Enquanto pensava no texto que
escreveria nesta semana para publicar no meu blog, sentado aqui no aconchego do
meu espaço domestico preferido, pego a velha espátula de cabo de madrepérola e
lâmina prateada, presente de um amigo que me acompanha há anos, para abrir
algumas correspondências que acabaram de chegar.
Olhando para esse instrumento
prosaico e de singela utilidade concluo ter sido produzido por mãos habilidosas
de algum artesão em tempos pretéritos e que eu não tive o prazer de conhecer,
senão pela sua arte que sempre admiro quando dele me sirvo. Por certo, não foi
produzido em série, de forma industrial, com o propósito de inundar o mundo com
outros exemplares de igual formato. É notório o toque da engenhosidade de
alguém que planejou fazê-lo para que servisse a um propósito especifico, ou
seja, o de abrir, com elegância e às vezes até mesmo com emoção uma
correspondência de um amigo ou de um ente querido e distante. Divago até mesmo
sobre o destino dos abridores de carta num futuro não tão distante quando a
totalidade das cartas se tornarem eletrônicas. Mas isso é outra reflexão...
O cabo do abridor de cartas é
adequado para ser bem manipulado e com segurança. A sua lâmina que é fina, mas
não cortante a ponto de causar acidentes, tem uma ponta bem torneada e de
espessura perfeita para ser introduzida na base da dobradura da lingueta do
envelope e, a partir dali, fazer um corte uniforme e sem causar dano ao seu conteúdo.
Simples, prático, bonito e genial!
Nesse momento me veio à mente o
grande filósofo Jean-Paul Sartre, francês, século XX, pois ele usou alegoria
semelhante para expor o seu pensamento sobre a existência humana em exata
oposição à lógica natural das coisas. Em outras palavras: quando algo chega a
ser feito há de se considerar que isso segue a um propósito que ele chamou de
essência. Portanto, a essência, ou o propósito, de qualquer coisa que se cria
há de preceder à sua existência. Nada mais compreensível! Se o artesão não
tivesse dado propósito ou imaginado a essência daquele abridor de cartas, como então,
depois de criado, atenderia à perfeição à necessidade que temos de abrir
envelopes?
Sarte e muitos outros filósofos
que o antecederam refletiram sobre a essência, ou o propósito, de nossas vidas.
Se a espécie humana sobre a Terra for simples fruto de um acidente, portanto
não decorrente de uma criação proposital de Deus então a nossa existência
inverte a lógica do artesão que concebeu o abridor de cartas a partir de um
propósito especifico. Existimos antes de ter um propósito. Dói pensar nisso, é
claro, mas talvez isto não seja lá algo tão ruim. Sarte não só afirmou isso,
mas criou uma abordagem bem estruturada a que se deu o nome de Existencialismo.
A nossa existência como seres humanos é incerta, eventual, contingente. A decorrência disso é que cabe a cada um de
nós promover o próprio nascimento. Isso
se dá ao criarmos um propósito de vida pessoal. Cheira a ateísmo, mas tem muito
a ver com liberdade...
Pelo livre-arbítrio, temos a
liberdade, como tem um escultor ao moldar a sua própria obra, de também
moldarmos a nossa própria vida e fazermos dela o que imaginamos ser o melhor. É
precisamente isso que nos faz diferentes de todas as demais espécies e coisas
que conhecemos no mundo. Um galo ou uma raposa, mesmo simbolizando times de
futebol, são apenas um galo e uma raposa. O primeiro tem a sina de dominar o
seu terreiro e a segunda o instinto de apoderar-se de algum exemplar gordinho
do harém do primeiro; uma montanha não passa de uma montanha e um Ipê amarelo
não passa de uma bela e encantadora árvore, mas nada mais do que isso. Nós como
seres humanos dotados de razão e do livre-arbítrio podemos ser o que quisermos,
obviamente que respeitadas as limitações que nos são inerentes por natureza. Podemos
voar inventando aeronaves, mas não fazendo nascer asas em nós mesmos.
Devemos ser responsáveis pelo que
decidimos fazer de nossas vidas e pelo que isso haverá de impactar a nós mesmos
e aos outros. É, portanto, nossa e só nossa a prerrogativa de dar sentido à
própria existência. Podemos optar por um caminho que nos dê muita satisfação e
alegria, mas também podemos tomar outros caminhos que, ao contrário, tragam
angústia, dissabores e conflitos. Embora o ser humano não nasça com um
propósito predeterminado, nada nos impede de desenvolver um modo autêntico de
vida exclusiva, uma personalidade, um eu único. Quando atingimos a consciência
de que podemos ser nós mesmos é quando nos damos conta de que existe sim um
amor à vida. Assim, podemos começar a ser felizes...
Falei na frase anterior em
“começar a ser felizes”, pois falta-nos ainda algo de fundamental importância: A
vida não pode ser plena só com a existência individual, isolada, mesmo quando
encontramos o seu verdadeiro sentido. Um ser humano tem necessidade de criar
laços de relacionamento com outros. O conflito entre o eu exclusivo e o eu de outros
seres igualmente distintos só pode ser conciliado quando se consegue libertar
da solidão e atingir a capacidade humana de amar. Mas não somente esse amor que
conhecemos vulgarmente e que é ditado pela emoção e que necessita de um objeto
para ser amado. Há mais do que isso...
Sobre esse amor, há ainda muito a
se falar! É o que prometo para um próximo texto...
Edson Pinto
Abril’2014
Um comentário:
De: Edson Pinto
Para: Amigos
Caros amigos (as):
Quem nunca parou um só instante que seja para refletir sobre o propósito e essência da própria vida?
A todo instante nos confrontamos com isso e, queiramos ou não, sempre acabamos por filosofar sobre o tema.
Por isso, escrevi o meu texto da semana com o título PARTEIROS DO PRÓPRIO NASCIMENTO. Vejam se concordam comigo!
Bom final de semana a todos!
Edson Pinto
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