Meu pai era militar. Integrou a Força
Expedicionária Brasileira (FEB) e combateu com a nossa força aérea o exército
alemão que ocupava a Itália na Segunda Guerra Mundial. Finda a guerra, e não
muito mais tarde, já reformado, ainda vivíamos com referências militares dentro
de casa. Boa parte da minha infância, toda a adolescência e já no início da
maturidade vivi em um bairro de ex-pracinhas da segunda guerra, muitos deles
ainda seguiam, na época, a mesma carreira militar que os levara ao centro do
conflito mais sangrento de todos os tempos. Os militares impunham respeito.
A revolução de 64 me pegou adolescente,
e por isso, meus bons 21 anos seguintes (tempo que durou o regime militar) foram
moldados, não só para mim, mas para todos os brasileiros - quiséssemos ou não -
por um ambiente em que os militares tinham presença muito marcante na vida
nacional. Saíram dos quartéis e assumiram posições de mando em organizações
políticas, estabelecimentos de ensino superior, diretorias e presidência de
grandes empresas e em quaisquer outros postos que se caracterizam como importantes
para a manutenção do novo regime. Como tudo na vida, no início as intenções
eram puras e verdadeiras. Depois, tinha militares que mesmo desprovidos de
quaisquer habilidades de gestão eram colocados em cargos de relevo. Afinal,
também valia naquela época, como agora, a máxima de “quem parte e reparte
sempre fica com a melhor parte”, ou não é?
O sete de setembro era evento
obrigatório para a garotada do ginásio, do científico e do clássico. Já na
Faculdade, vimos o reitor ser substituído por um Coronel que, com o seu
indefectível bastão de comando (uma varinha de cerca de 50 cm. elegantemente
encaixada na axila como se fosse um termômetro) adentrava de supetão a sala de
aulas para dar uma bisbilhotada ideológica no que os professores andavam
ensinando. A figura era até simpática: Sorridente, afável, culto, mas não
deixava de meter medo pelo respeito e reverência que impunha a sua farda verde-oliva.
Fazer carreira nas forças armadas era garantia de prosperidade e respeito social.
O general João Batista de Oliveira
Figueiredo, último presidente militar, entre 1979 e 1985, e que preferia o
cheiro dos cavalos que o cheiro do povo, pelo menos foi coerente: Conduziu a
tal da abertura lenta e gradual até a restauração do poder civil no final dos
anos 80. Tivemos logo de cara problemas com a morte de Tancredo. Em seguida, os
desacertos dos enjambrados planos econômicos do Sarney; a decepção com a
irreverência e posterior impeachment de Collor, mas tivemos também a arrumação
da casa com Itamar e FHC. A coisa continuou bem no início de Lula e, agora,
depois de seu segundo mandato e já sob os cuidados de sua cria, as coisas,
infelizmente, andam mais nebulosas do que fizemos por merecer. Bem, mas isto
não vem ao caso. O que quero analisar é apenas a importância dos militares na
vida nacional.
Disciplinadamente, os militares
aceitaram as exigências do crepúsculo do século XX e assim cumpriram a promessa
de passar o bastão de comando para as instituições civis. Retornaram
patrioticamente aos quartéis. Alguns para reencontrarem seus cavalos... Ficava, portanto, para trás aquela preocupação
atribuída ao Marechal Humberto de Alencar Castello Branco ao se referir aos
anarquistas de plantão como “as
vivandeiras alvoroçadas que vêm aos bivaques bulir com os granadeiros e
provocar extravagâncias do poder militar".
Fizeram - temos de reconhecer - várias reformas importantes que viabilizaram
o chamado “milagre econômico brasileiro” quando crescíamos ao ritmo de taxas chinesas.
Contudo, sem democracia e sem conseguir fazer tudo o que imaginavam, pois até
os regimes totalitários também tropeçam em suas próprias vaidade e
autoconfiança, viram o seu tempo passar e, inteligentemente, tiraram o exército
do campo de batalha antes que sofressem uma derrota histórica. Por vários anos
ainda ficamos submetidos a manifestações saudosistas dos antigos donos dos
bastões. Jô Soares captou com particular
humor tal situação quando criou o personagem do general de pijama que tendo
perdido a noção de tempo e enfermo implorava que lhe tirassem o tubo cada vez
que assistia a uma nova barbaridade do novo regime civil.
Agora nos vem a autora Glória Perez e pega uma carona na famosa Academia
Militar das Agulhas Negras, berço da formação da elite militar brasileira. Retrata
em seu folhetim alguns personagens militares que não guardam nenhuma semelhança
com os coronéis de bastão que mandavam e desmandavam Brasil afora por longos
anos. Para ficar com uma palavra da moda, o militar da novela Salve Jorge não
passa de um milico mequetrefe que vive de fofocas na caserna e, como Figueiredo,
dão mais valor aos cavalos do regimento que às ameaças sérias que já parecem
bulir, novamente, com os granadeiros.
O Capitão Téo vai de cena em cena e de forma ridícula sofrendo achincalhes
da bandida Lívia Marini e reprimendas da delegada Helô. A tenente Erica, coitadinha, não consegue nem
ser respeitada pela mesma bandida Lívia nem pelo canastrão do capitão
Élcio. O coronel Nunes, mesmo posto
daquele que no final dos anos 60 adentrava a nossa sala de aula e tínhamos que
nos pôr de pé como sinal de respeito, tem um revólver na cara apontado pela
bandida Wanda e é tratado como um bebê pela nova esposa Aída.
Para quem não viveu o período magno do militarismo como nós que já temos
certa rodagem, pode até nem se importar com a singeleza com a qual os
personagens militares da novela são tratados, mas - por outro lado - quem teve
que se pôr rápida e reverenciosamente de pé quando o coronel de bastão
entrava na sala de aula, fica muito apropriada a expressão cunhada pelo
humorista para o seu general de pijama:
__ Me tira o tubo!
Edson Pinto
Abril’ 2013
5 comentários:
De: Edson Pinto
Para: Amigos
Caros amigos:
Pela lógica, é a arte que imita vida.
Às vezes, contudo, vê-se o contrário, num arremedo grosseiro e sem sentido...
Pungido por essa dúvida filosófica de quem imita quem, escrevi a crônica desta semana com o título ME TIRA O TUBO!
Se não contribui para o debate que se trava neste instante entre as instituições basilares da República, pelo menos nos faz recordar que outra já fora bem atuante e respeitada. Agora, de novo, na espreita e aguardando o desenrolar dos acontecimentos.
Boa semana a todos!
Edson Pinto
PS: Se você quiser incluir algum amigo na lista de recebedores de meu blog, é só me mandar um e-mail me indicando o nome e o e-mail do seu amigo (a). Assim, eu o colocarei no mailing que uso para fazer a distribuição.
De: J. M. Wanderley
Para: Edson Pinto
Caro edson,
Na minha infância, estudando no Liceu Salesiano, inciei estudos de musica. Fiz parte durante os 4 (quatro) anos de Ginásio (1657/1960) da Banda de Usica.
Era Gratificante na parada de Sete de setembro,os colégios desfilavam na véspera, dia 6 de setembro, "Tempo Bom, Não Volta mais, Saudade!".
Repassei seu texto para alguns amigos do Bom Tempo.
Parabéns!
Abraços,
Wanderley
De: Luiz Covo
Para: Edson Pinto
Edson, boa noite e mais uma vez parabens pelo texto,...... que saudade,
De: C. R. Chohfi
Para: Edson Pinto
Boa noite Edson,
Após ler o seu texto e uma breve reflexão sobre os fatos da época, lembrei-me do texto que circulou na internet com o nome de "A Profecia de Geisel", que acredito ser verdadeira e que colo abaixo para reflexão....
De: Sylvio Silvestre
Para: Edson Pinto
Edson, um grande abraço na família.
Como você destacou muito bem no seu Blog e eu apesar de não comentar sempre estou lendo.........envio para você refletir esse tema anexo.
Abraço
Sylvio
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