24 de ago. de 2008

43) ESTARIAM OS DEUSES CONTRA NÓS? (agosto'08)




Cornelius Horan, aquele ex-padre irlandês, maluco, atravessou a pista e num gesto tão inusitado quanto hilário, impediu que o nosso atleta Vanderlei Cordeiro de Lima confirmasse a sua vitória na maratona das olimpíadas da Grécia em 2004. Antes, em 2000, o grande cavaleiro Rodrigo Pessoa viu escoar por entre os seus dedos a medalha de ouro em Sidney, Austrália, quando o seu famoso cavalo Baloubet du Rouet refugou ridiculamente diante de um simples obstáculo igual a tantos que o conjunto havia superado com grande facilidade em centenas de outras competições do mesmo naipe.

Chegamos a 2008, Olimpíadas da China, e o orgulho de sermos brasileiros agora turbinado por atletas brilhantes e com precedentes de vitórias nos permite sonhar com medalhas, cerimônias de podium e a execução do “ouvirundum”, enquanto o “símbolo augusto da pátria” subisse ao alto dos ginásios de esporte para admiração de bilhões de terráqueos pregados às TVs de todo o mundo.

No entanto, judocas campeões mundo afora caem diante adversários teoricamente mais fracos. Nossos hábeis e já afamados ginastas aterrissam fora do tablado, caem de costas no último e decisivo salto, dão belas piruetas no cavalo de pau, mas chegam ajoelhados para desencanto de milhões de aflitos patriotas que atravessam madrugadas acordados pelo cândido sonho por uma medalhinha sequer.

O futebol dos estrelados e milionários marmanjos imita Baloubet du Rouet justo na frente do obstáculo mais indesejável de todos: a Argentina. E se não bastasse isso, somente algo sobrenatural para explicar o sumiço da vara de saltar da nossa promessa Fabiana Murer, que, mesmo considerando a real dificuldade de superar a russa Yelena Isinbayeva, viciada em quebra de recordes, pelo menos poderia nos trazer uma vistosa medalha de prata. Some a vara da Fabiana e com ela as nossas esperanças...

Estariam os deuses contra nós? Galvão Bueno, arauto-mor da brasilidade transbordante de otimismo dirá que não, e ainda nos responderia com uma outra pergunta: Se Deus, sabidamente, é brasileiro, como é que outros deuses de menor hierarquia se atreveriam a ser contra nós?

Lula completaria dizendo que nunca na história deste país os esportes foram tão bem sucedidos e até mesmo não se acanharia em comparar-se ao Barão de Coubertin, claro, devido ao seu idêntico e verdadeiro espírito olímpico. Nem nos causaria espanto se ainda dissesse que a meta de um eventual 3º governo seria propiciar ao menos 3 esportes por dia para cada brasileiro: um pela manhã para alimentar-nos o espírito, outro ao meio-dia para fortalecer-nos o corpo, e um à noite para aplacar-nos as paixões mais recônditas. Afinal, o horário político gratuito já começou e o povo nunca deixará de acreditar no que o presidente disser repetidamente, mesmo que não seja verdade.

Ah, mas ganhamos ouro com a equipe feminina do vôlei de quadra! César Cielo nos deu também o ouro dos 50 metros na natação e Maurren Maggi que ao pular mais de 7 metros buscou o ouro, chorou as lágrimas da atleta injustiçada e nos fez, também, chorar de emoção? As mágicas futebolistas de saia, só nos enchem de orgulho e nos presenteiam com uma brilhosa medalha de prata. Por muito pouco poderia ser a de ouro. Que pena! Essas poucas e preciosas conquistas deveriam nos levar a aceitar passivamente uma classificação além do 20º lugar no quadro de medalhas olímpicas, mesmo considerando o fato de que somos a 10ª economia mundial, caminhando rápido para o 8º lugar, a 5ª população do mundo e que temos sol em abundância, espírito esportivo, alegria transbordante e aprimorada etnia?

Estaríamos sofrendo da terrível síndrome do gafanhoto em que o medo da derrota já nos cerceia o impulso necessário para a vitória? Por outro lado, os sempre vitoriosos americanos e outros, simbolizados pela águia que demonstra força, nobreza e vivacidade prevalecem sobre a nossa timidez, esta covarde aceitação de fraqueza, baixa auto-estima e o famigerado complexo de inferioridade? Isso seria suficiente para nos privar da conquista de vitórias em maior quantidade e qualidade?

Minha observação pessoal indica que não. Não somos vitimas da síndrome do gafanhoto por sermos frágeis como o são esses insetos que podem ser pisados, embora sejam numerosos. O que me parece mais plausível é entender que o Esporte a exemplo de muitas das atividades humanas deixou também de ser um mero exercício de criatividade e recreação para assumir o status de um grande negócio. Negócio, no sentido de que pode gerar receitas fantásticas para organizadores, patrocinadores e produtores de conteúdo na mídia do entretenimento massificado. Além disso - e não é novidade - governos e nações, principalmente aqueles que mantêm grande poder econômico, descobriram há tempos o poder do uso do Esporte em favor de seus objetivos de ampliação do bem-estar social de seus povos ao mesmo tempo em que impõem ao mundo as suas supremacias.

Dito isso, só nos resta abandonar o romantismo das disputas esportivas pelo seu prazer lúdico e encararmos a necessidade de investimentos de longo prazo, tendo como base uma infância melhor assistida com cuidados de saúde e educação. A antiga expressão “Mens sana in corpore sano” parece ter recuperado nos dias de hoje a importância que nos legou a Grécia Antiga.

É claro que os deuses não estão contra nós. O que poderíamos ouvir do Galvão Bueno e de outros ufanistas inveterados é que na verdade Deus – dado à abundância de benesses generosamente a nós concedidas - como florestas verdejantes, praias encantadoras, território livre dos grandes desastres naturais, povo alegre e bonito, precisaria buscar certo equilíbrio nos dando escassas medalhas olímpicas.

Por que, já pensaram, se ainda fossemos bons de medalhas? Aí é que a garganta de nosso querido Galvão Bueno estouraria pelos incessantes gritos de seu ufano amor pelas coisas da nossa terra.

Brasil, sil, sil, sil.... E que o mundo nos aguarde em 2012! Pelo menos, uma nova medalha de ouro já está garantida: choro coletivo

Edson Pinto
24/08/08

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