Há dias em que a gente acorda sem saber muito bem o porquê. Acorda só porque o corpo ainda tem o velho e arraigado hábito de fazê-lo. Foi assim, comigo, ontem. Levantei, tomei café e queimei a ponta da língua. Como sempre, sentei-me na varanda e pensei:
"Será que hoje algo acontece?"
E aconteceu. Mas não da forma que muda a vida - foi mais
aquele estalo de Vieira -, sabe? Aquele clarão na cabeça acompanhado de
um som tipo o “plim-plim” da Globo que parece dizer que você descobriu a
resposta da vida, do universo e tudo mais. No meu caso, veio assim:
“E se eu adotasse um papagaio?”
Sim, um papagaio... Nem sei por quê. Talvez para ter com
quem discutir o cotidiano, a vida ou a política, já que desde que a Jane se
foi, a casa foi tomada por um silêncio ensurdecedor (desculpem-me o oxímoro)... Fiquei ruminando a
ideia, quando veio uma epifania, daquelas que não fazem barulho, mas
mexem lá dentro. Um pensamento manso, quase poético:
“Você não quer um papagaio. Você quer é conversar, resenhar
sem compromisso...”
A verdade é que, desde que a vida me aprontou, os dias
ficaram tão parecidos que já nem sei em qual deles estou. Segunda ou sábado,
tanto faz. E naquele instante, entendi que não era o papagaio. Era a falta de
barulho. Falta de alguém para dizer “Bom dia”, sem ironia. ”Desce para o café”,
com tom zeloso, “Eu te amo”, com sorriso sincero e franco...
A partir daí que o negócio pegou fogo: Pus-me a navegar no
infinito mar do Youtube com o propósito de encontrar algo que prestasse, quando
apareceu o vídeo de um pastor de almas dizendo:
“Deus tem um propósito pra você!”
Foi como a sarça ardente de Moisés, só que de paletó
bem cortado, microfone em punho e um jeitão do Dick Vigarista da Hanna Barbera...
Meu coração, carente e crédulo, acreditou:
“É isso, tenho um chamado!”
Levantei-me com firmeza, fui até o espelho e me olhei como
quem encara o destino. Fiquei em dúvida se tomava banho ou só trocava de
camisa. Resolvi lavar o rosto. Foi o bastante. No fim do dia parecia tudo muito
bem esclarecido:
Não adotei o papagaio. Não virei missionário, nem descobri
meu propósito transcendental. Mas, sentei-me, escrevi esta crônica e ri sozinho,
porque talvez - só mesmo talvez - o estalo de Vieira, a epifania e a sarça ardente
sejam só maneiras de o universo lembrar que ainda tem vida aqui dentro da gente.
E, não raro, isso já é suficiente...
Edson Pinto
Maio’ 2025
5 comentários:
Muito lindo o texto. Gostei muito
Forte abraço do Chico Morais
Compreendo suas palavras, transmitindo sentimentos. Bom para exercitar a interiorizaçao. Gostei muito. Cristina Duarte
Como sempre, Você nos supreende, com sua Mente brilhante.
Não permita, que Ela fique adormecida.
De
Cássio José.
Querido Edson, vc não está sozinho nesse silencio ensurdecedor!!! Força e forte abraço!!!
Sou seu fã
Gostei muito do texto ! E vida que segue ! Abrs Vania
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