8 de ago. de 2013

247) A LÍNGUA DO PÊ

Sepe vopocêpê tepevepe inpinfanpancipiapa, vopocêpê vaipai lempembrarpar despestapa brinpincapadeipeirapa.

Se não lembrou, certamente perdeu uma das brincadeiras mais instigantes que a garotada de outros tempos utilizava para agitar os relacionamentos sociais ainda em formação. As meninas, pelo menos na minha época, eram as mais espertas e talvez mais caprichosas do que os meninos para debulharem essa quantidade de palavras aparentemente complexas. Com elas driblavam a curiosidade dos garotos enrolando-os numa trama quase inescapável. Perante outras garotas ainda não iniciadas na brincadeira, impunham-se pela admiração que o domínio do estranho idioma lhes impunha.

A origem da língua do “Pê” remonta à segunda guerra mundial: Dizem que os soldados aliados para se comunicarem sem que fossem interpretados pelos inimigos prisioneiros bolaram uma nova língua a partir da própria língua pátria, simplesmente acrescentando ou pospondo a cada silaba uma outra sempre composta da letra “p” e da final da silaba original a que se ligavam. Há, portanto, lugares em que se colocava a nova sílaba antes e outros depois da principal. Assim, a expressão que começa este texto quer dizer: “Se você teve infância, você vai se lembrar desta brincadeira”. É só tirar o “pe” que vem depois do “se”, o “po” que vem depois do “vo”, o “pê” que vem depois do “cê” e assim por diante. Experimente!

A Celma, minha irmã de 10 anos era batuta nessa linguagem. Dava nó em pingo d’água, ou melhor, “dapavapa nópó empem pinpingopo dapaapaguapa” Entendeu?

Chegou à janela de casa e gritou para uma coleguinha recém-chegada ao bairro:

___  Opo quepe vopocêpê tápá fapazenpendopo? 

A menina perplexa:

___ Não te entendo, o que você tá falando?

___ Vopocêpê nãopão conponhepecepe apa línpínguapa dopo Pêpê?

___ Hein?

___ Então precisa aprender para poder conversar com a gente, entendeu?

___ Você me ensina?

___ Claro, depois que eu assistir a televisão que está ligada aqui do meu lado, você está ouvindo o som?

___ Vocês tem televisão? Ninguém na rua tem!

Era final dos anos 50 e pouca gente tinha um televisor em casa. Era coisa rara e ainda privilégio de gente muito abonada, o que não era o nosso caso. Para a Celma, devia ser naturalmente um sonho que ela realizava de forma esperta e somente para impressionar a inocente amiguinha que acabara de chegar ao bairro.

Na verdade o que tínhamos era um rádio a válvula que ficava sobre um móvel da sala bem nas proximidades da janela onde o diálogo transcorria. Era a preciosidade da casa que requeria autorização especial dos pais para ser ligada. Naquele momento, eventualmente, ele estava e Celma viu então a oportunidade de duplamente se impor sobre a neófita. Já a impressionara com a língua do “Pê” e agora como a televisão imaginária, por que não?

___ Não, não posso deixar ninguém entrar. Meu pai é muito bravo e não deixa que ninguém mexa na televisão.

___ Mas eu não vou mexer – replicou a menina – só quero ver, e isso não estraga...

___ Pode não! Eu já disse. E além do mais, essa televisão tem um problema que você não consegue ainda entender. Quando está ligada sozinha, fala na língua da gente, mas quando tem mais gente por perto ela só fala na língua do “pê”.

Com uma mão tirou o som do rádio e disse adicionalmente para a nova coleguinha:

___ Levanta aí do muro na ponta dos seus pés para que a televisão pelo menos veja a sua cabeça.  Sim! Agora ouça o que ela vai falar:

Pondo a outra mão em frente à boca falou entre dentes:

___ Vopocêpê nãopão popodepe apainpindapa  mepe aspassispistirpir porporquepe vopocêpê nãopão conponhepecepe apa línpínguapa dopo pêpê. Enpentenpendeupeu?

___ Não entendi nada!

___ Então vai embora – disse Celma – porque a televisão disse que você não pode assisti-la porque ainda na fala a língua do pê. Entendeu, agora, sua burrinha?

Edson Pinto

Agosto’2013 

5 comentários:

Blog do Edson Pinto disse...

De: Edson Pinto
Para: Amigos

Caros amigos (as):

Vários amigos que - como eu - ainda guardam em seus corações interessantes lembranças dos tempos de infância se manifestaram à minha crônica da semana passada, Coisas da Vida.

Decidi, então, nesta semana, dar prosseguimento à temática contando outra passagem daqueles tempos.

Vejam se recordam dessa brincadeira de criança. Esta nesta crônica “A LINGUA DO PÊ” aqui postada.

Bom final de semana a todos!

Edson Pinto

Blog do Edson Pinto disse...

De: Sandra Lofrano
Para: Edson Pinto

Adorei!Eu brincava muito de falar na língua do PÊ!!

Sandra

Blog do Edson Pinto disse...

De: Fernando Gallina
Para: Edson Pinto

KKKKKKKKK gostei da Celma....

Fernando

Blog do Edson Pinto disse...

De: Laércio Calandrino
Para: Edson Pinto

Ri muito!

Laércio

Anônimo disse...

Muito bem lembrado !!! Saudades desse tempo...
Abraço.
Cristina Taurizano.