16 de nov. de 2012

222) LIBERDADE

“A liberdade, Sancho, é um dos dons mais preciosos que aos homens deram os céus: a ela não se podem igualar os tesouros que a terra encerra nem que o mar encobre; pela liberdade, assim como pela honra, se pode e se deve arriscar a vida e, ao contrário, o cativeiro é o maior mal que pode ocorrer aos homens” (Miguel de Cervantes em Dom Quixote de la Mancha)

Quem em algum momento na vida já tenha lido a grandiosa obra de Miguel de Cervantes, Dom Quixote de la Mancha, certamente se lembrará da frase acima reproduzida. Ela foi proferida pelo personagem ingênuo, desmiolado, mas, no fundo, um verdadeiro filósofo, Dom Quixote, ao seu fiel ajudante, Sancho Pança. A razão pela qual empreenderam aquela pitoresca odisseia pode ser resumida na mencionada magistral frase. Não é por outra razão que essa obra de Cervantes, verdadeira paródia dos romances de cavalaria da época, é considerada como uma das melhores já escritas em todos os tempos. E não é para menos: Cervantes toca em temas que são cruciais a toda a humanidade, entre os quais, a liberdade.

Vivemos constantemente à busca da liberdade, mesmo que não nos demos conta disso. Parece-nos e, de fato é, algo que podemos considerar inato à nossa espécie. Encontra-se gravado em nossos genes o anseio por liberdade e é por ela, mesmo que de forma inconsciente, batalhamos no curso dessa breve passagem terrena. Somos criaturas dotadas da faculdade de ação segundo as nossas próprias vontades. O que nos limita o exercício irrestrito e irracional dessa prerrogativa é-nos, contudo, benéfico por razões mais nobres. Consideramos a submissão aos limites impostos pelas leis, pela ética e pelos bons costumes apenas e porque eles são garantidores do bem maior que é a harmônica convivência social.

Contudo, privar-se da liberdade que poderia ser exercida dentro dos limites social e moralmente impostos, é atitude típica dos fracos. Os fortes, ao contrário, alavancam suas motivações para a grande batalha da vida exatamente no conjunto de restrições que vão encontrando ao longo do caminho. A expressão, muitíssimo comum, de “matar um leão a cada dia” retrata com simplicidade o que é a batalha pela sobrevivência digna. Claro que estou falando das restrições a liberdades lícitas, isto é, aquelas que pela força do contrato social não ferem a obrigação de respeitarmos certas regras, desempenhar certos procedimentos e respeitar direitos dos outros. Não faz sentido arrogar a si o direito inato da liberdade para produzir malfeitos. Não se deve roubar, nem trapacear, nem praticar quaisquer outros deslizes, pois isso fere direitos e liberdades dos semelhantes. Mas, lutar pelo direito de expor suas ideias, de exercer um trabalho legal, de ir e vir, de votar e ser votado sob as condições da lei, de prosperar intelectual e materialmente dentro das normas vigentes, isto sim é a legitima utilização da liberdade que nos deu o Criador e que se constitui no verdadeiro sentido da vida.

Nos dias que correm, há em nossa nação um verdadeiro clamor por justiça no caso ora em julgamento referente ao chamado “mensalão”. Em uníssono, vozes populares bradam por punições àqueles que malversaram as coisas públicas para benefício de objetivos escusos. Não vem mais ao caso discutir agora se agiram certo ou não, pois pelos mecanismos institucionais de apuração dos fatos e respeitados o universal direito ao contraditório, já ficou sobejamente provado que erraram sim. Por isso, devem pagar pelo que fizeram. E o pagamento se dá de várias formas. Cito apenas três delas: manchando o nome dos malfeitores pela perda do respeito da sociedade; reembolsando valores apropriados de forma indevida e por último, mas, a mais importante das três, cerceando a liberdade dos condenados.

Aqui está, portanto, o busilis, ou seja, o “xis” da questão: Imaginam os condenados que perder o prestígio social é algo até reversível, pois muitos no passado já o fizeram. Por que eles também um dia não dariam a volta por cima? Reembolsar o dinheiro desviado é outro obstáculo contornável, pois, hábeis que são nas coisas da locupletação, nada os impediria de encontrar uma forma de liquidar a fatura. O que não há remédio é para os males decorrentes da perda da liberdade. Liberdade de ir e vir quando quiserem, de estar com os entes queridos e amigos na hora de suas conveniências, de participar da vida social sem restrições, de comer o que lhes apetece e de mandar seguindo os próprios instintos. E o pior - agora candidamente confessado pelo nosso ministro da Justiça - encarcerados em presídios que de tão impróprios levam a pensar ser preferível morrer a neles ter que cumprir pena...
Não quero ser vingativo a ponto de desejar para os condenados do mensalão o inferno dos presídios brasileiros. Nem desejo o mesmo para quaisquer outros malfeitores que por lá já se encontram ou que para lá ainda irão. Penso, contudo, que para a turma do colarinho branco que sempre conseguiu se safar da cruel punição do encarceramento fique a lição para que não seja tentada a trair a confiança do povo e os princípios da república. Afinal, é como disse Dom Quixote ao seu fiel escudeiro Sancho Pança: “O cativeiro é o maior mal que pode ocorrer aos homens”

Edson Pinto
Novembro’2012

Um comentário:

Blog do Edson Pinto disse...

De: Edson Pinto
Para: Amigos

Caros amigos:

Passado o amargor da fase de julgamento do “mensalão”, vem-nos agora essa outra fase não menos ácida chamada de “dosimetria”.

É o momento em que a Justiça estabelece o tamanho da pena a ser cumprida pelos condenados.

Imagino que, mais por coincidência do que por motivo obscuro, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, fez-nos relembrar, nesta semana que termina e pela enésima vez, das condições infernais dos presídios brasileiros.

Olhamos prostrados para mais essa chaga incurável da realidade brasileira provocada pela inércia, pela incompetência e principalmente pela irresponsabilidade do Estado em prover condições mínimas que permitam a ressocialização dos apenados.

Por essas e outras, aproveitei o feriado da proclamação da república para refletir sobre uma das mais nobres faculdades que nos concedeu o Criador e escrevi o texto “LIBERDADE”.

Bom final de semana a todos, lembrando que na cidade de São Paulo, terça-feira próxima, é novamente feriado, agora dedicado à Consciência Negra.

Tudo a ver, também e por coincidência, com o tema liberdade.

Edson Pinto