17 de out. de 2025

349) O ENCONTRO NA PRAÇA DE CARATINGA

 

Era uma tarde clara, daquelas em que o sol mineiro se diverte em espalhar ouro por entre as folhas das mangueiras. A praça de Caratinga, tranquila e rotineira, parecia não esperar nada além do jogo de peão das crianças, o pregão da quitanda e o badalar da igreja. Mas o destino, esse grande desenhista de coincidências, tinha preparado uma charge para o mundo inteiro.

Ziraldo chegou primeiro, com seu sorriso mineiro e o Menino Maluquinho correndo à frente, panela na cabeça, como se fosse general de brinquedo. Sentou-se no banco, ajeitou os óculos e abriu o caderno de esboços. Eis que, não se sabe como, nem por onde, apareceu Quino, meio sério, carregando Mafalda pela mão. A menina, como sempre, resmungava contra a política, contra a guerra, contra a sopa e contra tudo que a contraria. Quino, argentino universal, trazia nos olhos a ironia das tiras que explicam o mundo melhor que tratados.

Ziraldo levantou-se, riu, e logo entendeu que ali se tramava alguma travessura do tempo. Apertaram-se as mãos como velhos amigos, embora nunca tivessem se visto. Conversaram de ditaduras, de censura, de como o humor é navalha embrulhada em papel de seda.

Foi quando, para surpresa maior, um senhor de cabelos lisos e expressão tímida aproximou-se, seguido por Charlie Brown, Lucy e, claro, Snoopy em sua casinha imaginária. Era Charles Schulz, que viera de muito longe e parecia encantado com aquele pedaço de Minas. “É aqui que mora o humor que fala a língua das crianças”, disse em seu inglês carregado de silêncio.

Os três sentaram-se lado a lado no banco da praça. O Menino Maluquinho provocava Snoopy, Mafalda discutia com Lucy, Charlie Brown coçava a cabeça tentando entender o português. E os autores, esses três pais de papel, riam-se uns dos outros, descobrindo que o desenho é a língua secreta da humanidade, mais universal que o latim e mais sincera que qualquer manifesto.

Ziraldo contou das serras, dos colégios, das crianças de rua que riam de tudo. Quino falou das assembleias argentinas, dos militares que temiam uma tirinha mais do que um discurso. Schulz confidenciou que a solidão americana era mais suportável quando virava traço. No fundo, perceberam: todos haviam desenhado a mesma coisa: o coração humano visto com olhos de criança.

A praça de Caratinga nunca mais foi a mesma. Alguns dizem que, quando o sol baixa e as sombras se alongam, ainda se ouvem risadas misturadas em três idiomas, vindas daquele banco de madeira. Talvez sejam apenas os meninos de peão, talvez não.

Edson Pinto

Outubro, 2025

 

Nota do Autor

Joaquín Salvador Lavado Tejón, o Quino (1932–2020), argentino de Mendoza, deu ao mundo Mafalda, a menina que perguntava ao poder o que os adultos não sabiam responder. Seu traço simples e profundo fez da tirinha um tratado universal sobre liberdade e justiça.

Charles Monroe Schulz (1922–2000), norte-americano de Minneapolis, criou Peanuts, a turma de Charlie Brown e Snoopy. Com melancolia e ternura, retratou a infância como metáfora da condição humana, em tiras que se tornaram parte da cultura mundial.

Ziraldo Alves Pinto (1932–2024), mineiro de Caratinga, foi cartunista, chargista, escritor e humorista gráfico. Criador do inesquecível Menino Maluquinho, suas ilustrações atravessaram a política, a infância e a crítica social, sempre com humor e poesia.

Três homens de diferentes terras, mas unidos por uma mesma vocação: transformar a criança, real ou imaginada, em voz da humanidade.

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