16 de mai. de 2025

328) ENTRE A PENA E O ROBÔ

 

Confesso, leitor amigo, que tenho vivido tempos de uma certa perplexidade tecnológica...

Sou filho da geração Baby Boomer (1946  – 1964). Felizmente, em que pese, às vezes, dores no ciático, a pressão arterial anda por 13/8 e o colesterol total abaixo de 200. Poderia ser melhor, mas já me dou por satisfeito... Continuo  pagando boletos, assistindo futebol pela televisão e às voltas com o mundo digital.

É aqui que o bicho pega...

Tenho, portanto, um pé atolado no chão de taco da infância analógica, o outro deslizando na cerâmica escorregadia da era digital. Quem é  Boomer como eu sabe que convivemos, tecnologicamente falando, com as quatro gerações seguintes à nossa: a  “X” (nascidos entre 1965 e 1980), a “Y”, ou Millenials (nascidos entre 1981 e 1996), a “Z” (nascidos entre 1997 e 2012) e a Alpha (nascidos de 2013 em diante).

Por isso, pertenço, ou melhor, pertencemos, caro contemporâneo, se for esse também o seu caso, a uma espécie rara e, quem sabe, em vias de obsolescência: a dos que aprenderam datilografia em máquinas de escrever, usaram mimeografo à álcool, selaram cartas para postá-las nos Correios, rebobinaram fitas de videocassete, mas hoje são obrigados a atualizar aplicativos.

Fui alfabetizado com lápis número dois e atualmente ando redigindo mensagens com emojis, vejam só! Cresci num tempo em que a palavra “nuvem” ainda significava o que cobre o céu e ameaça a roupa no varal. Hoje, é o lugar onde moram minhas fotos, meus documentos, e, creio eu, parte da minha alma digital.

E como ignorar, nesse cenário de maravilhas e assombros, a senhora Inteligência Artificial, essa governanta etérea que agora nos dita receitas, resumos, relatórios e até sentimentos simulados?

Ela sabe o que vamos digitar antes que os dedos toquem o teclado, aconselha o que assistir, sugere o que comprar, e, mais inquietante ainda, começa a querer nos entender.

O mais curioso é que muitos a tratam como oráculo. Eu, por minha vez, olho-a com aquele misto de respeito e desconfiança que se tinha diante dos boticários do século XIX: pode curar, mas também pode transformar o gato em jacaré se errar a dosagem.

A inteligência artificial de hoje já é espantosa. Mas o que mais me espanta é que ainda nos espanta... A cada dia, ela se aprimora com a calma de um relojoeiro e a audácia de um mágico. Transforma fotos antigas, em preto e branco, estáticas, em filmes coloridos; analisa exames; imita vozes; detecta ironias (quando não as pratica), e em breve, talvez, será capaz de saber que estou escrevendo isto agora, e responder-me com uma piscadela algorítmica.

Por vezes, pergunto-me, sem ironia: se o progresso continuar nesse ritmo, sobrará algo de humano que não tenha sido replicado, aprimorado ou, ao menos, sugerido por alguma engrenagem pensante?

E no entanto, ah!, que delícia conviver com essa diversidade de gerações!

Testemunhamos, nós os Boomers, a transição com o espanto dos camponeses diante do trem: assustados, mas fascinados. Sabemos dar nó em cadarço e redefinir roteadores de internet. Usamos estilingue e streaming. Escrevemos bilhetes com letra cursiva, mas também abrimos o coração em áudios de dois minutos com ruído de ventilador ao fundo.

Afinal, quem é mais feliz: o jovem que já nasce deslizando a tela com o dedo polegar como um imperador digital, ou este velho menino que ainda guarda na memória o grito do carteiro, a voz do mascate ou o som do modem discando - aquele ritual de paciência que fazia da internet dos seus primórdios quase um ato litúrgico?

Não sei, caro leitor. Como diria meu avô, o mundo é uma máquina que anda sozinha. E, acrescento eu: às vezes ela anda tão depressa que esquecemos de observar a paisagem.

Talvez o segredo da felicidade seja exatamente este: termos vivido com um olho no passado e outro no futuro. o que, por fim, nos deu uma visão de profundidade.

E se um dia uma IA for capaz de sentir saudade daquilo que nunca viveu, aí sim, com todo respeito ao silício, serei obrigado a admitir:

Os robôs nos superaram...

 Edson Pinto

Maio’ 2025


Um comentário:

Anônimo disse...

Muito bom.
Os BB talvez seja a última geração de grandes transformações tecnológicas, porque, para gerações deste século, tudo é possível, nada os espantará.