30 de ago. de 2012

214) VOX POPULI, VOX DEI


Todas as vezes que ouço a expressão “Juiz não pode se pautar por opinião pública”, como recentemente repetida, à exaustão, pelo ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, em referência a absolvição que concedeu ao deputado João Paulo Cunha na ação penal do Mensalão, tenho meu lado filosófico despertado de seu natural estado de torpor.

O bom juiz, conjeturo, tem toda a razão em apegar-se ao conjunto probatório contido nos autos. É assim que se diz referindo-se a todas as provas documentais, testemunhais bem como às suas respectivas contraprovas e outros indícios que suportam a decisão soberana que a ele compete tomar. Não é por outro fundamento que a magistratura deve ser composta por homens doutos e imparciais. Não sou jurisconsulto, mas tenho discernimento suficiente para entender que o bom veredito prescinde de evidências robustas, caso contrário, haverá sempre o risco de se cometer uma injustiça. Entendo ainda que uma condenação injusta faça mais mal a sociedade que a absolvição decorrente das faltas de provas e convicção sólida do julgador.

O verbo pautar tomado em sua forma pronominal, tal qual contido na frase acima citada, significa “guiar-se” e “orientar-se”. Está, assim, no grande Aurélio. Não tem, portanto, a força do verbo “obrigar”. "Pautar-se", não me parece ser um absurdo, nem mesmo uma interferência indevida na nobre função do magistrado. Seria apenas uma orientação a ser confirmada com base na sua ética, no seu bom senso e no seu domínio da ciência jurídica.

Sempre esteve registrado nas nossas cartas constitucionais: “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes eleitos, ou diretamente, nos termos desta constituição (artigo 1º, parágrafo único CFB de 1988). Isso nos leva ao entendimento de que a o desejo do povo, adicionalmente ao valor maior contido no importante preceito democrático, encontra-se até mesmo registrado no artigo de abertura da nossa carta magna, exatamente, penso, para servir de parâmetro para todos os 249 artigos que ao primeiro seguem.

No que me toca como cidadão, acompanho regularmente, entre outros, dois grandes órgãos da imprensa nacional: Sou assíduo leitor da coluna “Fórum dos Leitores” do Estado de São Paulo e da seção “Leitor” da Revista semanal Veja. Salvo eventual distração de minha parte, posso afirmar nunca ter encontrado uma só opinião de leitores defendendo a posição de qualquer dos mensaleiros. Todas as manifestações expressam sempre a indignação pelo descalabro na gestão da coisa pública e manifestam explicitamente o desejo de punição aos malfeitores. Há de se perguntar, aqui, a razão das praticamente inexistentes opiniões em contrário: Por que só uma das partes (a que condena e pede punição aos malfeitores) se manifesta? Por que os defensores dos acusados não se manifestam, mantendo-se silentes? Será que aqui prevalece a máxima popular de que “quem cala consente”?

Acuin de York, no século VIII, repudiou a expressão “a voz do povo é a voz de Deus”, título deste meu texto, pela mesma razão que Tito Lívio (59AC - 17AD) também o fizera no contexto da cultura Greco romano de sua época. Sugeriu Acuin a Carlos Magno não dar ouvidos a tal frase, uma vez que “a voz da turba era mais parecida com a voz da loucura do que com a sabedoria divina”. Por outro lado, Nicolau Machiavelli (1469 - 1527) em “O Príncipe” enaltece a importância da opinião pública cuja voz era mais sábia do que a dos príncipes e Jean Jacques Rousseau (1762) em “O Contrato Social” vai ao extremo de defender o direito do povo de se rebelar contra o monarca em consonância com a voz da natureza brotada da alma de cada súdito.

Com quem, então, está a razão?

Nos tempos modernos, os meios de comunicação elevaram a patamares nunca vistos a universalização do conhecimento. A todos é possível chegar informações que lhes permitem formar juízo e libertarem-se da escravidão da ignorância. O coroamento desta nova fase é a Internet que nos dá liberdades preciosas como as de pesquisar, informar, debater e até mesmo disseminar pontos de vista que deságuam na formação da opinião pública. É, contudo, aceitável e desejável que as instituições democráticas adotem mecanismos que evitem o julgamento precipitado que eclode da indignação generalizada do povo. Um indivíduo, isoladamente, tem um comportamento, mas fazendo parte da massa pode ter atitudes pavorosas. Vejam as torcidas dos times de futebol, ou os grupos ensandecidos de Sem-Terras, ou as turbas de grevistas irresponsáveis. Há de se ter, evidentemente, muito cuidado...

Por fim, tudo isso e muito mais levado na devida conta, há ainda algo que foge à ciência e ao bom senso. Trata-se da questão do falível ponto de vista inerente de cada pessoa. Não constitui surpresa termos tantas descrições diferentes de um mesmo fato quantas forem as pessoas que as narram. A visão do ministro Lewandowski, em que pese a cuidadosa leitura que deve ter feito dos fatos e das provas, pode ser diferente das dos demais julgadores, assim como pode ser diferente da leitura feita pela opinião pública.

Afortunadamente, a voz do colegiado há de ser tomada como uma amostra qualificada, moderada e fidedigna da voz do povo. Se a maioria, com o bom senso e ciência que domina entender que as provas não são boas ou que os indícios de crime não sejam convincentes, que absolvam os acusados. Ao contrário, se achar que são robustas, que sejam condenados. O importante é nunca perdermos de vista a esperança de que a razão, os fatos e o “pautar-se na opinião pública” nos conduzam ao destino certo. O caminhar do julgamento até a data de hoje não só nos enche de esperança quanto ao funcionamento de nossas instituições democráticas como parecem confirmar que, de fato, a voz do povo está em consonância com a voz de Deus...

Edson Pinto

Agosto’ 2012

Um comentário:

Blog do Edson Pinto disse...

De: Edson Pinto
Para: Amigos

Caros amigos:

Agora que já temos praticamente concluída a primeira rodada da apresentação dos votos dos ministros do STJ no julgamento do “Mensalão”, penso já ser possível adiantar o que se pode depreender do excitante embate de ideias.

No meu texto/ensaio desta semana, VOX POPULI, VOX DEI, analiso de forma isenta a expressão usada pelo ministro Ricardo Lewandowski: “juiz não pode se pautar por opinião pública”.

O assunto é controverso, por isso vale a pena refletir sobre ele.

Bom final de semana a todos!

Edson Pinto