17 de abr. de 2014

261) DOLCE FAR NIENTE

O programa Fantástico da Rede Globo, em semana recente, mostrou uma reportagem muito interessante sobre os danos à saúde causados pelo excessivo tempo em que as pessoas ficam sentadas. Recomendava que, além da prática regular de exercícios físicos, passemos a adotar o hábito de ficar de pé por mais tempo. O exemplo, comprovado com números do consumo de calorias, foi dado na própria reportagem: Pessoas que assistiam à mesma palestra de renomado médico canadense foram testadas para validação da teoria. Algumas ficaram sentadas por todo o tempo da palestra; outras revezavam, a cada 10 minutos, entre sentadas e de pé e até mesmo algumas ficaram durante todo o tempo somente de pé. Os números são fantásticos, tal qual pretende ser o programa dominical: Quem revezou entre sentado e de pé a cada 10 minutos consumiu mais calorias do quem ficou somente sentado. E quem ficou todo o tempo, de pé, consumiu ainda mais do que os outros dois. Conclusão: Quem fica de pé, ou em pé, como queira, vive de maneira mais saudável, e – que maravilha! – pode ter sua vida alongada por até dois anos.

Fiquei refletindo sobre esse não tão novo achado da medicina: Ora, se ficar de pé, e por extensão, movimentar e andar é bom e saudável, por que as pessoas reclamam da superlotação dos ônibus públicos, do metrô e dos trens urbanos? Por que os usuários do SUS se aborrecem de ficar horas e horas em filas aguardando o momento para pegar uma simples senha de atendimento semanas mais tarde? Por que nos aeroportos brasileiros nos queixamos das longas filas do “check-in”, de filas maiores ainda para pegar a mala ao final da viagem ou das longas filas a que nos submetemos nos bancos para uma simples operação financeira? E as filas nas lotéricas para uma habilitação ao prêmio acumulado da Sena? Se for saudável ficar de pé e as pessoas se conscientizarem disto, até imagino como seria uma viagem convencional no metrô: Assentos disponíveis em abundância e pessoas se acotovelando para conquistar uns centímetros quadrados para permanecerem de pé enquanto o bólido sacoleja da esquerda para a direita e de trás para frente centrifugando as nossas calorias excedentes...

Parece que estou brincando com coisa séria. Um pouco sim – confesso –, mas o que chama a atenção em nossa sociedade cada vez mais cômoda é que as pessoas, principalmente nas grandes cidades, tendem a abandonar os hábitos saudáveis da prática de exercícios físicos pela demanda inesgotável de conforto. Come-se muito, arredondam-se as silhuetas e depois não veem a hora de se estatelarem em um reconfortante banco do trem do metrô ou do ônibus urbano, ou no sofá em frente à televisão. Curioso ainda é que cada vez mais, nós os brasileiros, estamos frequentando academias de ginástica para fazer exatamente aquilo que poderíamos – de graça – fazer ao longo do nosso cotidiano: Ninguém gosta de enfrentar os degraus da escada do escritório e por isso usa-se o elevador às vezes para vencer tão somente um ou dois andares. Para ir à padaria que fica na rua de trás, pega-se o carro e enfrenta-se todos os inconvenientes da falta de estacionamentos. São inúmeros os exemplos de pequenos esforços físicos que poderíamos fazer no dia a dia para surtir o mesmo efeito que nos vendem as academias. E por que não os aproveitamos? Vejo duas importantes razões:

A primeira, é que, infelizmente, falando da realidade brasileira, as pessoas tomaram, e com justificada razão, medo de caminhar livremente pelas ruas de nossas grandes cidades. A criminalidade que age livremente nas vias públicas, normalmente mal policiadas; as suas condições precárias, mal iluminadas; poluição sonora e o ar permanentemente infestado pelo monóxido de carbono liberado por ônibus, caminhões e carros com motores mal regulados. Calçadas que se assemelham às trilhas preferidas pelos ralis automobilísticos com buracos e surpresas mil, entre outros inconvenientes. Tudo isso junto, obviamente, desestimula o uso da via pública para a caminhada. Na mesma reportagem, mostrou-se que cidades importantes no mundo têm investido na ampliação de pistas exclusivas para pedestres e na ampliação das ciclovias.

A segunda razão, é que somos, por natureza, um povo cômodo, exigente quanto ao que os outros nos tem que prestar de serviço, mas ao mesmo tempo muito relapso com o que devemos dar de nós mesmos aos outros. A funcionária da repartição que reclama do fato de ter que ficar em pé no metrô é a mesma que do lado de dentro do balcão não se importa com a fila de usuários que esperam pelo atendimento em seu trabalho. Somos dúbios: Queixamos do fast-food excessivamente calórico, mas nos recusamos a levantar um pouco mais cedo para uma caminhada. Lamentamos pela dificuldade de se conseguir rapidamente uma consulta no médico do convênio onde certamente – após vários e custosos exames laboratoriais – ouviremos do médico que o colesterol elevado que ora apresentamos poderia ser controlado com atividade física. É a mesma incoerência que leva as pessoas a reclamarem de que as ruas da cidade estão sujas, mas que continuam jogando a bituca de seus cigarros pela janela de seus carros quando poderiam depositá-las no recipiente apropriado. Como veem a situação não é lá tão simples assim. Se for do egoístico interesse pessoal, tudo bem, o sacrifício de um esforço físico adicional é até admissível. Porém, se isso soar como uma obrigação, ninguém está disposto a mudar o procedimento ou abrir mão do conforto.

 Há dois meses compreendi perfeitamente isto quando – em viagem a Belo Horizonte – tive a oportunidade de assistir a um jogo no novo Mineirão agora no padrão FIFA. Depois de centenas de milhões gastos o estádio ficou uma maravilha. Tive um grande orgulho de voltar lá, pois, de 1965, quando foi inaugurado, até 1973, quando deixei BH, fui assíduo frequentador daquela praça esportiva. E olha que costumava percorrer, com meus amigos, a pé e com alegria, os cerca de cinco quilômetros que separam o bairro em que morávamos do Mineirão. Mas agora me vi acomodado em confortáveis assentos até que o jogo começasse. Foi aí que me dei conta da sabedoria popular coletiva, pois durante todo o jogo, exceto pelos 15 minutos do intervalo, as pessoas permaneceram de pé. Questionei então a mim mesmo: Para que todas essas cadeiras caríssimas, anatômicas e multicoloridas se o povo que ama o futebol e a vida sabe que de pé diverte-se mais, vive-se melhor e ainda se habilita a ganhar uma extensãozinha de dois anos na permanência neste vale de lágrimas?

Edson Pinto

Abril’ 2014 

Um comentário:

Blog do Edson Pinto disse...

De: Edson Pinto
Para: Amigos

Caros amigos (as):

Páscoa, Tiradentes e feriado prolongado... Que maravilha!

O que fazer?

O “dolce far niente” merecido ou algum exercício físico saudável?

Pensando nisto, escrevi para esta semana uma crônica exatamente com o título de DOLCE FAR NIENTE. Vejam se concordam comigo!

Boa páscoa a todos com muita alegria e segurança!

Edson Pinto