Um dos motes que o povo
brasileiro tomou como bandeira em suas recentes e patrióticas manifestações de
rua foram os gastos com os estádios da Copa do Mundo. A lógica é fácil de entender:
Se há dinheiro para construir magníficos estádios para os propósitos de
diversão, por que não há, ou se há, por que nada fazem com o mesmo padrão para
a saúde pública, para o transporte urbano, para a educação, para a segurança e
para tantas outras áreas em que somos ridiculamente contemplados pelo Estado em
que pese termos uma das mais altas cargas tributárias do mundo?
Posto desta maneira, somos
inevitavelmente remetidos ao conhecido conceito desenvolvido no inicio do
século XX pelo americano Abraham Maslow o qual sugere que as necessidades
humanas são hierarquizadas de tal modo a satisfazer, prioritariamente, as mais
básicas e só então galgar as superiores. Assim, primeiro satisfaz-se as de
ordem fisiológica como a alimentação passando posteriormente pelas relativas à habitação,
saúde, segurança, relacionamento social, auto-estima até se atingir o topo da
pirâmide onde se encontram as necessidades relativas à criatividade,
autorrealização e outras de ordem bem mais pessoais.
Nem precisava Maslow ter
divulgado a sua pirâmide, pois é quase intuitivo que aceitemos uma hierarquia
na satisfação de nossas necessidades. Não faz sentido alguém destinar os parcos
recursos que possui para se exibir com um vistoso automóvel se não satisfez
ainda suas necessidades mínimas e mais importantes de alimentação. Também não
parece coerente construir-se estádios luxuosos com financiamento público se há
tanta gente morando em casebres paupérrimos ou morrendo em macas nos corredores
de hospitais superlotados. Soa também como contrassenso a fanfarrice da “Era PT”
em tentar mostrar ao mundo um Brasil que já teria conseguido superar toda a
injustiça social acumulada ao longo de séculos de desacertos políticos e de
esgarçadura do seu tecido social.
O problema é que esta é a nossa
realidade nua e crua. O que nos compete agora fazer é trabalhar arduamente para
que em algum momento no futuro o País se torne mais justo, distribuindo com
menos discrepância a riqueza que Deus nos deu. Mas, há um problema muito sério
nessa tentativa de se hierarquizar necessidades quando se fecha os olhos para a
cruenta verdade de ser o nosso País – socialmente falando – muito heterogêneo.
Embora, sinceramente, possamos desejar que todos ascendam aos patamares mais
elevados, é quase impossível, pelo menos no estágio atual de nosso
desenvolvimento econômico e humano, incorporar gente tão despreparada para a
vida moderna aos mesmos padrões daqueles que já frequentam as proximidades ou
mesmo já se encontram no topo da pirâmide. Pode-se dizer que a discrepância é
culpa da própria deficiência de nossos fazedores de política, pois há muito já
se deveria ter universalizado a educação de boa qualidade, a saúde pública digna
e correta entre outros fatores. Não fizemos, infelizmente. Agora, também não se
muda isso de uma hora a outra. Serão necessárias duas ou mais gerações com
atenção concentrada, recursos garantidos e seriedade para que os filhos e
talvez os filhos dos filhos desse segmento de despossuídos de tudo, de dentes,
de capacidade de leitura, portadores de doenças crônicas, carentes de
auto-estima e incapazes de compreensão do que é a vida moderna para que
melhoremos a qualidade média do povo.
Não dá para esquecer a recente
entrevista de uma simples senhora que esbravejava para as câmeras da TV argumentando
que nos seus oito anos (sic) de recebimento do "Bolsa Família"
recebia por mês uma quantia que não lhe permitia comprar uma calça de marca, de
R$300,00 (sic), para sua filha adolescente. Ora, aqui está a questão: Ou a
pirâmide de Maslow não funciona neste caso, pois ao que parece o beneficio
deveria ser para satisfazer as necessidades mais prementes ou estamos diante um
quadro de absoluta desordem social. Seria o programa do governo uma forma
apenas de compra de votos pelo fornecimento de alguns trocados, ou essa gente –
não as culpo inteiramente – não anda recebendo a orientação e o suporte corretos
sobre como melhorar de vida. Ficaremos nesse eterno circulo vicioso de manter
as pessoas na pobreza material e intelectual para que, em gratidão a uma
ajudazinha, deem seus votos aos controladores do dinheiro público?
Ressalvado o abominável capítulo
da corrupção que deve ser combatido em toda a sua plenitude, inclusive no caso
dos estádios da Copa, se existir, não sou nada contra todo esse investimento
que se faz nos estádios. Eu pessoalmente, embora amante do futebol, já tinha,
há anos, decidido não frequentar mais as irracionais instalações esportivas que
tínhamos. Faltavam-lhes estacionamentos, conforto, segurança e higiene enquanto
abundavam abusos de flanelinhas aproveitadores da carência de estacionamentos e
cambistas que monopolizavam a preços astronômicos a venda de ingressos. Agora,
com tudo no padrão FIFA, certamente voltarei a freqüentá-los, mesmo porque não
será de graça. Deverei pagar o valor justo para o bom espetáculo e não terei
remorso nenhum se o dinheiro que financiou a construção dos estádios não foi a “fundo
perdido” para que aquela senhora da Bolsa Família comprasse a calça de marca
para a sua filha. Preocupado, sim, continuarei se verificar que nossas
autoridades não destinarem corretamente fundos para dar educação, saúde,
transporte e tudo o mais que faça a sua filha e talvez os seus netos crescerem
capacitados e em pé de igualdade com todos para também satisfazerem suas
necessidades de ordem superiores.
De qualquer forma, se bem pensado
e bem planejado, por que não aproveitar as instalações dos modernos estádios
para acomodar escolas nos seus momentos de ociosidade (e serão muitos) dando
aos pobres instalações nos padrões FIFA? Pensando ainda mais profundamente, imagino
que chegará o dia em que agradeceremos a FIFA por ter nos dado o famoso “chute
no traseiro” para que as obras dos estádios fossem concluídas a tempo e com
qualidade. Este fato, sim, será considerado como detonador da insatisfação
popular que hoje vivemos. Não pelo que foi feito, mas sim pelo exemplo que deve
nortear o nível de qualidade dos serviços de que o Estado nos é devedor.
Edson
Julho’2013
Um comentário:
De: Edson Pinto
Para: Amigos
Caros amigos:
O calor da discussão é inimigo da razão. É preciso, portanto, deixar que a celeuma e os tumultos das ruas se esfriem para que se faça uma análise racional daquilo que incomoda a todos.
Esse dramalhão envolvendo os novos estádios da Copa do Mundo 2014 e que serviram de cenário e mote para os recentes queixumes populares, até mesmo em manifestações de rua, merece ser visto sob outro ângulo.
É o que fiz nesta semana tão logo passada a efervescência da cólera popular. Escrevi esta crônica: A PIRÂMIDE DE MASLOW.
Vejam se faz sentido!
Abraço
Edson Pinto
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