Ivo trabalha e mora em nossa casa
há 14 anos. Veio do Paraná. Atuava como ajudante de pedreiro, sob contrato com
a empresa que construiu a casa em que moramos atualmente. Finda a obra, ele nos
procurou e ofereceu-se para ficar trabalhando e morando conosco. Não tinha
parentes por aqui e o seu sonho era ficar em São Paulo. Foi realmente uma boa
ideia e uma acertada decisão para ambas as partes. Isto se comprova facilmente
pelos longos anos já transcorridos dessa profícua relação. Não fosse a nossa
casa, para ele, um lugar agradável e conveniente já teria nos deixado, pois
oportunidades de trabalho é que não lhe faltam.
Sempre teve a sua situação trabalhista
regularizada. E mais: o matriculamos na escola de segundo grau onde se formou;
teve carro facilitado por nós; tem plena liberdade para tirar férias à sua
conveniência; horário flexível; tempo livre nos finais de semana e feriados;
refeições preparadas por minha esposa exatamente como a nossa e no mesmo horário
e, ainda, regalia absoluta para entrar e sair tal qual fazem todos os rapazes
de 30 e poucos anos, como ele. Consideramo-nos, mutuamente, como membros da
mesma família de tal modo que a nossa relação flui harmoniosa e com muito
respeito.
Vem-nos, agora, através de uma
PEC (Proposta de Emenda Constitucional), a extensão dos direitos trabalhistas
aos empregados domésticos. De antemão, quero que fique claro que concordo
plenamente com a nova postura legal, especialmente no que versa sobre salários
e benefícios condizentes com o importante trabalho que desempenham. Penso que
devemos, todos, indistintamente, apoiar tal conquista. Afinal, as sociedades só
avançam quando tratam seus membros de forma igualitária. No entanto, vejo no
regulamento que se quer aplicar ao assunto um enorme potencial para provocar
uma mudança comportamental profunda na cultura e no modo de ser de nós, os
brasileiros.
Explico melhor:
Dá até para entender que existem
relações entre patrões e seus empregados domésticos que são formais o
suficiente para que se assemelharem às de uma empresa como os empregados de uma
fábrica, de uma loja, de um Call Center, de um hospital ou equivalentes. Nesses
casos, tudo bem! O livro de ponto, o controle de horas extras, a necessidade de
apresentação de atestado médico para justificar uma falta ao trabalho, uma eventual
carta de advertência, dezenas de cálculos, guias, informações obrigatórias às
autoridades e tantas outras minúcias que ocorrem no dia a dia da relação
trabalhista até que justificam, em parte, os controles que a lei exige. Contudo,
pela enorme burocracia que isso requer e especialmente pelas exigências legais
que disso decorre, não é por outra razão que as empresas ou têm os seus
próprios departamentos de Pessoal ou contratam empresas de contabilidade para o
mister.
Consideremos, entretanto que há
uma grande parcela da população que se serve de trabalhadores domésticos, mas
de uma forma branda, bem familiar constituindo quase que uma categoria de
relacionamento especial, privilegiada. Não faz, por que não precisa, ou não
interessa, ou não vê sentido, ou não sabe, ou mesmo porque entende que isso destruiria
a harmonia da relação, nenhum desses controles burocráticos a que me referi
anteriormente. Tudo se passa como se o empregado doméstico fosse um membro da
família sem que prevaleça uma postura de conflito capital/trabalho a ser mais
adiante resolvido judicialmente.
Quem não conhece uma senhora setuagenária, viúva, ou mesmo um casal
aposentado de idade avançada que dispõe regularmente dos serviços de um
empregado ou uma empregada doméstica? Imagina esses tomadores de serviço -
desde que não tenham um parente próximo disposto a ajudá-los - como poderiam se
incumbir de procedimentos burocráticos como o preenchimento de guias, controle
de livros de pontos, cálculos da folha de pagamento, cálculos e mais e mais guias
para liberação de férias, 13º salário, abono de férias. Ufa!... E ainda tantas outras
obrigações que mesmo, hoje, as empresas já têm dificuldades em cumprir!
É notoriamente sabido que o
ambiente empresarial brasileiro é um dos mais complexos, burocráticos e
custosos que existe. Agora, transferir essa aberração para uma simples dona de
casa atinge o paroxismo da doença que vem impedindo o nosso progresso já de há
muito. O controle extremo da vida das empresas e dos cidadãos, antes mesmo de
ser ideológico demonstra ser uma justificativa à manutenção da obesa máquina
estatal. Quanto mais gente o Estado acomoda na sua folha de pagamentos mais
encargos e tributos passa a exigir dos cidadãos em geral.
Como há males que vem para o bem,
talvez - em função da abrangente pressão que esta nova situação irá suscitar -
o Estado se mova para simplificar os procedimentos relativos ao tema. Imagino
não ser difícil conceber uma única guia contendo o salário do mês, eventuais
horas extras e um percentual genérico de encargos para cobrir proporcionalmente
todas as obrigações como FGTS, INSS, abono férias, 13º, etc. O sistema bancário
se obrigaria a abrir contas salários especiais, sem taxas, e concederia a todos
os empregados domésticos um cartão de saque/débito. O empregador só faria o
depósito correspondente ao total da guia. Com os recursos computacionais dos
bancos, o valor seria redistribuído para todos os fins a que se destinam.
Assim, haveria contas ou subcontas especificas para férias, 13º, FGTS e INSS,
entre outras, que iriam se acumulando até que o trabalhador adquirisse o direito
de movimentá-las.
Simples assim, talvez não
interesse a quem gosta de ter muitas complicações para delas tirar proveito ao
oferecerem soluções miraculosas. Já está, portanto na hora de mudar ou, em
breve, empregado doméstico não passará de uma um capítulo da vida social
brasileira a ser contemplado apenas nos livros de História.
Edson Pinto
Abril’2013
Um comentário:
De: Edson Pinto
Para: Amigos
Caros amigos:
Penso que a ficha ainda não caiu para muita gente no “país cordial” de Sergio Buarque de Hollanda, muito embora – sem êxito, é sabido – jamais tenha este grande historiador conseguido dar a correta interpretação à sua famosa tese como sendo a de que somos um povo com postura mais emocional do que racional. Isto pode explicar tanto a cordialidade gerada pelo primitivismo das relações familiares como os males do nepotismo. Bem, mas isso é tema para outra análise...
O que por ora interessa é que a semana termina marcada por um evento histórico: a alteração do artigo 7º da Constituição Federal do Brasil que, de uma penada só, decreta o fim da cordialidade, da camaradagem e do jeitinho brasileiro. Se ainda não se deram conta disso, leiam, na íntegra e com cuidado, o tal artigo da Constituição (disponível na Internet) e irão concluir, como ocorreu a mim, que doravante tudo vai ser muito diferente neste País maneiro.
Entre 1861 e 1865, 600 mil americanos perderam a vida na chamada Guerra da Secessão entre estados do sul e do norte quando estes defendiam, e conseguiram, a abolição da escravatura na América. Desde então, a grande nação do norte só trilhou o caminho da prosperidade. Em 1888, vinte e três anos mais tarde, a nossa Princesa Isabel promulgou a Leia Áurea encerrando definitivamente a escravidão no Brasil. E por que, para o orgulho pátrio, não houve derramamento de sangue como na nação do norte? Resposta: Aplicamos nossa cordialidade e demos um jeitinho de contornar os obstáculos e deixar tudo como dantes; talvez até mesmo pior...
Reflito sobre o tema com o texto/ensaio desta semana: NOVA FACE DO TRABALHO DOMÉSTICO NO BRASIL. Se já tivermos compreendido o que quis dizer realmente Sergio Buarque de Hollanda, então é melhor que nos preparemos para uma nova fase da vida nacional. Quem sabe, se doravante não evoluiremos como a América do pós Secessão?
Bom final de semana a todos!
Edson Pinto
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