Convenhamos! O poder da Globo para fazer nossas cabeças é algo tão forte que já faz por merecer dos bons cientistas sociais análises antropológicas de cunho cultural profundas. É de se tirar o chapéu para a capacidade da emissora em pautar nossas vidas, de nos reter em casa quando quiser, de deixar restaurantes, teatros e cinemas às moscas, de parar o trânsito caótico das nossas megalópoles e ainda de nos convencer de que o “mundo”, literalmente falando, acompanhava extasiado o fenômeno da novela brasileira.
Há de se reconhecer que poucas pessoas teriam argumentos fundados para desqualificar a novela “Avenida Brasil” que teve o seu apoteótico capitulo de encerramento neste último final de semana. Como outras grandes produções da emissora, a citar Irmãos Coragem, Selva de Pedra, Pecado Capital, Roque Santeiro, O Bem Amado, Vale Tudo e Passione, esta também mexeu com a família brasileira. Mas, não precisava - admitamos - do estado de quase comoção nacional no qual a Globo, inteligentemente, nos fez enredar.
Primeiro, lançando mãos do seu fenomenal expertise em gerar emoções e utilizando-se do seu alto grau de penetração nos lares do País criou, na semana que antecedeu ao final da novela, um clima de expectativa e suspense. Em seguida, induziu-nos, como fazem as pesquisas eleitorais marotas e como ela mesma já faz com o tal do Big Brother Brasil, à situação de elevado interesse por um tema corriqueiro. Isso se faz com entrevistas com meia dúzia de fanáticos pelo assunto, divulgando-as como se fossem uma amostra altamente representativa da população. Cria-se, desse modo, os fenômenos popularmente chamados de “Maria-vai-com-as-outras” e “efeito manada”. Tudo assim feito, e com o elevado padrão global, a sexta-feira, 19 de outubro, à noite, foi de ruas e avenidas vazias, pois a nação, em peso, ficou a roer unhas em frente à telinha para ver o grande desfecho do folhetim.
Diziam serem cinco os desfechos possíveis para a novela. Como ficção, tudo bem, mesmo que muitos deles desafiassem a lógica com a qual os telespectadores atentos vinham considerando consentâneas com o principio da verossimilhança e expectativas de ordem moral. Vale dizer: Quem peca - para exemplo à sociedade - deve ser punido; quem fez o bem deve vencer. De certo modo, isso até aconteceu, mas, eu faria um final diferente. Já que o autor tinha várias alternativas para o encerramento da novela, eu me atrevo a conceber outra que combinasse a lógica da trama como os propósitos econômicos maiores da emissora. Vejam como seria:
DESFECHO DO NÚCLEO PRINCIPAL
Jorginho faz, neste último capitulo, a sua única coisa útil durante toda a novela: Ao preparar a entrega do resgate exigido por Santiago, compra duas malas Primicia, Sierra, preta, com rodinhas iguaiszinhas (merchandising, $$$). Numa, como de fato fez, coloca os R$20 milhões. Noutra, coloca vários produtos comprados às pressas nos Supermercados Carrefour (novo merchandising, $$$). No momento da entrega da mala, o jovem deliquente, Lúcio, é forçado pela mãe, Janaína, a trocar a mala dos seqüestradores da mesma forma que fizera com a mala de Nina onde Carminha havia colocado droga para incriminá-la.
Santiago e Carminha logram fuga usando o jatinho Legacy 650 da Embraer (outro merchandising, $$$), enquanto a família de Tufão, incluindo o detetive Zenon que passou a novela inteira sem desvendar um único mistério, fica a observar o avião tomar altura. Dentro do avião, Carminha e Santiago em gargalhadas febris abrem a mala para ver a dinheirama que lhes proporcionará uma vida paradisíaca. E o que encontram? Um saco de arroz Tio João, parboilizado, 5 quilos, sobre o qual a câmera dá um zoom (novo merchandising, $$$). Reviram, nervosamente, a mala e encontram, igualmente exibidos pelas câmeras na forma de zoom, Margarina Qualy, cremosa da Sadia, Café do Ponto, “a paixão por café”, Leite Parmalat, Longa Vida, Suco de Uva Maguary, concentrado, e vários produtos que tornam o dia a dia da dona de casa mais fácil e saboroso (merchandising, merchandising, merchandising, $$$)
Desesperados com a armadilha em que caem, Carminha vale-se de uma garrafa de azeite da marca Gallo, extra virgem, baixa acidez, em promoção no Carrefour, dois por R$18,00 (novo merchandising, $$$) e nocauteia o piloto do jatinho. Da terra, Tufão e família presenciam o mergulho mortal do jatinho seguido de enorme explosão. Pronto! Os malfeitores pagam assim tudo o que de ruim fizeram.
DESFECHO DO NÚCLEO DO DIVINO
Adauto fora companheiro de futebol de Tufão. Este já aposentado há muito. Como poderia, então, estar Adauto ainda em forma para aquela partida final do campeonato? Na minha versão, Adauto havia se tornado o presidente do Divino Esporte Clube. O adversário que arruinara a sua vida no passado quando soprou-lhe o segredo, motivo de seu grande trauma, agora é o técnico do time adversário. Marcado o pênalti, Diógenes interfere e relembra Neném Prancha, o filósofo do futebol que todo apreciador de futebol conhece e diz: “Pênalti é tão importante que deve ser cobrado pelo presidente do clube”.
Tudo assim posto, Adauto desce das arquibancadas, entra em campo, faz cara de homem inteligente e sob suspense geral bate o pênalti. A galera grita: Gol, gol, gol! Adauto corre até o técnico adversário, seu algoz do passado, enfia a mão no bolso e tira uma legitima e revolucionária chupeta Avent, bpa, transparente da marca Philips levando-a a boca. Close na chupeta (merchandising final, $$$). Enquanto seu rosto empalidece, a palavra FIM surge lentamente na tela...
Edson Pinto
Outubro’ 2012
Um comentário:
De: Edson Pinto
Para: Amigos
Caros amigos:
Este é o país das emoções. Alguém tem dúvida?
Aqueles que já moraram em países do primeiro mundo onde a vida se passa calma e previsível sabe muito bem do que estou falando: Sentem uma falta danada desta terra de emoções constantes.
Mal saímos de uma novela fictícia como “Avenida Brasil” e logo nos vem uma novela real como o julgamento do mensalão, uma eleição, o final do campeonato nacional de futebol, a Copa do Mundo e muitas outras...
Fazemos nossas próprias emoções ou somos receptivos às que a vida nos apresentam?
Por emoção resolvi meter meu bedelho na novela AVENIDA BRASIL ora encerrada. Veja no que deu com a minha crônica desta semana AVENIDAS VAZIAS DO BRASIL.
Boa semana a todos!
Edson Pinto
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