18 de jul. de 2013

244) A PIRÂMIDE DE MASLOW

Um dos motes que o povo brasileiro tomou como bandeira em suas recentes e patrióticas manifestações de rua foram os gastos com os estádios da Copa do Mundo. A lógica é fácil de entender: Se há dinheiro para construir magníficos estádios para os propósitos de diversão, por que não há, ou se há, por que nada fazem com o mesmo padrão para a saúde pública, para o transporte urbano, para a educação, para a segurança e para tantas outras áreas em que somos ridiculamente contemplados pelo Estado em que pese termos uma das mais altas cargas tributárias do mundo?

Posto desta maneira, somos inevitavelmente remetidos ao conhecido conceito desenvolvido no inicio do século XX pelo americano Abraham Maslow o qual sugere que as necessidades humanas são hierarquizadas de tal modo a satisfazer, prioritariamente, as mais básicas e só então galgar as superiores. Assim, primeiro satisfaz-se as de ordem fisiológica como a alimentação passando posteriormente pelas relativas à habitação, saúde, segurança, relacionamento social, auto-estima até se atingir o topo da pirâmide onde se encontram as necessidades relativas à criatividade, autorrealização e outras de ordem bem mais pessoais.

Nem precisava Maslow ter divulgado a sua pirâmide, pois é quase intuitivo que aceitemos uma hierarquia na satisfação de nossas necessidades. Não faz sentido alguém destinar os parcos recursos que possui para se exibir com um vistoso automóvel se não satisfez ainda suas necessidades mínimas e mais importantes de alimentação. Também não parece coerente construir-se estádios luxuosos com financiamento público se há tanta gente morando em casebres paupérrimos ou morrendo em macas nos corredores de hospitais superlotados. Soa também como contrassenso a fanfarrice da “Era PT” em tentar mostrar ao mundo um Brasil que já teria conseguido superar toda a injustiça social acumulada ao longo de séculos de desacertos políticos e de esgarçadura do seu tecido social.

O problema é que esta é a nossa realidade nua e crua. O que nos compete agora fazer é trabalhar arduamente para que em algum momento no futuro o País se torne mais justo, distribuindo com menos discrepância a riqueza que Deus nos deu. Mas, há um problema muito sério nessa tentativa de se hierarquizar necessidades quando se fecha os olhos para a cruenta verdade de ser o nosso País – socialmente falando – muito heterogêneo. Embora, sinceramente, possamos desejar que todos ascendam aos patamares mais elevados, é quase impossível, pelo menos no estágio atual de nosso desenvolvimento econômico e humano, incorporar gente tão despreparada para a vida moderna aos mesmos padrões daqueles que já frequentam as proximidades ou mesmo já se encontram no topo da pirâmide. Pode-se dizer que a discrepância é culpa da própria deficiência de nossos fazedores de política, pois há muito já se deveria ter universalizado a educação de boa qualidade, a saúde pública digna e correta entre outros fatores. Não fizemos, infelizmente. Agora, também não se muda isso de uma hora a outra. Serão necessárias duas ou mais gerações com atenção concentrada, recursos garantidos e seriedade para que os filhos e talvez os filhos dos filhos desse segmento de despossuídos de tudo, de dentes, de capacidade de leitura, portadores de doenças crônicas, carentes de auto-estima e incapazes de compreensão do que é a vida moderna para que melhoremos a qualidade média do povo.

Não dá para esquecer a recente entrevista de uma simples senhora que esbravejava para as câmeras da TV argumentando que nos seus oito anos (sic) de recebimento do "Bolsa Família" recebia por mês uma quantia que não lhe permitia comprar uma calça de marca, de R$300,00 (sic), para sua filha adolescente. Ora, aqui está a questão: Ou a pirâmide de Maslow não funciona neste caso, pois ao que parece o beneficio deveria ser para satisfazer as necessidades mais prementes ou estamos diante um quadro de absoluta desordem social. Seria o programa do governo uma forma apenas de compra de votos pelo fornecimento de alguns trocados, ou essa gente – não as culpo inteiramente – não anda recebendo a orientação e o suporte corretos sobre como melhorar de vida. Ficaremos nesse eterno circulo vicioso de manter as pessoas na pobreza material e intelectual para que, em gratidão a uma ajudazinha, deem seus votos aos controladores do dinheiro público?

Ressalvado o abominável capítulo da corrupção que deve ser combatido em toda a sua plenitude, inclusive no caso dos estádios da Copa, se existir, não sou nada contra todo esse investimento que se faz nos estádios. Eu pessoalmente, embora amante do futebol, já tinha, há anos, decidido não frequentar mais as irracionais instalações esportivas que tínhamos. Faltavam-lhes estacionamentos, conforto, segurança e higiene enquanto abundavam abusos de flanelinhas aproveitadores da carência de estacionamentos e cambistas que monopolizavam a preços astronômicos a venda de ingressos. Agora, com tudo no padrão FIFA, certamente voltarei a freqüentá-los, mesmo porque não será de graça. Deverei pagar o valor justo para o bom espetáculo e não terei remorso nenhum se o dinheiro que financiou a construção dos estádios não foi a “fundo perdido” para que aquela senhora da Bolsa Família comprasse a calça de marca para a sua filha. Preocupado, sim, continuarei se verificar que nossas autoridades não destinarem corretamente fundos para dar educação, saúde, transporte e tudo o mais que faça a sua filha e talvez os seus netos crescerem capacitados e em pé de igualdade com todos para também satisfazerem suas necessidades de ordem superiores.

De qualquer forma, se bem pensado e bem planejado, por que não aproveitar as instalações dos modernos estádios para acomodar escolas nos seus momentos de ociosidade (e serão muitos) dando aos pobres instalações nos padrões FIFA? Pensando ainda mais profundamente, imagino que chegará o dia em que agradeceremos a FIFA por ter nos dado o famoso “chute no traseiro” para que as obras dos estádios fossem concluídas a tempo e com qualidade. Este fato, sim, será considerado como detonador da insatisfação popular que hoje vivemos. Não pelo que foi feito, mas sim pelo exemplo que deve nortear o nível de qualidade dos serviços de que o Estado nos é devedor.

Edson

Julho’2013 

Um comentário:

Blog do Edson Pinto disse...

De: Edson Pinto
Para: Amigos

Caros amigos:

O calor da discussão é inimigo da razão. É preciso, portanto, deixar que a celeuma e os tumultos das ruas se esfriem para que se faça uma análise racional daquilo que incomoda a todos.

Esse dramalhão envolvendo os novos estádios da Copa do Mundo 2014 e que serviram de cenário e mote para os recentes queixumes populares, até mesmo em manifestações de rua, merece ser visto sob outro ângulo.

É o que fiz nesta semana tão logo passada a efervescência da cólera popular. Escrevi esta crônica: A PIRÂMIDE DE MASLOW.

Vejam se faz sentido!

Abraço

Edson Pinto