“Aqui na terra, tão jogando futebol
Tem muito samba, muito choro e rock'n'roll
Uns dias chove, noutros dias bate sol
Mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui tá preta...”
(Chico Buarque de Holanda)
Bom dia, compadre!
Vamos lá!
Sabe aquele tipo de viagem que começa como um sonho e
termina como um episódio de tragédia grega dirigida por um palhaço?
Pois então.
Era para ser só o retorno tranquilo de Angra dos Reis,
depois de uma semana tão pacata que até o vento parecia cochilar entre as
palmeiras. Estávamos no Frade - você
sabe -, onde até a areia parece praticar meditação transcendental.
Tomamos café com a paz de quem não suspeita que o universo
já está afiando os dentes. Partimos por volta das 11 horas, sem agouro, sem
corvo no retrovisor, nem uma musiquinha sinistra de fundo. Estávamos em dois
carros. Família grande é isso...
Lá pelas 14h30, bateu aquela fome filosófica, e pedi:
— Amor, liga para o genro no outro carro. Vamos parar para
almoçar.
Foi nesse exato momento que o destino pegou uma cadeira, se
sentou no banco da frente e disse: “Agora é comigo.”
A minha neta, acomodada no banco de trás como uma monja
mirim, zelosa em aplacar a fome do vovô, me ofereceu biscoitos. Ato de amor
puro. Aceitei. Minha cara-metade abriu o pacote, me deu um na boca, e... o
pacote escorregou.
Foi aí, compadre, que cometi o maior erro metafísico da
minha vida: abaixei para pegar o pacote de biscoito em movimento. Dois
segundos. Só dois, repito...
O carro, sentindo-se abandonado - ou quem sabe também
faminto - resolveu pastar por conta própria. Saiu da estrada, se embrenhou num
capinzal com o entusiasmo de um boi adolescente e, depois de uns cem metros,
resolveu abraçar uma árvore.
Mas não era uma árvore qualquer. Era a árvore do karma. Se é
crível que o capiroto tem árvores de preferência, essa era a sua predileta...
Nela, estabelecida estava uma comunidade raivosa de
marimbondos graúdos. Para o desastrado do biscoito e seus acompanhantes, compaixão
zero... Sim, nenhuma solidariedade com nosso infortúnio. Eram, sem dúvidas, os
fiscais cósmicos do apocalipse.
A cena virou um carnaval entomológico: gritos, ferroadas e
uma dança de desespero digna de novela mexicana com direção de Quentin Tarantino.
Saldo da tragédia:
— Eu? Dores abdominais e o ego mais amassado que lata de
refrigerante de festa.
— Minha neta? Estiramento no braço e uma história para
contar nos recreios da escola pelos próximos 10 anos. Ou por toda a vida.
— Minha mulher? A mais atingida. Fraturas nas vértebras C2 e
C3. Imobilizada, parecendo uma escultura futurista de resiliência.
Mas calma, que agora entra o terceiro ato: a saga da Unimed -
ou, como gosto de chamar, “O Ministério das Negativas”.
O médico do pronto-socorro da Universidade sugeriu, com toda a razão, o
translado da minha mulher, de helicóptero, para Belo Horizonte. Afinal,
tratava-se de duas vértebras fraturadas, não uma unha encravada...
A Unimed, porém, disse: “não autorizado”. Parecia que o
helicóptero tinha que decolar com autorização divina e três bênçãos papais. E,
como desgraça pouca é bobagem, também negaram a ambulância, aquelas com UTI
móvel, sirene poética e tudo.
Resultado?
Saí do hospital de Vassouras como quem foge de uma prisão encarcerado
que fora pela burocracia do nada barato plano de saúde. Evadido, como dizem no
jargão hospitalar e, pior, com as minha dignidade e o medo andando de mãos
dadas.
Aquela decisão custou-nos cinco dias de espera, ansiedade,
noites sem dormir, mas agraciou a mim com um mestrado em pressão psicológica e
uma pós-graduação em paciência. Tudo isso propiciado pelo sistema de saúde
suplementar.
Como dizia meu avô:
"Deus não manda carga maior do que o caminhão que você
dirige."
E ainda que esse caminhão tenha saído da estrada, batido em
árvore e sido atacado por marimbondos, cá estamos.
Minha mulher, guerreira que é, segue firme no tratamento.
Seis meses de repouso e cuidados caseiros, feitos por mim - um enfermeiro sem
jaleco -, mas com amor até nos curativos.
Não gosto de gente estranha em casa, então assumi o posto. Preparo
mingau, aplico colar cervical e sirvo café com filosofia e bom humor. Afinal, a
ideia de salvar o pacote de biscoito foi de minha inteira responsabilidade,
Assumo!
No fim das contas, percebo que o universo tem um senso de
humor peculiar.
Às vezes, ele manda um pacote de biscoito voador, uma árvore
armada com marimbondos e um plano de saúde mercenário e coração de pedra - tudo
no mesmo episódio.
Mas, manda também aprendizado, resiliência e, veja só, uma
nova história para contar.
Estamos vivos, compadre. Inteiros o bastante para rir disso
tudo. Porque, no fundo, viver é isso: tropeçar na tragédia, levantar com
dignidade e contar o episódio como se fosse comédia.
Obrigado pelo carinho de sempre.
Seguimos até onde Deus achar divertido e com o pacote de
biscoito bem guardado.
Um grande abraço!
5 comentários:
Gostei! História engraçada num ambiente que tem a ver com cada um de nós.
Ótima história, graças a Deus com final feliz!
🙏🙏
Excelente o texto, Edson. Desejos de recuperação aos envolvidos.
Edson, você retratou muito bem o fato em que eu era um dos protagonistas. A vida é isto: fazer do limão uma limonada. Estamos vivos. Parabéns por seu texto. Impecavel
Abraço, amigo Tobias! Que bom saber que está tudo bem.
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