as expedições saíssem de suas terras com boas chances de sucesso. Senão, ninguém - por mais espírito de aventura que tivesse - se arriscaria a adentrar os oceanos desconhecidos da época. As caravelas e outras naus aventureiras começaram a contar com o equivalente do que hoje chamamos de “Tecnologia Embarcada”. Não dava para saber para onde se ia sem o uso da famosa bússola, então aperfeiçoada, e que lhes indicava os pontos cardeais; de um instrumento chamado sextante que ao medir a abertura angular entre um astro e o horizonte podia aproximar cálculos de distâncias e mesmo o astrolábio que tinha função parecida com a do sextante ao inferir posições a partir do exame da altura dos astros.
Com tal tecnologia, os Vascos da Gama, Cristovãos Colombo e Pedros Álvares Cabral da época alargaram o mundo e deram o pontapé inicial ao grande progresso que a humanidade veio a experimentar nos séculos seguintes. Passados apenas 5 séculos e o mundo, graças aos corajosos navegadores e aos astrolábios de então, fizeram história e inspiraram poetas como Camões e Fernando Pessoa, respectivamente: “As armas e os Barões assinalados que da ocidental praia lusitana, por mares nunca dantes navegados, passaram ainda além da Taprobana” ou, “Oh! mar salgado, quanto do teu sal são lágrimas de Portugal? Valeu à pena? Tudo vale à pena se a alma não é pequena”
Um bom amigo, cujo nome preservo, encarna, agora, neste século XXI, o espírito dos grandes navegadores renascentistas. Tal como eles, quis, também e sempre, fazer conquistas. Nem as profundezas abissais dos oceanos da vida, nem as distâncias infinitas das estradas que margeiam despenhadeiros ou os árduos obstáculos que se lhe antepõem com rudeza, são suficientes para impedir-lhe a navegação. Não a marítima, com bússola, sextante ou astrolábio, como se agia no passado, é claro, mas, agora, urbana, a procura de ruas na cidade louca de São Paulo, uma das maiores do mundo e em termos de inacessibilidade do trânsito, também uma das piores.
GPS é o instrumento desse meu amigo, o Colombo moderno. Começa programando o local de ida. No painel do automóvel a tela brilhosa mostra ruas bem traçadas sobre as quais vai o carro se deslocando. Uma voz feminina, tão encantadora quanto persistente, rouba-lhe o prazer da música ao sobrepor-se ao MP3 que libera som límpido moldado para mitigar-nos as agruras de mais um congestionamento:
“Prepara-se para virar à direta daqui a 300 metros”, anuncia a voz melosa, aos moldes da Iris Lettieri dos nossos aeroportos. Ou, ainda, “Mantenha-se à esquerda para entrar na próxima rua”. Mas, pode também ser: “Recalculando a rota para seu destino”.
__ Agora, não bastasse a ditadura da vida cruel, do trânsito maluco, dos impostos a pagar para sustentar mordomias dos nossos políticos e do tempo exíguo para o cumprimento de tantos compromissos, me vem essa senhora metódica a ditar-me o caminho? Desdobrasse desta forma o relacionamento entre o navegador moderno e o seu astrolábio redivivo na forma de GPS metido nessa caixinha eletrônica dos diabos.
__Melhor eu entrar à direita do que à esquerda, conclui. __ Será que essa senhora não percebe que à esquerda não tem passagem devido àquele acidente? __ Não chegarei a lugar nenhum, por isso farei ao meu modo...
“Recalculando a rota”.
__ Lá vem ela de novo, meu Deus! “Siga em frente até a próxima Avenida”. __ Louca essa mulher, grita e gesticula o amigo em flagrante irritação. __ À frente tem um ônibus quebrado, vou mesmo é para a esquerda e pronto!
“Recalculando a rota”.
__ Valha-me meu Senhor do Bonfim! “Contorne a praça e depois dobre a direita na esquina do semáforo”. __ Louca, louca, louca! __ Não vê que o semáforo está piscando de forma ininterrupta o que significa estar quebrado? __ Vou agora para a direita e seja lá o que Deus quiser...
__ Ufa! Acho que finalmente cheguei, exclama o amigo entre um pouco contente e muito cansado, sem se dar conta de que chegara exatamente ao ponto de onde havia partido.
Teria ele, como os navegadores antigos, tirado bom proveito de seu astrolábio moderno? Descobriu novos caminhos e teve novas conquistas? Circunavegou, e, como Fernão de Magalhães, voltou, também, ao ponto de partida, com a única diferença de nunca ter chegado aonde pretendia.
Edson Pinto
Outubro’2009
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