Solange estava muito contente com o desempenho de sua empregada doméstica, Zélia. Mesmo antes do nascimento de Pedrinho que já tinha chegado aos oito anos, Zélia já estava lá, cuidando com capricho da casa, preparando o café da manhã, o almoço e o jantar. Passava a roupa da casa e enchia o pimpolho de cuidados quase maternais. Além disso, Solange tinha absoluta confiança em deixar o filho sob os cuidados da fiel e confiável empregada quando precisava, duas vezes por semana, ficar todo o dia fora por conta de um trabalho profissional que exercia. Zélia tinha história e isto colocava Solange na mais absoluta zona de conforto.
Uma coisa, contudo vinha atormentando Solange a ponto de achar-se estressada ou mesmo vitima precoce desses males que caracterizam a velhice. Estava com a memória fraca e com isso perdendo o controle da própria rotina doméstica: Cada vez mais ela sentia falta de objetos que lhes eram importantes. Um dia dava pelo desaparecimento de uma determinada peça de seu vestuário. Onde a deixei, meu Deus? Outro dia, não conseguia compreender como aquele colar que tanto gostava já não era mais encontrado. Será que o perdi em minhas saídas de casa? Alguns trocados que deixara sobre a banqueta do quarto tinham, misteriosamente, também desaparecidos. Pode ser que nem cheguei a deixá-los ali, exclamava de certo modo conformada com a situação. Tudo era possível – concluiu - menos que Zélia tivesse algo a ver com isso. Zélia tinha história e suspeitar dela não fazia o menor sentido.
Por via das dúvidas, e aconselhada por uma amiga, Solange instalou de forma muito discreta algumas câmeras em pontos estratégicos de sua casa. E foi com doída surpresa que as gravações feitas revelaram uma Zélia que ela desconhecia: Zélia levava roupas de Solange, limpava os bolsos das calças de seu marido, vasculhava assiduamente as bolsas da patroa e até foi flagrada com um namorado muito estranho no quarto do casal. Não era a Zélia que Solange imaginava. O que fazer agora?
A amiga disse: Demita-a de imediato! Solange ponderou: Mas ela é tão útil para nossa família. Quem vai fazer o café da manhã, cuidar do Pedrinho, arrumar as camas, limpar os móveis, nos preparar o almoço e o jantar? Zélia tem uma história importante lá em casa. Penso que devo relevar essas ocorrências. Talvez devesse fazer uma conversa com ela. Explicar que essas coisas feias não devem ser feitas e perdoá-la. Você não acha? A amiga, perplexa, simplesmente abaixa a cabeça e diz candidamente: Você é que sabe! Em seguida, faz meia volta e deixa a amiga Solange ruminando, sozinha, o dilema ético que deveria enfrentar.
À noite, na TV, ao lado do marido, aguça sua atenção no noticiário que relata o desenrolar do julgamento do Supremo da ação penal do mensalão. A defesa enfatiza que José Dirceu, José Genoíno e outros arrolados deveriam ser perdoados pela história de cada um. Tinham lutado pela democracia contra o regime de exceção instalado em 1964. Foram presos, anistiados e agora que chegaram ao poder com o seu projeto de governo popular haveriam de ser compreendidos com heróis e não como vilões por terem articulado os malfeitos que surrupiaram milhões e milhões dos cofres públicos. Afinal, Lula já tinha perdoado Sarney porque o homem também tinha história. Seria algo como uma caderneta de crédito e débitos onde os envolvidos tinham mais pontos a favor do que contra?
A questão era puramente de ética. Poderia alguém ter direito a praticar intencionalmente atos condenáveis só porque já havia feito, anteriormente, outros bons? Alguém pode agir de forma ética e aética ao mesmo tempo e considerar isso normal? Embora romântica, a história de Robin Hood, aquele que roubava dos ricos para distribuir aos pobres, faria ainda sentido nos dias de hoje? E quando o que parece ser uma questão de justiça não mascara interesses pessoais escusos?
Solange, ao ver a condenação dos mensaleiros pela quase totalidade dos juízes, exceto pelos dois que todos sambemos, viu que o caminho correto era o da ética. Há de ser honesto e ético a todo o momento de nossas vidas. O apelo à história que se construiu ao longo dela só se justifica quando for para dar reforço aos bons atos que se pratica e nunca para compensar as más condutas. Pensando como o mundo seria muito melhor se as pessoas agissem com ética e não com farsas decidiu pela demissão de Zélia. É verdade que chorou muito e lamentou que tivesse que rever toda a sua comodidade de vida por sentir-se compungida a respeitar um valor maior que era o do comportamento correto. Era o que ela valorizava e era ainda o que o nosso Supremo também quis nos ensinar...
Edson Pinto
Novembro’ 2012
Um comentário:
Caros amigos:
Tudo indica que a “dosimetria” das penas dos condenados no julgamento do mensalão está por terminar. O que vem depois são outros quinhentos...
Neste momento, contudo, uma nova refrega entre o presidente Joaquim Barbosa e o cricri do Lewandowski parece reacender a fogueira das vaidades.
Torço para que prevaleça o bom senso não obrigando a deusa Têmis a despojar-se da venda que em seus olhos simboliza a imparcialidade do seu julgamento.
Volto com o texto desta semana, ROBIN HOOD E ÉTICA, a refletir sobre a questão central desse histórico julgamento,a ética, procurando ver alguma correlação com a vida cotidiana.
Boa semana a todos!
Edson Pinto
Postar um comentário