15 de jul. de 2008

34) OPERAÇÃO SADIAGALINÁCEA - julho'08 (uma sátira menipéia)


Os nervos de Severino Silva já não suportavam mais aquele estado de permanente apreensão. Depois de a Polícia Federativa, a famosa PF, ter prendido todos os ricos do país, por razões as mais diversas, agora estava chegando a Casinha da Mãe de Deus, povoado sertanejo que de tão pobre e inexpressivo sequer havia merecido dos cartógrafos uma simples, que fosse, referência no mapa de sua região.

Sô Dedé, o padeiro, fora acordado e algemado de madrugada por agentes da PF devidamente acompanhados da Rede Mundo de Televisão. Preso, porque investigações sigilosas, incluindo escutas por detrás de portas autorizadas pela justiça local, flagraram-no entregando 10 espigas de milho ao Chico do Jumento para que este lhe trouxesse, o mais rápido possível, as sacas de farinha de trigo que comprara na cidade. Indícios, afirmou a PF, de inquestionável ato de corrupção...

Padre Antônio, o quase santo pároco da igreja do povoado, também fora algemado pela PF, com cobertura e registro das câmaras da Vênus prateada, enquanto dava a comunhão na única missa que Casinha da Mãe de Deus recebia por mês. Quando levantou a mão para fazer o sinal da cruz abençoando a hóstia sagrada, um agente truculento, com jaleco preto, meteu-lhe a algema no punho direito e ainda sorriu para a câmara. Dona Genilda que estava de boca aberta aguardando a hóstia, nunca mais conseguiu fechá-la, parece – dizem - que de protesto. Acusação: padre Antônio terceirizara a produção de hóstias entregando-a ao Convento das Carmelitas Descalças sem ter procedido aos ritos da abertura de licitação e do necessário estabelecimento de concorrência pública. Não adiantou ao santo padre Antônio provar que recebia as hóstias em troca de uma missa que celebrava mensalmente no Convento. Sair da cadeia só com habeas corpus, e aí já não era mais problema da PF.

Havia ainda boatos de que a PF investigava as condições das vacas do sô Didinho, suspeitando-se de que circulavam livremente entre pastos sem o devido estudo de impacto ambiental a ser feito pelo IBAMA. O velho Zequinha vivia vendendo bodes e nunca pagava impostos. Suspeitava a PF de que ele enviava dinheiro pra fora de Casinha. Não se sabe por que, nem para que fins, pois era um homem miseravelmente pobre. A verdureira, Dona Maria das Couves, abandonara o ofício, pois a PF investigava ostensivamente denuncias de que seus molhos de couve não respeitavam os padrões de pesos e medidas estabelecidos pelo poder central.

Decidiu então, Severino, que para viver tranqüilo e sem o estresse que a PF lhe dava, não sairia mais de casa. __ Se não me relacionar com o mundo, ficarei livre da surpresa de um dia ser algemado por um motivo qualquer e ainda aparecer na TV. __ Isso, jamais farão comigo! __ Vou dedicar o resto de minha vida, em tempo integral, a cuidar bem de minhas galinhas. __ Ficarão mais fortes, mais sadias. Exclamou, depois de muita reflexão. Dito e feito: Severino sai de cena.

Madrugada de um dia qualquer, meses depois de sua voluntária reclusão, a PF e a Rede Mundo que àquela altura já não viviam uma sem a outra, invade o rancho de Severino e o arrasta algemado para o camburão. Aos gritos, Severino tenta obter, do agente chefe, a razão de sua prisão: __ Se o senhor não sabe o que anda fazendo de errado, seu Severino, logo saberá. E, antes de entrar no camburão o agente de jaleco preto, óculos escuros, embora madrugada, aponta para o monitor da Rede Mundo que ali se instalara a espera do evento e fala para Severino: __ Ouça a reportagem!

E a dócil repórter de escova progressiva, microfone em punho lê no “teleprompter”, aquele aparelhinho que reproduz o texto sobre a câmara e que nos ilude ao dar a falsa impressão de grande competência do narrador:

“A Polícia Federativa acaba de concluir com absoluto êxito a operação Sadiagalinácea em que, Severino Silva, desempregado, desdentado, desnutrido, sem CPF e sem RG, aqui do povoado de Casinha da Mãe de Deus, é preso por andar livremente em sua casa vestindo uma simples cueca furada. Filmagens com câmeras ocultas implantadas sob a plumagem de galinhas sadias da casa do próprio Severino foram feitas com autorização judicial. Daí o nome da operação: Sadiagalináceas que não tem nada a ver com a operação Satiagraha que, em local bem distante, prendeu gente não menos importante. Afinal, a lei é dura, mas não faz distinção social para ser aplicada. As investigações serão prosseguidas para constatar a origem das galinhas” Mal a TV soa o 2º “plin plin” e Severino é lançado algemado e de cueca furada para dentro do camburão.

Severino, por falta de recursos financeiros e tendo lhe fugido todos os amigos desde que se isolara do mundo, encontra-se até hoje preso na cadeia de Casinha da Mãe de Deus. Acredita, declarou recentemente o chefe maior da PF, que com o tempo Severino deixará de se comportar de forma tão pouco republicana como vinha fazendo. Afinal a lei é igual para todos...

Corre, contudo, na vara de justiça de Casa da Mãe de Deus uma “penosa e cacarejante” ação promovidas pelas galinhas do Severino contra a arbitrariedade da PF, com o beneplácito do ITJ (Inferior Tribunal de Justiça) do estado, pelo seu inocente uso para a filmagem de seu único e generoso provedor: Severino Silva.

As galinhas emagrecem aceleradamente dia a dia...


Edson Pinto
postado em 15/07/08

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