O programa Fantástico da Rede
Globo, em semana recente, mostrou uma reportagem muito interessante sobre os
danos à saúde causados pelo excessivo tempo em que as pessoas ficam sentadas.
Recomendava que, além da prática regular de exercícios físicos, passemos a
adotar o hábito de ficar de pé por mais tempo. O exemplo, comprovado com números
do consumo de calorias, foi dado na própria reportagem: Pessoas que assistiam à
mesma palestra de renomado médico canadense foram testadas para validação da
teoria. Algumas ficaram sentadas por todo o tempo da palestra; outras revezavam,
a cada 10 minutos, entre sentadas e de pé e até mesmo algumas ficaram durante todo
o tempo somente de pé. Os números são fantásticos, tal qual pretende ser o
programa dominical: Quem revezou entre sentado e de pé a cada 10 minutos
consumiu mais calorias do quem ficou somente sentado. E quem ficou todo o tempo,
de pé, consumiu ainda mais do que os outros dois. Conclusão: Quem fica de pé,
ou em pé, como queira, vive de maneira mais saudável, e – que maravilha! – pode
ter sua vida alongada por até dois anos.
Fiquei refletindo sobre esse não
tão novo achado da medicina: Ora, se ficar de pé, e por extensão, movimentar e
andar é bom e saudável, por que as pessoas reclamam da superlotação dos ônibus
públicos, do metrô e dos trens urbanos? Por que os usuários do SUS se aborrecem
de ficar horas e horas em filas aguardando o momento para pegar uma simples
senha de atendimento semanas mais tarde? Por que nos aeroportos brasileiros nos
queixamos das longas filas do “check-in”, de filas maiores ainda para pegar a
mala ao final da viagem ou das longas filas a que nos submetemos nos bancos
para uma simples operação financeira? E as filas nas lotéricas para uma
habilitação ao prêmio acumulado da Sena? Se for saudável ficar de pé e as
pessoas se conscientizarem disto, até imagino como seria uma viagem convencional
no metrô: Assentos disponíveis em abundância e pessoas se acotovelando para
conquistar uns centímetros quadrados para permanecerem de pé enquanto o bólido
sacoleja da esquerda para a direita e de trás para frente centrifugando as
nossas calorias excedentes...
Parece que estou brincando com
coisa séria. Um pouco sim – confesso –, mas o que chama a atenção em nossa
sociedade cada vez mais cômoda é que as pessoas, principalmente nas grandes
cidades, tendem a abandonar os hábitos saudáveis da prática de exercícios
físicos pela demanda inesgotável de conforto. Come-se muito, arredondam-se as
silhuetas e depois não veem a hora de se estatelarem em um reconfortante banco
do trem do metrô ou do ônibus urbano, ou no sofá em frente à televisão. Curioso
ainda é que cada vez mais, nós os brasileiros, estamos frequentando academias
de ginástica para fazer exatamente aquilo que poderíamos – de graça – fazer ao
longo do nosso cotidiano: Ninguém gosta de enfrentar os degraus da escada do
escritório e por isso usa-se o elevador às vezes para vencer tão somente um ou
dois andares. Para ir à padaria que fica na rua de trás, pega-se o carro e enfrenta-se
todos os inconvenientes da falta de estacionamentos. São inúmeros os exemplos
de pequenos esforços físicos que poderíamos fazer no dia a dia para surtir o
mesmo efeito que nos vendem as academias. E por que não os aproveitamos? Vejo
duas importantes razões:
A primeira, é que, infelizmente,
falando da realidade brasileira, as pessoas tomaram, e com justificada razão, medo
de caminhar livremente pelas ruas de nossas grandes cidades. A criminalidade
que age livremente nas vias públicas, normalmente mal policiadas; as suas condições
precárias, mal iluminadas; poluição sonora e o ar permanentemente infestado
pelo monóxido de carbono liberado por ônibus, caminhões e carros com motores
mal regulados. Calçadas que se assemelham às trilhas preferidas pelos ralis
automobilísticos com buracos e surpresas mil, entre outros inconvenientes. Tudo
isso junto, obviamente, desestimula o uso da via pública para a caminhada. Na
mesma reportagem, mostrou-se que cidades importantes no mundo têm investido na
ampliação de pistas exclusivas para pedestres e na ampliação das ciclovias.
A segunda razão, é que somos, por
natureza, um povo cômodo, exigente quanto ao que os outros nos tem que prestar
de serviço, mas ao mesmo tempo muito relapso com o que devemos dar de nós mesmos
aos outros. A funcionária da repartição que reclama do fato de ter que ficar em
pé no metrô é a mesma que do lado de dentro do balcão não se importa com a fila
de usuários que esperam pelo atendimento em seu trabalho. Somos dúbios: Queixamos
do fast-food excessivamente calórico, mas nos recusamos a levantar um pouco
mais cedo para uma caminhada. Lamentamos pela dificuldade de se conseguir rapidamente
uma consulta no médico do convênio onde certamente – após vários e custosos exames
laboratoriais – ouviremos do médico que o colesterol elevado que ora
apresentamos poderia ser controlado com atividade física. É a mesma incoerência
que leva as pessoas a reclamarem de que as ruas da cidade estão sujas, mas que
continuam jogando a bituca de seus cigarros pela janela de seus carros quando
poderiam depositá-las no recipiente apropriado. Como veem a situação não é lá
tão simples assim. Se for do egoístico interesse pessoal, tudo bem, o
sacrifício de um esforço físico adicional é até admissível. Porém, se isso soar
como uma obrigação, ninguém está disposto a mudar o procedimento ou abrir mão
do conforto.
Há dois meses compreendi perfeitamente isto
quando – em viagem a Belo Horizonte – tive a oportunidade de assistir a um jogo
no novo Mineirão agora no padrão FIFA. Depois de centenas de milhões gastos o
estádio ficou uma maravilha. Tive um grande orgulho de voltar lá, pois, de 1965,
quando foi inaugurado, até 1973, quando deixei BH, fui assíduo frequentador
daquela praça esportiva. E olha que costumava percorrer, com meus amigos, a pé
e com alegria, os cerca de cinco quilômetros que separam o bairro em que
morávamos do Mineirão. Mas agora me vi acomodado em confortáveis assentos até
que o jogo começasse. Foi aí que me dei conta da sabedoria popular coletiva, pois
durante todo o jogo, exceto pelos 15 minutos do intervalo, as pessoas
permaneceram de pé. Questionei então a mim mesmo: Para que todas essas cadeiras
caríssimas, anatômicas e multicoloridas se o povo que ama o futebol e a vida sabe
que de pé diverte-se mais, vive-se melhor e ainda se habilita a ganhar uma
extensãozinha de dois anos na permanência neste vale de lágrimas?
Edson Pinto
Abril’ 2014
Um comentário:
De: Edson Pinto
Para: Amigos
Caros amigos (as):
Páscoa, Tiradentes e feriado prolongado... Que maravilha!
O que fazer?
O “dolce far niente” merecido ou algum exercício físico saudável?
Pensando nisto, escrevi para esta semana uma crônica exatamente com o título de DOLCE FAR NIENTE. Vejam se concordam comigo!
Boa páscoa a todos com muita alegria e segurança!
Edson Pinto
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