Confesso, leitor amigo, que tenho vivido tempos de uma certa
perplexidade tecnológica...
Sou filho da geração Baby Boomer (1946 – 1964). Felizmente, em que pese, às vezes,
dores no ciático, a pressão arterial anda por 13/8 e o colesterol total abaixo
de 200. Poderia ser melhor, mas já me dou por satisfeito... Continuo pagando boletos, assistindo futebol pela
televisão e às voltas com o mundo digital.
É aqui que o bicho pega...
Tenho, portanto, um pé atolado no chão de taco da infância
analógica, o outro deslizando na cerâmica escorregadia da era digital. Quem
é Boomer como eu sabe que convivemos,
tecnologicamente falando, com as quatro gerações seguintes à nossa: a “X” (nascidos entre 1965 e 1980), a “Y”, ou Millenials
(nascidos entre 1981 e 1996), a “Z” (nascidos entre 1997 e 2012) e a Alpha (nascidos
de 2013 em diante).
Por isso, pertenço, ou melhor, pertencemos, caro
contemporâneo, se for esse também o seu caso, a uma espécie rara e, quem sabe,
em vias de obsolescência: a dos que aprenderam datilografia em máquinas de
escrever, usaram mimeografo à álcool, selaram cartas para postá-las nos
Correios, rebobinaram fitas de videocassete, mas hoje são obrigados a atualizar
aplicativos.
Fui alfabetizado com lápis número dois e atualmente ando redigindo
mensagens com emojis, vejam só! Cresci num tempo em que a palavra “nuvem” ainda
significava o que cobre o céu e ameaça a roupa no varal. Hoje, é o lugar onde
moram minhas fotos, meus documentos, e, creio eu, parte da minha alma digital.
E como ignorar, nesse cenário de maravilhas e assombros, a
senhora Inteligência Artificial, essa governanta etérea que agora nos dita
receitas, resumos, relatórios e até sentimentos simulados?
Ela sabe o que vamos digitar antes que os dedos toquem o
teclado, aconselha o que assistir, sugere o que comprar, e, mais inquietante
ainda, começa a querer nos entender.
O mais curioso é que muitos a tratam como oráculo. Eu, por
minha vez, olho-a com aquele misto de respeito e desconfiança que se tinha
diante dos boticários do século XIX: pode curar, mas também pode transformar o
gato em jacaré se errar a dosagem.
A inteligência artificial de hoje já é espantosa. Mas o que
mais me espanta é que ainda nos espanta... A cada dia, ela se aprimora com a
calma de um relojoeiro e a audácia de um mágico. Transforma fotos antigas, em
preto e branco, estáticas, em filmes coloridos; analisa exames; imita vozes;
detecta ironias (quando não as pratica), e em breve, talvez, será capaz de
saber que estou escrevendo isto agora, e responder-me com uma piscadela algorítmica.
Por vezes, pergunto-me, sem ironia: se o progresso continuar
nesse ritmo, sobrará algo de humano que não tenha sido replicado, aprimorado
ou, ao menos, sugerido por alguma engrenagem pensante?
E no entanto, ah!, que delícia conviver com essa diversidade
de gerações!
Testemunhamos, nós os Boomers, a transição com o espanto dos
camponeses diante do trem: assustados, mas fascinados. Sabemos dar nó em
cadarço e redefinir roteadores de internet. Usamos estilingue e streaming.
Escrevemos bilhetes com letra cursiva, mas também abrimos o coração em áudios
de dois minutos com ruído de ventilador ao fundo.
Afinal, quem é mais feliz: o jovem que já nasce deslizando a
tela com o dedo polegar como um imperador digital, ou este velho menino que
ainda guarda na memória o grito do carteiro, a voz do mascate ou o som do modem
discando - aquele ritual de paciência que fazia da internet dos seus primórdios
quase um ato litúrgico?
Não sei, caro leitor. Como diria meu avô, o mundo é uma
máquina que anda sozinha. E, acrescento eu: às vezes ela anda tão depressa que
esquecemos de observar a paisagem.
Talvez o segredo da felicidade seja exatamente este: termos
vivido com um olho no passado e outro no futuro. o que, por fim, nos deu uma
visão de profundidade.
E se um dia uma IA for capaz de sentir saudade daquilo que
nunca viveu, aí sim, com todo respeito ao silício, serei obrigado a admitir:
Os robôs nos superaram...
Maio’ 2025
Um comentário:
Muito bom.
Os BB talvez seja a última geração de grandes transformações tecnológicas, porque, para gerações deste século, tudo é possível, nada os espantará.
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