“Há momentos em que o mundo nos contempla em silêncio,
como se quisesse saber o que faremos com tanta beleza disponível.” (Epígrafe
criada para esta crônica)
Há dias em que a vida resolve se exibir. Hoje, mais cedo, na aprazível Três Corações, encostei-me à janela do meu apartamento, esse camarote privilegiado da existência. O mundo, todo prosa, começou a desfilar diante de mim.
O
Rio Verde seguia lá embaixo, praticando sua velha filosofia de não ter pressa.
Serpenteava com a calma dos sábios, passava sob a ponte ferroviária de treliça,
desativada, que já deve ter ouvido
confissões de maquinistas e lamentos de vagões e que prosseguia sem se perturbar com as
pressões humanas...
A
chuva, que havia visitado mais cedo, deixou tudo brilhando como se tivesse dado
um lustre no planeta. A mata ao fundo cintilava, exibindo verdes de todos os
tipos: verde-claro, verde-maduro, verde-tímido, verde-atrevido. Entre as
árvores, algumas casas se mostravam discretas, como quem aparece na foto sem
querer sair muito na frente.
É
domingo de primavera. A cidade parecia ter assinado um acordo de paz com o
tempo. Os carros passavam devagar, respeitando algum pacto silencioso que
desconheço, e o céu, ainda nublado, mantinha aquele ar de quem chorou, lavou a
alma e agora repousa.
No
outro extremo da paisagem, uma fazenda balançava o lenço do campo. O gado,
espalhado no pasto, meditava sem qualquer compromisso. Sempre achei que vacas
filosofam melhor que nós, talvez porque não têm reuniões, boletos ou políticos
para atrapalhar.
E
atrás de tudo isso, as montanhas. Ah, as montanhas de Minas! Elas não são
apenas cumes. São capítulos da minha vida. Ondulam como antigas lembranças que
se recusam a ir embora. De vez em quando, trazem de volta meus entes queridos que já partiram, meus amigos do Caiçara, ou o cheiro do barro depois da chuva. Uma
geografia inteira feita de memórias.
Enquanto
observo o cenário, percebo que também estou sendo olhado. O mundo, esse velho
cúmplice, parece perguntar baixinho: “E então, o que você sente agora?” Sinto
uma serenidade que não se compra, dessas que só vem depois de alguns invernos
da alma. E penso no futuro, que se esconde atrás das montanhas com aquele ar
misterioso de quem sabe mais do que conta.
Deixo-o
lá. Aprendi com o Rio Verde que o que importa mesmo é continuar. Chegar é
detalhe.
Fico
assim, entre a paisagem e o pensamento, entre a cidade e aquilo que ainda
lateja cá dentro. E concluo, com o meu lado machadiano sorrindo de canto de
boca, que talvez o segredo da vida seja notar que o essencial não faz alarde.
Apenas se deixa ver quando a gente se permite olhar.
Edson Pinto
Novembro,
2025

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