De
repente, um homem de terno escuro e rosto cansado surgiu, como se tivesse saído
das páginas de um livro inglês. T. S. Eliot ajeitou o chapéu e sentou-se ao
lado do poeta mineiro.
—
O mundo terminou em estalos, não em explosões, disse Eliot, em inglês
arrastado.
Drummond
sorriu de canto.
—
E o Brasil começou com pau-brasil e termina com minério escoado. Cada povo tem
sua ruína.
Houve
silêncio, até que Drummond abriu o bolso do paletó e retirou um papel amassado.
—
Veja, Eliot, escrevi isto aqui, com o humor triste de Itabira:
Quadrilha:
João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que
amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos,
Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria
ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com
J. Pinto Fernandes
que
não tinha entrado na história.
Eliot
leu devagar, quase soletrando. Depois ergueu os olhos:
—
A futilidade das paixões… e a circularidade da vida. Na minha Londres
devastada, vi algo parecido: homens ocos, existências quebradas, amores sem
sentido.
Drummond
ajeitou os óculos, com ironia mineira:
—
É, Eliot. A vida parece uma brincadeira de roda, mas sempre falta alguém no
meio. E quem entra por acaso, como esse J. Pinto Fernandes, vira o dono do
enredo.
—
The waste land of feelings, murmurou Eliot. O deserto das paixões.
—
Ou, como digo, o “sentimento do mundo”, replicou Drummond. Todos buscando,
ninguém encontrando.
Conversaram
como quem troca pedras por ruínas. Eliot falava da Terra Devastada, dos homens
ocos, do tempo quebrado. Drummond respondia com sua rosa do povo, com a solidão
de Itabira, e agora com essa quadrilha de desencontros.
No
fim, Eliot suspirou:
—
After such knowledge, what forgiveness?
Drummond
retrucou:
—
No meio do caminho tinha uma pedra.
—
E depois?, perguntou Eliot.
—
Depois, continuamos tropeçando.
O
sino da matriz bateu outra vez. Eliot se levantou e desapareceu pelas ladeiras.
Drummond ficou, rascunhando em silêncio, como quem transforma ruína em poesia. Olhou
em volta: a praça, a igreja, as pedras. Suspirou fundo e pensou consigo:
—
Um dia deixarei Itabira. Irei para Belo Horizonte. E esta cidade será apenas um
retrato na parede. A festa acabou, José. A festa acabou.
Edson Pinto
Outubro,
2025
Nota do Autor
Carlos Drummond de Andrade (1902–1987), mineiro de Itabira, é
considerado o maior poeta brasileiro do século XX. Modernista, mestre da ironia
e da intimidade, deu voz ao homem comum, às contradições do Brasil e às dores
universais. Obras como Alguma Poesia, Sentimento do Mundo e A Rosa do Povo
marcaram sua trajetória.
Thomas Stearns Eliot (T. S. Eliot) (1888–1965), poeta e
crítico anglo-americano, é uma das vozes mais influentes da poesia moderna.
Autor de The Waste Land (A Terra Devastada), The Hollow Men (Os Homens Ocos) e
Four Quartets (Quatro Quartetos), retratou o desencanto, a fragmentação e a
busca espiritual do homem no século XX.
Dois
poetas de terras distantes, mas próximos no olhar: ambos souberam transformar a
ruína da vida moderna em pedra de poesia.
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