12 de dez. de 2025

357) O PREÇO DOS TIRANOS

 

Há dias, depois do noticiário da TV, em que me pego, entre um gole e outro de café, pensando no destino dos poderosos. Não dos que estudaram filosofia demais e política de menos, mas dos que, por descuido da História e vaidade própria, acharam-se deuses transitórios. É curioso, ou melhor, irônico, observar como alguns desses senhores terminam suas sagas sem o aplauso da eternidade, mas com a cobrança silenciosa do tempo.

Sempre achei que o poder diz muito mais sobre quem o exerce do que sobre quem o obedece. Talvez por isso, quando revejo a galeria dos tiranos que se deram mal, mas mal de verdade, sinto que ali está uma espécie de manual do retorno. O retorno do quê? Do próprio gesto. Quem semeia medo, colhe medo. Quem alimenta violência, morre devorado pelo próprio cardápio.

Hitler, por exemplo, terminou escondido num bunker de concreto, trancado com a própria sombra. Mussolini, que adorava posar de César, acabou pendurado de cabeça para baixo numa praça, como se a História dissesse: “já que gostava tanto de teatralidade, aí está o seu último ato”. Ceaușescu, que construiu palácios enquanto o povo contava migalhas, foi fuzilado em poucas horas, sem tempo sequer para organizar um último discurso. Ironia fatal para um tirano que adorava ouvir sua própria voz.

E o desfile continua: Saddam descoberto num buraco, Gaddafi perdendo a vida numa rua poeirenta, Milošević morrendo numa cela fria. A lista é longa, como geralmente são longas as consequências da arrogância. A tirania tem essa mania de parecer grandiosa enquanto dura, mas terminar sempre como aquilo que sempre foi, isto é, uma farsa trágica.

Há quem diga que esses homens foram vencidos pela política, pelo povo, pelas armas ou por golpes externos. Eu, cá de detrás das montanhas de Minas, desconfio de que foram vencidos pela própria lógica que criaram. A tirania cria um universo onde ninguém é confiável, onde tudo ameaça, onde o trono é feito de pólvora e a coroa, de vidro. Basta um sopro para tudo ruir. E ruir, invariavelmente, ruirá.

Machado de Assis, se pudesse comentar, talvez levantasse as sobrancelhas (ele tinha um talento para erguer sobrancelhas filosóficas), e diria que o tirano começa a cair no exato momento em que sobe ao poder. Pareceria exagero, mas não seria. O poder sem freios é como um rio sem margens. Ele não corre, ele destrói. E quando destrói demais, escava o próprio leito.

O mais curioso é que, nesses trágicos desfechos, há um tipo de justiça que não vem dos tribunais, mas da própria condição humana. O tirano que vive do medo morre temendo. O tirano que prende vozes termina prisioneiro do silêncio. O tirano que se acha imortal descobre que até a morte tem senso de humor.

E nós, que observamos tudo à distância, aprendemos, ou deveríamos aprender, que nenhum poder, por mais adornado que seja, sobrevive à falta de humanidade. O mundo é paciente, mas não é conivente. A História é lenta, mas não é cega. E o tempo, esse juiz que nunca se aposenta, sabe muito bem como ajustar as contas.

Ao final, resta sempre a mesma lição, simples como toda grande sabedoria. É a lição de que quem governa pelo medo termina governado por ele. E quando o medo assume o trono, nenhum tirano permanece sentado por muito tempo.

De todos os espetáculos humanos, o da queda dos tiranos talvez seja o mais melancólico e, paradoxalmente, o mais moral. Porque nos lembra que a verdadeira força não está em dominar, mas em compreender. Não em impor, mas em persuadir. Não em reinar, mas em servir.

E assim sigo, sorvendo meu o café que neste rincão tem qualidade e é abundante, observando o mundo com esse espanto tranquilo que a idade nos oferece. Porque, se a vida me ensinou alguma coisa, é que nenhum tirano escapa daquilo que, um dia, também alcançará a todos nós, indistintamente, que é o veredito da própria consciência. E essa, ah, essa é implacável...

 

Edson Pinto

Dezembro, 2025

3 comentários:

Percio Diogo disse...

Extremamente sensato. Ótimo!

SAULO RIBEIRO DOS SANTOS disse...

Ótimo texto, reflete exatamente o que vivenciamos hoje. Parabéns 👏👏👏

Anônimo disse...

Cássio.

Nada como um Dia depois do outro e uma Noite no meio, para um merecido descanso ou cobrar por erros e ganância cometidas.