Como os múltiplos percalços da
construção dos estádios brasileiros para a Copa do Mundo não têm contribuído
para nos dar uma imagem de bons gestores de grandes obras e eventos, pelo menos
os aspectos comerciais que se registram ao redor desses investimentos têm neologismo na “última flor do Lácio inculta e bela”.
Trata-se do termo que serve de título a esta crônica: “naming rights” ou, em
bom português, “direitos de nome”. Vamos, portanto e em primeiro lugar, entender
melhor o que há por trás disso:
No mundo dos negócios são cada
vez mais comuns transações financeiras com o objetivo de propaganda em que uma
empresa compra o direito de colocar o seu nome, por determinado tempo e sob várias
outras condições e obrigações, em grandes instalações ou mesmo em eventos. Casas
de shows, estádios de futebol, arenas esportivas, entre outros. Temos aqui mesmo
no Brasil - e parece ter sido a nossa primeira contratação de “naming rights” -
o caso do Credicard Hall, uma grande casa de espetáculos muito conhecida dos
paulistanos. Alguém construiu as instalações, opera o negócio a seu benefício e
risco e ainda conseguiu vender à conhecida operadora de cartões de crédito o
direito de colocar lá o seu nome. Ganha receita o dono do negócio e ganha
divulgação e prestígio o comprador do direito de nome. Os estádios da Copa,
também, andam negociando direitos de nomes:
Pela bagatela de R$100 milhões uma
cervejaria acaba de comprar o direito de dar o seu nome, por 10 anos, à arena
Fonte Nova, recentemente inaugurada em Salvador. O clube Corinthians
encontra-se em plena negociação da concessão de direito de nome do seu novo
estádio. Neste caso, as cifras são mais polpudas: cerca de R$400 milhões por 20
anos. São inúmeros os casos que eu poderia citar, tanto no Brasil, ainda incipiente
neste tipo de negócios, como no exterior. Os Estados Unidos, país do marketing,
dominam plenamente esse expediente. O ginásio esportivo de Salt Lake City, por
exemplo, depois de 15 anos ostentando o nome da empresa Delta Air Lines,
encontra-se agora com o novo nome de Energy Solutions, o que significa que a
instituição do “naming rights” é sólida e duradoura.
Nos dias que correm, discute-se
aqui em São Paulo uma nova proeza da Câmara dos Vereadores. Pela enésima vez,
um brilhante edil da municipalidade, muito preocupado com a memória do povo paulistano,
obviamente, propôs a mudança do nome do famoso e tradicional Túnel da Avenida Nove
Julho (aquele sob o MASP, sob o charmoso Parque Trianon e até mesmo sob a linha
2 do metrô), para o nome do falecido ex-governador Mario Covas. O histórico
túnel foi inaugurado em 1938 e constitui-se em um símbolo da cidade. Não há
paulistano que não saiba onde fica e como se faz para se chegar até ele. Em
2001, a então prefeita Marta Suplicy decidiu rebatizá-lo com o nome de Dr.
Daher E. Cutait, mas não colou e continua sendo para todos nós, o famoso Túnel da
Nove de Julho.
Mesmo tendo sido o Dr. Daher E.
Cutait um importante cirurgião que tão bem fez a muitas pessoas, ou o Dr. Mario
Covas, que até o nome do Rodoanel já tem, um importante político, tentar
homenageá-los com atos que apagam da memória da população pontos de referência
importantes e consagrados não passa de irresponsabilidade, casuísmo e até mesmo
manobras para atender a interesses pessoais e políticos momentâneos. As
memórias de homens tão ilustres não se apagarão apenas porque não lhes damos
nomes a túneis, a viadutos ou a avenidas. Elas permanecem nos registros
históricos, nos livros, e agora, modernamente, até na Internet.
Do ponto de vista do “utilitarismo”,
o sistema filosófico de Benttham e Stuart Mill em que as ações humanas deveriam
buscar o máximo de felicidade para a maior quantidade de pessoas possível,
então, poderíamos imaginar uma boa e lucrativa alternativa a essa sanha
tupiniquim de dar e trocar os nomes dos logradouros dos prédios e de outras
instalações públicas, vendendo, para empresas, o direito de nome.
Se o nome a ser dado ao estádio
do Corinthians vale R$400 milhões para ser lembrado só quando tem jogo e mesmo
assim quando o time vai bem, imagina quanto não valeria o nome dado ao túnel da
Nove Julho, onde passam milhões de pessoas todos as semanas e é referencia
cultural, histórica e geográfica da cidade? Imaginem ainda: Túnel Coca Cola; Viaduto
Microsoft; Ginásio Poliesportivo Hyundai; Ponte Estaiada Ambev; Complexo Viário
Carrefour; Hospital Municipal Adidas e assim por diante...
Se os políticos julgam tão
importante divulgar e fixar nomes na memória da população, então que façam fundos
para pagar “naming rights”. O argumento de que precisamos perpetuar nossos
grandes homens e heróis é relativo e de pouca praticidade. Perpetuados ficarão
nos livros, nas bibliotecas e nas bases de dados da web. O fato de alguém ler
na placa que o túnel se chama Dr. Daher E. Cutait não eximirá ninguém de ter
que buscar informações em bibliotecas para saber minimamente quem foi o homem e
que obra deixou. Nome em bem público não quer dizer nada. Você sabia que existe
uma Vila Mussolini, uma Rua Nero, uma Praça Esportiva Hitler e uma Avenida
Átila aqui mesmo no Brasil, mesmo que esses nomes não se refiram diretamente aos
que eventualmente pudessem nos remeter a péssimas lembranças?
Fico, contudo, a imaginar quanto à
família Sarney, lá no Maranhão, não deveria desembolsar de “naming rights” só
para sustentar sua marca em mais de 110 escolas, 26 maternidades, avenidas,
pontes, viadutos, ruas e muitas outras obras públicas daquele pobre estado da
federação. Claro, isso não farão, jamais. Utilitariamente pensando, se as
maternidades, hoje, Sarneys, rendessem receitas com a venda dos direitos de
nome, a saúde pública local poderia ser melhorada e o povo viveria mais feliz. Ou não?
Edson Pinto
Abril’ 2013
Um comentário:
De: Edson Pinto
Para: Amigos
Caros amigos:
Estamos tão acomodados com a maneira pela qual as coisas acontecem na nossa sociedade que nem nos damos ao trabalho de - vez por outra - questionar se algo não poderia ser feito de forma diferente.
Esse exercício de livre pensar pode não resultar em nada prático, mas - às vezes - uma ideia heterodoxa pode lançar luz sobre um hábito cultural envelhecido que merece ser repensado...
Dentro dessa linha de raciocínio, escrevi nesta semana o texto NAMING RIGHTS. Vejam se gostam!
Bom final de semana a todos!
Edson Pinto
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