10 de out. de 2025

348) T. S. ELIOT EM ITABIRA


 Itabira acordava lenta, como sempre. O sino da matriz ainda guardava ecos, e a praça tinha cheiro de ferro e infância. Drummond, atrás de seus óculos grossos, observava o vazio. Havia pedras no caminho, claro, mas também poeira de mina, lembranças e uma solidão que lhe pesava no bolso do paletó.

De repente, um homem de terno escuro e rosto cansado surgiu, como se tivesse saído das páginas de um livro inglês. T. S. Eliot ajeitou o chapéu e sentou-se ao lado do poeta mineiro.

— O mundo terminou em estalos, não em explosões, disse Eliot, em inglês arrastado.

Drummond sorriu de canto.

— E o Brasil começou com pau-brasil e termina com minério escoado. Cada povo tem sua ruína.

Houve silêncio, até que Drummond abriu o bolso do paletó e retirou um papel amassado.

— Veja, Eliot, escrevi isto aqui, com o humor triste de Itabira:

Quadrilha:

João amava Teresa que amava Raimundo

que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili

que não amava ninguém.

 

João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,

Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,

Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes

que não tinha entrado na história.

Eliot leu devagar, quase soletrando. Depois ergueu os olhos:

— A futilidade das paixões… e a circularidade da vida. Na minha Londres devastada, vi algo parecido: homens ocos, existências quebradas, amores sem sentido.

Drummond ajeitou os óculos, com ironia mineira:

— É, Eliot. A vida parece uma brincadeira de roda, mas sempre falta alguém no meio. E quem entra por acaso, como esse J. Pinto Fernandes, vira o dono do enredo.

— The waste land of feelings, murmurou Eliot. O deserto das paixões.

— Ou, como digo, o “sentimento do mundo”, replicou Drummond. Todos buscando, ninguém encontrando.

Conversaram como quem troca pedras por ruínas. Eliot falava da Terra Devastada, dos homens ocos, do tempo quebrado. Drummond respondia com sua rosa do povo, com a solidão de Itabira, e agora com essa quadrilha de desencontros.

No fim, Eliot suspirou:

— After such knowledge, what forgiveness?

Drummond retrucou:

— No meio do caminho tinha uma pedra.

— E depois?, perguntou Eliot.

— Depois, continuamos tropeçando.

O sino da matriz bateu outra vez. Eliot se levantou e desapareceu pelas ladeiras. Drummond ficou, rascunhando em silêncio, como quem transforma ruína em poesia. Olhou em volta: a praça, a igreja, as pedras. Suspirou fundo e pensou consigo:

— Um dia deixarei Itabira. Irei para Belo Horizonte. E esta cidade será apenas um retrato na parede. A festa acabou, José. A festa acabou.

 

Edson Pinto

Outubro, 2025

 

Nota do Autor

Carlos Drummond de Andrade (1902–1987), mineiro de Itabira, é considerado o maior poeta brasileiro do século XX. Modernista, mestre da ironia e da intimidade, deu voz ao homem comum, às contradições do Brasil e às dores universais. Obras como Alguma Poesia, Sentimento do Mundo e A Rosa do Povo marcaram sua trajetória.

Thomas Stearns Eliot (T. S. Eliot) (1888–1965), poeta e crítico anglo-americano, é uma das vozes mais influentes da poesia moderna. Autor de The Waste Land (A Terra Devastada), The Hollow Men (Os Homens Ocos) e Four Quartets (Quatro Quartetos), retratou o desencanto, a fragmentação e a busca espiritual do homem no século XX.

Dois poetas de terras distantes, mas próximos no olhar: ambos souberam transformar a ruína da vida moderna em pedra de poesia.


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