Há uma história muito bonita na vida de meu pai que, resumidamente, gostaria de lhes contar: Se ela não serve como um exemplo a ser seguido, no mínimo, creiam, trata-se um caso diferente e curioso:
Ele fugiu de sua casa, uma família católica e trabalhadora, muitos irmãos, no interior de Minas, aos 16 anos de idade, no início dos anos 30 e caiu no mundo sem dar a menor satisfação, nem aos pais, nem aos irmãos, nem a amigos. A família ficou totalmente sem notícias dele até que, em 1944, quando o Brasil preparava-se para enviar soldados para a II Guerra, resolve investigar onde estaria o Roxael, o filho desgarrado.
Com a ajuda de autoridades da pequena cidade de Moeda, MG, descobrem que ele havia entrado para a carreira militar e servia à Força Aérea Brasileira, a FAB, naquele momento, no Campo dos Afonsos no Rio de Janeiro. Estaria - souberam os parentes - incluído no primeiro grupo de militares brasileiros prestes a ser enviado à Itália (1ª Esquadrilha de Ligação e Observação).
Corre-corre da família, até que o seu irmão mais velho, tio Tolico, vai ao Rio e o convence a voltar à sua cidade natal e, assim, reatar os laços familiares e também se despedir antes de ser enviado à Guerra. Foi o que aconteceu. Ficou dois dias em Moeda, tornou-se a atração da cidade, pois era o único militar da região com tão nobre tarefa, ou seja, a de servir ao país. E, além disso, apresentou-se trajando com orgulho a bela farda da FAB e as insígnias de sua gloriosa Corporação, o que dava àquele rebelde fugitivo a áurea própria dos vingadores.
Nessa curta visita a sua terra natal conhece de soslaio a minha mãe, Iracilda, 15 anos, a mais linda donzela da cidade e com 13 anos a menos do que ele. E, sem nem mesmo terem trocado uma palavra sequer, brota em seu coração uma paixão platônica que lhe dá animo para superar, como muito outros heróis brasileiros companheiro dele também superaram, as dificuldades encontradas nos gélidos e hostis campos da Itália.
Voltou da guerra, casou-se com a Iracilda e imediatamente deu baixa para se tornar um fazendeiro, diga-se de passagem, sem grande êxito, poucos anos depois. No início dos anos 50 muda-se para Belo Horizonte, monta seu próprio comércio e cria os filhos. Em final dos anos 60 consegue se reincorporar a FAB com imediata passagem para a reserva como Oficial.
Era um homem adorado pelos amigos, mas com uma característica totalmente fora de moda, mesmo naquela época: Tinha como discurso e gostava de agir com total desprezo às coisas materiais. Queria que os filhos estudassem, mas abominava toda manifestação que fazíamos de qualquer progresso material. Achou um absurdo quando comprei o primeiro carro. Televisão a cores em casa, só quando os filhos compraram, sem autorização dele, pois para ele era um luxo desnecessário. Quando um amigo pedia ajuda lá estava ele - não emprestando - mas dando o que tinha e o que não tinha. Jeito peculiar, raro, mas verdadeiro.
Nunca tinha ficado doente de forma séria, mas fumava sem limites. Acometido de um enfisema pulmonar, passou os três últimos meses de sua vida internado no Hospital da FAB, na Ilha do Governador, Rio de Janeiro, e lá, onde o acompanhei em rodízio com outros familiares, nunca me esquecerei do dia em que lhe dei uma bronca, pois, após o enfermeiro ter lhe aplicado oxigênio para propiciar uma melhor respiração, ele tira, escondido no fundo do armário, um cigarro para fumar. Para se defender de minha bronca ele falou: __Não se preocupe meu filho, já estou com 70 anos e nas minhas contas, desde que passei dos 60, estou na faixa do lucro.
Isto mostra o quanto ele - mesmo sendo um típico “cabeça dura” - foi valente e conseqüente com o seu modo de ser. Não teve medo do mundo que enfrentou sozinho quando fugiu de casa e ficou 12 anos desaparecido fazendo, ainda garoto, a própria vida. Depois, quase é enviado, anônimo, para a guerra. Em lá estando, manteve-se disposto a sacrificar a própria vida pelos ideais de democracia, e depois, quando a vida ainda poderia lhe dar mais compensações, ele achava que já tinha recebido mais anos do que merecia.
Era, de fato, um desprendido, um altruísta na expressão da palavra e no sentido estrito do termo: amava o próximo mais do que a si mesmo...
Edson Pinto
postado em 26/05/08
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