16 de abr. de 2008

16) NOSSO DESPREZO PELA QUALIDADE (abril'08)

No dicionário Aurélio, para o termo “qualidade”, encontramos uma grande lista de definições e aplicações que vão das propriedades morais intrínsecas do ser humano como o dote, o dom e a virtude, todos de cunho filosófico, até como sinônimo de características geométricas e mecânicas do âmbito das ciências exatas. Há, contudo, uma definição mais genérica que é a que nos interessa nesta crítica:

Qualidade: “Propriedade, atributo ou condição das coisas ou das pessoas capaz de distingui-las das outras e de lhes determinar a natureza”.
Como pode ser deduzido, qualidade cabe em tudo o que fazemos, recebemos ou observamos. Na vida prática, a qualidade é quase como um modo de ser, isto é, uma postura marcante das coisas e das pessoas. Nitidamente, existem pessoas que primam pela qualidade de tudo o que fazem. Outras há, contudo, que, ou parecem desconhecer o significado deste termo, ou, o que é pior, deliberadamente agem sem a menor preocupação para com este atributo.

No mundo capitalista em que vivemos, a qualidade acaba por se incorporar em tudo e de uma forma muito importante. É considerada como diferencial que dá valor àquilo que queremos vender. Tanto faz se tratar dos produtos ou serviços que produzimos, como até mesmo da nossa própria imagem. Aqueles que querem conquistar a simpatia de uma outra pessoa primam pela ação com qualidade. Os produtos que comprarmos no comércio, além da qualidade intrínseca que precisam ter, procuram demonstrá-la nas embalagens e por outros recursos de convencimento. Tudo precisa ter, ou caminhar no sentido de se ter qualidade, caso contrário, perde-se a preferência para os concorrentes mais aprimorados.

Essa incontestável verdade parece-nos, infelizmente, não fazer muito sentido nos nossos serviços públicos. E, mais lamentável, ainda, é o fato de que nós os cidadãos, passivamente, fechamos os olhos para o conjunto de serviços totalmente desprovidos de qualidade que recebemos no dia-a-dia de nossos governos.

Por que será?

Se, naturalmente, somos exigentes com o açougueiro quanto à qualidade da carne que ele nos fornece. Igualmente exigentes e rigorosos com o atendimento do garçom que nos serve em um restaurante, com o motorista do táxi que nos leva para um compromisso ou com a empregada doméstica que não executa com qualidade uma determinada tarefa, por que não sê-lo, também, com os nossos governantes?

E, o que é mais incrível: pagamos relativamente mais impostos do que gastamos com todos os nossos fornecedores de produtos e serviços. Deveríamos, portanto, sermos relativamente mais rígidos com este grande tomador de nossa dura e suada renda, não acham?

Claro que estou falando em tese. Não podemos desconhecer que existem brasileiros que brigam e reclamam dos péssimos serviços que os governos lhes dão em troca dos mais de 40% de impostos que pagamos. No entanto – e esta é a grande verdade - a maioria aceita calada, tanto pelo que não recebe, como pelo que recebe com baixa qualidade.

Arrisco aqui uma explicação para isto: Temos a tendência a nos conformar enquanto cidadãos e contribuintes que o ente Estado é soberano e intocável. Ser cidadão significa pagar e não reclamar. E se reclamar, ser mal tratado ou sonoramente ignorado. As más experiências acumuladas nos levam a desistir de brigar por serviços governamentais melhores. O sistema político, embora democrático e com suas Instituições devidamente operantes, trás em si uma dificuldade muito grande para que o cidadão exerça, sozinho ou em grupo, o seu direito de retorno com qualidade. O Estado é monopolista em quase tudo. Não temos alternativa para buscar certos serviços e aí nos submetemos à sua arrogância. Quem nunca viu aquela famosa plaqueta que as Repartições Públicas afixam para intimidar o cidadão que queiram reclamar (eles, convenientemente, entenderão como ameaçar), alertando-nos para o crime de desacato. Tudo, tudo, respaldado por uma determinada lei lá mencionada.

Por outro lado, no mundo livre das relações capitalistas onde há concorrência e não somos obrigados a nos subjugar a arrogância de monopolistas, podemos brigar e de fato brigamos.

Para não ficar somente na seara dos conceitos, gostaria de mencionar três casos com os quais nos confrontamos no dia-a-dia na relação com o Estado. Se eu estiver errado em algum que me contestem, mas, posso afirmar que todos correspondem à minha experiência real e não imaginária. Garanto que você mesmo já deve ter pessoalmente vivenciado ou observado casos como estes:

CASO 1: O termômetro marca 38 graus quando, naquela tarde de verão, com uma bermuda bem decente e compatível com o meu estilo "cinquentão aposentado", tento entrar numa CIRETRAM para renovação de uma CNH. Impedido de entrar, pelo relaxado guarda, porque o delegado, autoridade daquela repartição pública, havia afixado uma plaqueta proibindo que as pessoas entrassem de bermuda. Volto nos dias posteriores até cumprimento de todo o ritual. Imagino: com tanto rigor, o serviço deve ser ótimo, com a maior qualidade. Não! Pessoas com dificuldade de locomoção não tinham rampa para acesso à escadaria daquele prédio de aparência medieval, tal era a pobreza do mobiliário e a falta de equipamentos, funcionários mal preparados não sabiam orientar os contribuintes, não tiravam cópias, mas exigiam que tal fosse obtido naquele prestador de serviços convenientemente instalados do lado do Órgão público e, o pior: Os 15 dias previstos para a reemissão do documento se transformaram em 40, porque um funcionário não conseguia digitar uma guia que fazia parte do processo e simplesmente arquivou toda a papelada sem a menor preocupação em entrar em contato com o contribuinte para outras providências. Reclamar com a energia que o caso exigia, nem pensar. Poderia ser preso por desacato à autoridade...

CASO 2: Ficamos todos felizes com o recapeamento daquela rua que usamos todos os dias e que há muito já estava implorando por um reparo. Aplicam o asfalto, mas criam uns buracos ao redor das tampas de bueiros porque nunca descobriram como resolver esse simples problema junto com a colocação do novo asfalto. Imaginamos que nos próximos dias farão o reparo. Que nada! Passam-se semanas, meses e dá-lhe rodas amassadas, pneus furados e suspensões desreguladas. E quanto à sinalização de solo? Quando fazem, primeiro, fazem com a mesma tinta que pintarão as faixas, aqueles borrões, pressupostamente para a melhor orientação da pintura das faixas. Aí entram as faixas, mal pintadas e sem o menor acabamento. E os borrões ficam lá até que a pista seja novamente recapeada. E quanto àquelas rebocadas de cal que fazem nas guias das ruas e espalham porcamente a tinta para todos os lados, mais na rua do que no lugar onde devia? O Órgão público que contratou a obra controla a qualidade do serviço feito pela empreiteira? Que nada, sabe-se lá por quê?

CASO 3: Você paga IPVA, licencia o carro, coloca pneus novos, segue todas as normas do código de trânsito e aí entra numa das estradas federais de grande movimento do país. Inesperadamente é engolido por uma cratera e lá se vão dois pneus e uma roda de alto valor. Feliz por não ter sofrido conseqüência maior você pergunta: A quem reclamar? Vale a pena brigar? Isto não me custará mais caro e me tomará mais tempo? Conclusão: Deixa pra lá e fica com o prejuízo...

Aí está uma análise quase desanimadora, pois ao contrário das atividades privadas que operam em regime de concorrência, os governos não se sentem ameaçados. Não se preocupam em perder o cliente. Não têm concorrência...

Penso que além da necessidade de maior participação política dos cidadãos para cobrar retorno com qualidade aos impostos que pagamos, honestidade daqueles que nos representam, está, também, na hora de reduzirmos o Estado, genericamente falando, ao mínimo necessário. Se em outros paises o Estado funciona melhor, por que, também, não conseguirmos o mesmo aqui?

O que puder ser privatizado e com regras de mercado que o seja. E para o que for da essência do Estado que lá fique, mas que não tenham o desprezo a este termo que o Estado insiste em desconhecer: Qualidade.

Clique aqui para assistir à crônica de Arnaldo Jabor de 25/03/08 que complementa, sob outro ângulo, porém compatível, com a minha crítica.


Edson Pinto


16/04/2008

3 comentários:

Unknown disse...

Caro Edson:

Perfeita a sua observação. Com raríssimas exceções , o serviço público é de péssima qualidade. Este fato só pode ser traduzido como desprezo do Estado pelo cidadão que paga altíssimos impostos e pouco recebe em troca. Do seu excelente texto , só me atreveria a sugerir que altere o título: O Desprezo do Estado pelo cidadão.

Neun Song

Blog do Edson Pinto disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Blog do Edson Pinto disse...

Caro Neum:

Grato pelos comentários!Aproveitando a sua sugestão de título para o texto, prometo mais adiante escrever uma crônica para abordar de forma mais ampla o que você bem chamou de "desprezo do Estado pelo cidadão". Neste caso vamos ampliar a crítica estendendo-a as inúmeras outras funções precípuas de governo que são mal oferecidas aos cidadãos em troca de seus elevados impostos: saúde, educação, segurança, entre outros.

Abraço
Edson