Há
dias, depois do noticiário da TV, em que me pego, entre um gole e outro de
café, pensando no destino dos poderosos. Não dos que estudaram filosofia demais
e política de menos, mas dos que, por descuido da História e vaidade própria,
acharam-se deuses transitórios. É curioso, ou melhor, irônico, observar como
alguns desses senhores terminam suas sagas sem o aplauso da eternidade, mas com
a cobrança silenciosa do tempo.
Sempre
achei que o poder diz muito mais sobre quem o exerce do que sobre quem o
obedece. Talvez por isso, quando revejo a galeria dos tiranos que se deram mal,
mas mal de verdade, sinto que ali está uma espécie de manual do retorno. O
retorno do quê? Do próprio gesto. Quem semeia medo, colhe medo. Quem alimenta
violência, morre devorado pelo próprio cardápio.
Hitler,
por exemplo, terminou escondido num bunker de concreto, trancado com a própria
sombra. Mussolini, que adorava posar de César, acabou pendurado de cabeça para
baixo numa praça, como se a História dissesse: “já que gostava tanto de
teatralidade, aí está o seu último ato”. Ceaușescu, que construiu palácios
enquanto o povo contava migalhas, foi fuzilado em poucas horas, sem tempo
sequer para organizar um último discurso. Ironia fatal para um tirano que
adorava ouvir sua própria voz.
E
o desfile continua: Saddam descoberto num buraco, Gaddafi perdendo a vida numa
rua poeirenta, Milošević morrendo numa cela fria. A lista é longa, como
geralmente são longas as consequências da arrogância. A tirania tem essa mania
de parecer grandiosa enquanto dura, mas terminar sempre como aquilo que sempre
foi, isto é, uma farsa trágica.
Há
quem diga que esses homens foram vencidos pela política, pelo povo, pelas armas
ou por golpes externos. Eu, cá de detrás das montanhas de Minas, desconfio de que
foram vencidos pela própria lógica que criaram. A tirania cria um universo onde
ninguém é confiável, onde tudo ameaça, onde o trono é feito de pólvora e a
coroa, de vidro. Basta um sopro para tudo ruir. E ruir, invariavelmente, ruirá.
Machado
de Assis, se pudesse comentar, talvez levantasse as sobrancelhas (ele tinha um
talento para erguer sobrancelhas filosóficas), e diria que o tirano começa a
cair no exato momento em que sobe ao poder. Pareceria exagero, mas não seria. O
poder sem freios é como um rio sem margens. Ele não corre, ele destrói. E
quando destrói demais, escava o próprio leito.
O
mais curioso é que, nesses trágicos desfechos, há um tipo de justiça que não
vem dos tribunais, mas da própria condição humana. O tirano que vive do medo
morre temendo. O tirano que prende vozes termina prisioneiro do silêncio. O
tirano que se acha imortal descobre que até a morte tem senso de humor.
E
nós, que observamos tudo à distância, aprendemos, ou deveríamos aprender, que
nenhum poder, por mais adornado que seja, sobrevive à falta de humanidade. O
mundo é paciente, mas não é conivente. A História é lenta, mas não é cega. E o
tempo, esse juiz que nunca se aposenta, sabe muito bem como ajustar as contas.
Ao
final, resta sempre a mesma lição, simples como toda grande sabedoria. É a
lição de que quem governa pelo medo termina governado por ele. E quando o medo
assume o trono, nenhum tirano permanece sentado por muito tempo.
De
todos os espetáculos humanos, o da queda dos tiranos talvez seja o mais
melancólico e, paradoxalmente, o mais moral. Porque nos lembra que a verdadeira
força não está em dominar, mas em compreender. Não em impor, mas em persuadir.
Não em reinar, mas em servir.
E
assim sigo, sorvendo meu o café que neste rincão tem qualidade e é abundante,
observando o mundo com esse espanto tranquilo que a idade nos oferece. Porque,
se a vida me ensinou alguma coisa, é que nenhum tirano escapa daquilo que, um
dia, também alcançará a todos nós, indistintamente, que é o veredito da própria
consciência. E essa, ah, essa é implacável...
Edson
Pinto
Dezembro,
2025

3 comentários:
Extremamente sensato. Ótimo!
Ótimo texto, reflete exatamente o que vivenciamos hoje. Parabéns 👏👏👏
Cássio.
Nada como um Dia depois do outro e uma Noite no meio, para um merecido descanso ou cobrar por erros e ganância cometidas.
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