2 de dez. de 2014

282) NÃO HÁ LIBERDADE NEM EQUILÍBRIO ORÇAMENTÁRIO QUANDO O EXECUTIVO E O LEGISLATIVO SE UNEM INCONDICIONALMENTE


Acostumamo-nos com a ideia de que a república e outras formas de governos democráticos são constituídas de três poderes autônomos e independentes: O Executivo, o Legislativo e o Judiciário. Por quais razões, nos países democráticos, a estrutura política deve ser organizada segundo esta ordem? A resposta pode ser encontrada em vários momentos históricos desde os gregos e os romanos, a partir do século VI antes de Cristo, até os dias atuais. Para não irmos tão longe à busca da gênese desse conceito, fiquemos com o aquele redesenhado no Iluminismo, importante período histórico que floresceu no século XVIII e que teve como cenário inicial a França de Rousseau, de Voltaire e de Montesquieu:

Primeiro vamos entender o porquê da existência, por tanto tempo, das monarquias absolutistas. Tudo começa – imaginem meus amigos! – com a autoridade inconteste da Igreja. O que ela falava era lei e não se discutia. Quem tentou discordar de seus dogmas se deu mal. Vide Galileu Galilei (1564 – 1642) que, para não perder a vida, teve que manifestar - evidentemente a contragosto - a sua “concordância” com a crença dogmática da Igreja de que o Sol girava ao redor da Terra e não o contrário. Só lhe restou - como sabemos - murmurar entre dentes ao sair do tribunal da Inquisição: "Eppur si muove" (mas ela se move...).

 Aos reis, a Igreja, obviamente por interesses outros, atribuía-lhes o direito divino de mandar nos seus súditos. Isto é, o monarca estava acima de tudo e de todos. Para que, então, três poderes distintos? O Rei era o Executivo, o Legislativo e o Judiciário tudo ao mesmo tempo. Agia de forma soberana, pois o poder para isso era de origem divina. Ninguém contestaria outorga desse naipe, certo? E olha que isso funcionou relativamente bem até que as descobertas científicas geradas pelo Iluminismo colocaram em xeque as “verdades” defendidas pela Igreja. Ora, se ela estava errada em tantas coisas, por que também não o estaria quanto a esse pretenso poder divinal que atribuía aos monarcas? Pronto! Com isso, tudo mudou, inclusive a forma de conduzir politicamente os aglomerados humanos.

Montesquieu defendeu a tese de que o poder despótico dos reis e de outras autoridades, inclusive o da Igreja, era a maior das ameaças às liberdades individuais. Só via uma forma de evitar a degradação social a que isso levava: Seria a separação dos poderes do estado. Sugeriu constituições que preservassem isoladamente os três poderes: o Executivo, aquele responsável pela condução do estado e a aplicação das leis; o Legislativo, como responsável pela produção e emendas das leis e finalmente o Judiciário como responsável pela interpretação das leis. Com a separação de funções e independência entre si, o protagonismo de cada poder nunca superaria as responsabilidades do outro. A constituição americana e mesmo a Revolução Francesa que vieram a seguir, bem como em quase todas as democracias que surgirem nas décadas seguintes, sempre contemplou, de alguma forma, esse magnífico sistema tripartite.

No Brasil também?

Imaginávamos que sim. Mas aqui – como em muitos aspectos de nossa cultura – as coisas não se aplicam tal qual original e bem intencionadamente concebidas. O Legislativo deveria apresentar-se com um grau de independência do Executivo tal que pudéssemos dizer para Montesquieu: “Olha, nós também entendemos bem o seu conceito de poderes independentes e estamos aplicando-o por aqui”. Infelizmente, em que pese termos que aceitar que o Executivo precisa de apoio do legislativo para suas boas propostas de lei, isto não deveria significar que esse apoio se desse de forma incondicional para quaisquer bobagens que venham dele. Mesmo sendo da base de apoio, há temas que o legislador deveria dizer: Nan, nan, nin, nan, não! Isto não passa, porque não é o melhor para o País. Mas o que vemos é que tudo passa, mesmo que seja para arruinar as nossas vidas e tornar o País perigosamente ingovernável.

O episódio da alteração da Lei Orçamentária só para proteger o governo Dilma que fracassou na execução do orçamento de 2014 é a prova mais cabal de que Montesquieu está sendo traído. Não há independência de poderes, mas sim um servilismo “interesseiro” e muitíssimo prejudicial ao País. Por que o Legislativo não ajuda com outras medidas legais o Executivo para que este possa cumprir o orçamento e não para burlar os compromissos antes assumidos? Que votem leis que reduzam o tamanho do estado; que demitam funcionários caros e ociosos; que privatizem empresas estatais ineficientes; reduzam os gastos com as mordomias e parem de dar dinheiro para repúblicas bolivarianas. Assim, seria alcançada a meta do superávit fiscal necessária para a amortização da enorme dívida pública que temos acumulado nos últimos três governos.

Sabem o que vai acontecer com a alteração da lei orçamentária? A dívida pública continuará crescendo, pois não economizamos nada para amortizá-la. Pelos critérios internacionais de análise da solidez financeira, o País perderá graus na avaliação e isto implicará em menos investimentos externo e taxas de juros mais elevadas. Como reflexo na vida de todos nós, tenderemos a caminhar para mais desemprego, mais inflação e menos certeza quanto ao futuro. O Senador Romero Jucá e outros de seus pares da base aliada que apoiam incondicionalmente o governo e que compõe a Comissão Mista de Orçamento encarregada de admitir ou não a proposta de alteração da lei do orçamento acabam de nos dar um exemplo tão concreto quanto negativo de que a independência do Legislativo em relação ao Executivo não passa de uma fantasia.

Montesquieu há de se ter remexido, incomodado e desiludido na sua tumba em L'eglise Saint-Sulpice, Paris, onde deveria estar descansando em paz...

É triste, mas é verdade...

Edson Pinto
Dezembro'2014 


Um comentário:

Blog do Edson Pinto disse...

De: Edson Pinto
Para: Amigos

Caros amigos (as):

Sempre ouvimos falar que os poderes da república são independentes. Isso, em tese, nos dá certo conforto, pois impede o absolutismo do governante como era comum em monarquias autocráticas antigas e em regimes ditatoriais de vários períodos históricos.

Que bom se isso fosse absolutamente verdadeiro, principalmente quando falamos dos dois poderes mais operacionais que são o Executivo e o Legislativo. Pode ser verdade em muitos países democráticos, mas aqui no Brasil a coisa não é bem assim...

Nesta terça-feira, 02/12, quando o Congresso tentará votar o projeto de lei que macula a lei orçamentária de 2014 ao isentar o Executivo de responsabilidade fiscal sobre a lambança cometida nas finanças do País, saberemos se há ou não independência entre esses dois importantes poderes da nossa república.

Na minha crônica de hoje reflito sobre este tema. O título é um pouco longo para retratar em si mesmo o que decorre desse desrespeito ao principio da independência dos poderes: “NÃO HÁ LIBERDADE NEM EQUILÍBRIO ORÇAMENTÁRIO QUANDO O EXECUTIVO E O LEGISLATIVO SE UNEM INCONDICIONALMENTE”.

Vejam se concordam comigo!

Abraço a todos!

Edson Pinto