12 de abr. de 2013

233) VERSOS E REVERSOS


Quando o tépido raio de sol transpôs a fresta da cortina e encontrou a face ainda sonolenta de Edson P., ele acordou de vez. Era mais uma trivial manhã de um fim de verão não muito cheio de surpresas: Alguns dias amanheciam com o céu tão azul e desnudo que formava uma imensa e única tela monocrômica. Mas, aquele mesmo firmamento na cor da safira podia, ao cair da tarde, transmudar-se em devaneios piréticos na forma de um oceano flutuante de cores plúmbeas como se Zeus, aborrecido, ribombasse seus trovões para ordenar o dilúvio. Eram “as águas de março fechando o verão...”

Convenceu-se, Edson P., estar diante a um daqueles raros momentos em que se deseja ardentemente merecer de Deus a graça de um par de asas para subir alto ao céu e planar como um condor-dos-andes e assim melhor desfrutar das maravilhas da existência. Levantou-se com um enorme sorriso nos lábios, coração pródigo de generosidade, alma leve que nem pluma e uma expectativa inenarrável por uma jornada dadivosa. E mais: agradeceu ao Onipotente a primazia do dom da vida.

Por que Edson P., naquele belo dia, no exato ocaso de mais um verão, se sentia com o espírito enlevado e a alma tomada de arroubo poético, se ele - confessadamente - nem versejar sabia? Seria um mero devaneio que se esgota na efemeridade do tempo? Um sonho doce que lhe tendo ocorrido na noite anterior se esquecera de se desfazer simplesmente só porque o céu era azul, cor da safira? Podia ser tudo isso, mas podia ser também que a longa e destilada existência lhe apontava o momento de versejar, de poetizar. E poetizar pra que? Só por poetizar, porque a musa é a própria vida...

E no aconchego de seu escritório doméstico, seu doce refúgio do dia a dia, como gosta de dizer, sacou dos parcos recursos de que dispõe e começou a traçar suas primeiras irresponsabilidades mal versejadas. Mas não progrediu. Não que lhe faltasse o mote ou lhe fugisse a rima, o ritmo e a estética, mas havia um inimigo a fustigar-lhe o equilíbrio vital. Edson P. é, então, compelido a sucessivamente migrar para ambientes alternativos, com tudo recomeçando, como no mito de Sísifo, mesmo sem ter ele - confessa novamente - jamais desafiado os deuses.

Enquanto o dia corria da manhã à tarde, do conforto ao desespero e da paz ao desassossego, a pedra rolava abaixo e depois empurrada acima para novamente voltar abaixo num repetir eterno. Contudo, o inimigo persistia concreto, voraz, alerta, ameaçador ao mesmo tempo em que o céu enegrecia e desabava impiedoso.

Só aí, Edson, mais despoetizado do que nunca, não só desiste de seus versos como se rende incondicional ao poderio imbatível do maldito exército de pernilongos que roubou sua alma, trucidou a sua paz, sufocou a sua inspiração e transformou o seu dia de céu azul como safira num cálice amargo de absinto.

E não é para ficar “p.” da vida?

Edson Pinto
Abril’2013


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Um comentário:

Blog do Edson Pinto disse...

De: Edson Pinto
Para: Amigos

Caros amigos:

Há momentos em que o que nos incomoda é a política rasteira que se pratica no País; outros, a falta de segurança pública; outros, o trânsito desordenado; outros, a inflação que está de volta e tantos outros que qualquer um pode livremente listar.

Nesta semana, publico um texto sobre outro incomodo. Veja qual é lendo VERSOS E REVERSOS.

Bom final de semana a todos!

Edson Pinto