2 de mai. de 2025

326) O DIA EM QUE PENSEI QUE FOSSE VIEIRA OU MOISÉS...


Há dias em que a gente acorda sem saber muito bem o porquê. Acorda só porque o corpo ainda tem o velho e arraigado hábito de fazê-lo. Foi assim, comigo, ontem. Levantei, tomei café e queimei a ponta da língua.  Como sempre, sentei-me na varanda e pensei:

"Será que hoje algo acontece?"

E aconteceu. Mas não da forma que muda a vida - foi mais aquele estalo de Vieira -, sabe? Aquele clarão na cabeça acompanhado de um som tipo o “plim-plim” da Globo que parece dizer que você descobriu a resposta da vida, do universo e tudo mais. No meu caso, veio assim:

“E se eu adotasse um papagaio?”

Sim, um papagaio... Nem sei por quê. Talvez para ter com quem discutir o cotidiano, a vida ou a política, já que desde que a Jane se foi, a casa foi tomada por um silêncio ensurdecedor  (desculpem-me o oxímoro)... Fiquei ruminando a ideia, quando veio uma epifania, daquelas que não fazem barulho, mas mexem lá dentro. Um pensamento manso, quase poético:

“Você não quer um papagaio. Você quer é conversar, resenhar sem compromisso...”

A verdade é que, desde que a vida me aprontou, os dias ficaram tão parecidos que já nem sei em qual deles estou. Segunda ou sábado, tanto faz. E naquele instante, entendi que não era o papagaio. Era a falta de barulho. Falta de alguém para dizer “Bom dia”, sem ironia. ”Desce para o café”, com tom zeloso, “Eu te amo”, com sorriso sincero e franco...

A partir daí que o negócio pegou fogo: Pus-me a navegar no infinito mar do Youtube com o propósito de encontrar algo que prestasse, quando apareceu o vídeo de um pastor de almas dizendo:

“Deus tem um propósito pra você!”

Foi como a sarça ardente de Moisés, só que de paletó bem cortado, microfone em punho e um jeitão do Dick Vigarista da Hanna Barbera... Meu coração, carente e crédulo, acreditou:

“É isso, tenho um chamado!”

Levantei-me com firmeza, fui até o espelho e me olhei como quem encara o destino. Fiquei em dúvida se tomava banho ou só trocava de camisa. Resolvi lavar o rosto. Foi o bastante. No fim do dia parecia tudo muito bem esclarecido:

Não adotei o papagaio. Não virei missionário, nem descobri meu propósito transcendental. Mas, sentei-me, escrevi esta crônica e ri sozinho, porque talvez - só mesmo talvez - o estalo de Vieira, a epifania e a sarça ardente sejam só maneiras de o universo lembrar que ainda tem vida aqui dentro da gente.

E, não raro, isso já é suficiente...

Edson Pinto

Maio’ 2025

5 comentários:

Anônimo disse...

Muito lindo o texto. Gostei muito
Forte abraço do Chico Morais

Anônimo disse...

Compreendo suas palavras, transmitindo sentimentos. Bom para exercitar a interiorizaçao. Gostei muito. Cristina Duarte

Anônimo disse...

Como sempre, Você nos supreende, com sua Mente brilhante.
Não permita, que Ela fique adormecida.
De
Cássio José.

Anônimo disse...

Querido Edson, vc não está sozinho nesse silencio ensurdecedor!!! Força e forte abraço!!!
Sou seu fã

Anônimo disse...

Gostei muito do texto ! E vida que segue ! Abrs Vania