Alexandre era o paradigma do homem derrota-do nas questões sentimentais. Não foram poucas as vezes que o seu ímpeto de conquistador resultara - pelo menos aos olhos de quem o conhecia - como verdadeiros fiascos.
Aproximava-se dos cinqüenta, a mesma elegância, vaidade e charme de sempre, bem apessoado, mas solteiro, não por opção, mas por “incompetência”, como afirmavam seus amigos mais próximos ao lhe infligir tão cáustica pecha que ele, humilde e resignadamente, aceitava sem nunca contestar.
O que parecia contraditório era o fato de que Alexandre nunca apagara aquela sua chama de grande conquistador, em que pese, por uma razão nunca muito bem compreendida, não o suficiente para manter suas conquistas sob seu domínio definitivo como fazem normalmente aqueles que se esposam de suas paixões. Passava a impressão de que era um desses tipos que ganha, mas nunca leva. Perdia todas... Para os amigos dos anos dourados, era uma festa quando ele aparecia com uma nova presa. “Opa”, diziam com indisfarçável tom da mais pura cobiça, “Para quem Alexandre entregará esta, agora?”.
Filosofava e apregoava aos quatro cantos que considerava a reprodução a mais nobre das ações do homem tendo em vista a sagrada missão de garantir a continuidade da espécie. Trazia, portanto, vivo e intacto em sua alma de conquistador esse que é considerado como um dos mais primitivos de todos os instintos dos seres vivos. Ele mesmo, embora símbolo do fracasso nessa matéria de formação de família, se julgava um bom tipo a ser continuado. Reproduzir, como missão, refletia a pureza absoluta de sua alma. Conquistar, como meio e como ele mesmo fazia com enorme habilidade, nada mais era do que o ato supremo de sua conduta, seguindo fielmente ao inato impulso. Nada mais cristalino...
Cada encontro social com aquela turma era revestido da mais contraditória de todas as sensações que um ser humano pode experimentar: A alegria de conversar com seus amigos e seus respectivos filhos contrastava com o seu desconforto quando uma ou mais de suas quatro ex-paixões participavam das rodadas de conversas, mesmo que de forma bem descontraída. Não era difícil entender a razão para tal: Ele apregoava a multiplicação da espécie, mas, infelizmente como acreditavam quase todos, não tivera filhos. Os amigos propositalmente já desviavam a conversa quando o tema se colocava nas discussões. Por que não poupar Alexandre de envolver-se com aquilo que parecia ser sua maior frustração?
O grupo era muito unido. Coisa difícil de ver nos tempos modernos em que cada um desenvolve o seu próprio mundo, esquecendo-se das amizades antigas. Os filhos de seus amigos já começavam a dar sinais de que a inexorável roda da vida estava para dar mais uma volta. Pais, mães - e Alexandre no início só de observador - começavam a entabular algumas conversas que poderiam levar os filhos a se unirem amorosamente. Seria a consagração de uma amizade que perdurava há tantos anos. Fazia todo o sentido. As idades eram compatíveis. As graciosidades dos jovens formariam dois belos casais e o mais importante, a união do grupo estaria renovada e fortalecida para pelo menos mais uma geração. Era, portanto, necessário estimular os jovens a se aproximarem, por que não?
Indisfarçável desconforto tomava conta de Alexandre cada vez que o tema voltava à tona. Começou a desenvolver uma nova teoria sobre o relacionamento humano e sobre aspectos intrincadas de sociabilidade, segundo a qual seria mais saudável se cada um daqueles jovens procurasse se relacionar com gente de outras paragens. Isto ampliaria suas limitadas experiências interpessoais, trazendo idéias e maneiras novas de tratar o cotidiano, de ampliação do raio de amizades e outros “lero-leros” um tanto filosóficos. Embora nunca contestado, não havia como evitar que seus amigos vissem naquela tentativa de dificultar a união dos seus filhos como uma incoerência por parte de Alexandre, pois era exatamente ele que tanto pregava a famosa “continuidade da espécie”.
Das idéias vagas às ações concretas, os pais começaram a se movimentar cada qual ao seu modo para que a tal aproximação amorosa dos filhos de fato acontecesse. Uma recepção aqui, com todos convidados. Depois, outro encontro ali, sempre cuidando para que os filhos mutuamente se interessassem. Pais cruzando recados, elogios, planejando coincidências “fortuitas” para que os objetivos fossem alcançados.
Alexandre já não se dava mais ao comportamento do mero observador de até então, e, atrapalhava o quanto seu conhecido poder de persuasão lhe permitia. Nos encontros sociais ele cuidava de puxar um dos jovens para uma conversa sempre que a contraparte previamente arranjada se colocava receptiva para aquele planejado intento. Chegou até mesmo a impedir que um dos pares prolongasse por muito tempo a conversa a sós que haviam entabulado no jardim da casa de um deles quando de uma das recepções arranjadas para o nobre fim.
De chato, logo Alexandre começou a ser tomado como inconveniente. O que estaria acontecendo? Por que Alexandre estaria agindo daquela forma? Suas idéias sobre integração com gente de fora tinham certo sentido, porém nada provava que a união entre jovens de famílias tão próximas também não pudesse dar certo. E acima de tudo, por que Alexandre se intrometeria tanto em assunto do âmbito de cada família? Ele era apenas o tio por afinidade, mas quem tinha que zelar pelo futuro dos filhos eram os próprios pais. Estava na hora de dar um basta naquela ingerência de Alexandre. A antiga amizade dava ao grupo o direito e a liberdade para uma conversa franca e sincera.
Havia, contudo, na cabeça daquelas quatro mulheres, mães dos quatro jovens, um desejo, evidentemente nunca compartilhado entre elas, de que se fazia necessário uma conversa pessoal com o sempre presente ex-namorado. Já havia passado tanto tempo desde aqueles momentos das conquistas e - como as coisas se acomodaram tão bem - os segredos que cada uma, isoladamente, guardava, só não estavam irremediavelmente enterrados por que Alexandre permanecia na vida de cada uma como a sombra do próprio corpo da qual nunca se consegue fugir.
O problema era que Alexandre tinha um segredo com cada uma delas. E elas, individualmente, imaginavam que tinham um segredo exclusivo com ele. De seu ponto de vista seria quase impossível desaparecer da vida daqueles quatro casais amigos e deixar que o destino cuidasse da união de seus filhos. O seu sentimento fora reprimido por tantos anos com o único objetivo de manter as coisas como sempre estiveram, mas agora, algo de muito sério poderia pôr abaixo todo o edifício moral que ele havia construído a tão duras penas: a manutenção das caras e antigas amizades, o respeito às ex-paixões e mais do que isto, o sentimento de amor aos filhos que nunca pudera revelar...
Os quatro jovens eram, na verdade, frutos do breve relacionamento que Alexandre tivera com cada uma daquelas quatro mulheres e que por intrincada artimanha do destino nunca fora descoberto pelos amigos e nem houvera entre elas a quebra dos respectivos segredos. Ele levava tão a sério o seu entendimento de preservação de espécie que gerar filhos era mais importante do que formar família, por isso nunca quisera casamento com todas as conseqüências próprias da paternidade e por isso, após a consumação plena da conquista, entregava cada uma delas a um de seus amigos. As coincidências que a vida o impôs, porém, fugiram ao seu controle. O tempo passou e ele não viu outra solução senão acompanhar de forma o mais próxima possível, o crescimento dos filhos que gerou, mas não criou.
Se o cruzamento de interesses amorosos entre seus filhos não tivesse ocorrido, muito provavelmente Alexandre não teria interferido e morreria com aquele segredo deixando a situação igual a como sempre estivera. Além do mais, por que provocar tão abalado desgosto àqueles que foram companheiros por tantos anos em que pese ter ficado a impressão de que eles haviam lhe roubado as mulheres que vieram a desposar?
Valeria a pena contar tudo e assim livrar os filhos do iminente incesto mesmo que quatro famílias fossem destruídas? Pesava-lhe tudo ao mesmo tempo: O desgosto aos amigos, a desonra das esposas que nunca revelaram o segredo, a surpresa dos filhos e a falta de coragem de ter, já, há muito tempo, se libertado de tão pesado fardo a esmagar dolorosamente a sua consciência.
Coragem tomada, o segredo é desvendado aos doze ao mesmo tempo. O que aconteceu então? Deixo a cada um imaginar quais foram os desdobramentos de tal revelação provocou na vida daquele grupo de amigos.
A única coisa que se sabe desse polígono amoroso é que Alexandre continua solteiro, conquistador ainda atuante e convencido de que todo o sacrifico é justificado pela nobre missão de preservação da espécie, mas, como disse: com responsabilidade...
Edson Pinto
SP 26/04/08
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