Era
uma tarde clara, daquelas em que o sol mineiro se diverte em espalhar ouro por
entre as folhas das mangueiras. A praça de Caratinga, tranquila e rotineira,
parecia não esperar nada além do jogo de peão das crianças, o pregão da
quitanda e o badalar da igreja. Mas o destino, esse grande desenhista de
coincidências, tinha preparado uma charge para o mundo inteiro.
Ziraldo
chegou primeiro, com seu sorriso mineiro e o Menino Maluquinho correndo à
frente, panela na cabeça, como se fosse general de brinquedo. Sentou-se no
banco, ajeitou os óculos e abriu o caderno de esboços. Eis que, não se sabe
como, nem por onde, apareceu Quino, meio sério, carregando Mafalda pela mão. A
menina, como sempre, resmungava contra a política, contra a guerra, contra a
sopa e contra tudo que a contraria. Quino, argentino universal, trazia nos
olhos a ironia das tiras que explicam o mundo melhor que tratados.
Ziraldo
levantou-se, riu, e logo entendeu que ali se tramava alguma travessura do
tempo. Apertaram-se as mãos como velhos amigos, embora nunca tivessem se visto.
Conversaram de ditaduras, de censura, de como o humor é navalha embrulhada em
papel de seda.
Foi
quando, para surpresa maior, um senhor de cabelos lisos e expressão tímida
aproximou-se, seguido por Charlie Brown, Lucy e, claro, Snoopy em sua casinha
imaginária. Era Charles Schulz, que viera de muito longe e parecia encantado
com aquele pedaço de Minas. “É aqui que mora o humor que fala a língua das
crianças”, disse em seu inglês carregado de silêncio.
Os
três sentaram-se lado a lado no banco da praça. O Menino Maluquinho provocava
Snoopy, Mafalda discutia com Lucy, Charlie Brown coçava a cabeça tentando
entender o português. E os autores, esses três pais de papel, riam-se uns dos
outros, descobrindo que o desenho é a língua secreta da humanidade, mais
universal que o latim e mais sincera que qualquer manifesto.
Ziraldo
contou das serras, dos colégios, das crianças de rua que riam de tudo. Quino
falou das assembleias argentinas, dos militares que temiam uma tirinha mais do
que um discurso. Schulz confidenciou que a solidão americana era mais
suportável quando virava traço. No fundo, perceberam: todos haviam desenhado a
mesma coisa: o coração humano visto com olhos de criança.
A
praça de Caratinga nunca mais foi a mesma. Alguns dizem que, quando o sol baixa
e as sombras se alongam, ainda se ouvem risadas misturadas em três idiomas,
vindas daquele banco de madeira. Talvez sejam apenas os meninos de peão, talvez
não.
Edson Pinto
Outubro,
2025
Nota do Autor
Joaquín Salvador Lavado Tejón, o Quino (1932–2020), argentino de Mendoza,
deu ao mundo Mafalda, a menina que perguntava ao poder o que os adultos não
sabiam responder. Seu traço simples e profundo fez da tirinha um tratado
universal sobre liberdade e justiça.
Charles Monroe Schulz (1922–2000), norte-americano de
Minneapolis, criou Peanuts, a turma de Charlie Brown e Snoopy. Com melancolia e
ternura, retratou a infância como metáfora da condição humana, em tiras que se
tornaram parte da cultura mundial.
Ziraldo Alves Pinto (1932–2024), mineiro de Caratinga, foi cartunista,
chargista, escritor e humorista gráfico. Criador do inesquecível Menino
Maluquinho, suas ilustrações atravessaram a política, a infância e a crítica
social, sempre com humor e poesia.
Três
homens de diferentes terras, mas unidos por uma mesma vocação: transformar a
criança, real ou imaginada, em voz da humanidade.
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