30 de mai. de 2003

1) A JUSTIÇA QUE NÃO PARECE JUSTA... (maio'03)



Não há ninguém neste país que não tenha se emocionado com a atitude de cidadão Hamilton dos Santos, de 53 anos, que recusou cumprir a ordem do oficial de Justiça e da Polícia Militar para demolir a casa daquela sofrida família baiana, conforme determinava o mandato judicial.

Aposto que, até mesmo o Juiz que decretou a sentença, ao ver as cenas que a televisão nos proporcionou, sentiu aquele mal estar típico dos momentos em que nos damos conta de que poderíamos ter feito algo melhor do que o que realmente fizemos...

Por que todos nós nos sentimos afetados por um evento que, certamente, encontrava-se revestido de todas as formalidades que o estado de direito coloca a disposição da cidadania? O terreno, legalmente, pertencia a outrem e, portanto, deveria lhe ser devolvido. É o que nos remete a lógica fria que – em geral – deve nortear as atitudes dos cidadãos e, obviamente, a sentença soberana do judiciário.

Há, sim, uma resposta para isso:

As pessoas, individualmente, não a expressam por falta de envolvimento no assunto, por ferrenho respeito à lei, por medo de serem criticadas ou por muitos outros motivos que não vem, aqui e agora, ao caso. O consciente coletivo, contudo, tem este supremo poder de externar respostas de uma forma muito peculiar. O choque, o pasmo, a solidariedade, a revolta e tantos outros sentimentos, juntos, querem dizer, neste caso protagonizado pelo ser humano Hamilton dos Santos, que a decisão do meritíssimo Juiz foi muito superficial e até mesmo muito pobre. Poderia ter sido, verdadeiramente digna, se ele, com a autoridade que o sistema democrático e a estrutura de poderes deste país lhe confere tivesse se aprofundado com mais cuidado na situação daquela família. As circunstâncias que a levaram ao desespero de construírem uma casinha em um terreno que não lhes pertencia. A omissão e verdadeiro desrespeito por parte das autoridades constituídas aos direitos mínimos e constitucionais que todo cidadão tem de viver condignamente.

Tivesse o meritíssimo investigado melhor, ele envolveria na sentença o Estado, este sim causador da situação de irregularidade que ele com sua fria sentença tentava corrigir. O terreno pertence a outrem e, portanto, deve ser devolvido? Correto! Isto seria sentenciado. O Estado falhou na sua obrigação de prover habitação adequada para uma família? Sim! Portanto deveria num determinado prazo estabelecido pelo Juiz oferecer alternativa à pobre família. Conseguido isto, aí sim o terreno seria devolvido e a situação de direito restabelecida.

Se o leitor ainda não percebeu o objetivo da minha crítica, vou ser mais objetivo: Estou criticando a forma simplista, superficial, apressada, burocrática e até mesmo irresponsável com a qual pessoas em posição de mando – aqui generalizo a critica para todas as profissões – para se verem livres de suas obrigações, tomam decisões. Vale para o Juiz, vale para o responsável pela conservação de uma estrada, vale para o médico de plantão em um hospital, vale para técnico que conserta a geladeira de sua casa, vale para o jornalista que escreve sua coluna diária, vale, em fim para todos nós. Enquanto continuarmos irresponsáveis com as nossas obrigações, continuaremos correndo o risco de sermos injustos, mesmo aparentando justiça, como pareceu ao Juiz, sê-lo.

O que nós, seres humanos que somos, nos faz distintos das máquinas que nós mesmos construímos é capacidade de percebermos aspectos que somente as circunstâncias físicas e metafísicas nos indicam. Se for para ler o código de leis e aplicar exatamente aquilo que lá está escrito, aí, sim, tenho uma sugestão que poderia reduzir em muito o custo do aparato burocrático que a democracia nos impõe: um grupo de especialistas em informática seria contratado para desenvolver um software que mediante a resposta a quesitos pré-programados emitiria ao final um relatório indicando a sentença. Assim, a Justiça custaria muito pouco e talvez sobrassem recursos para investir na construção de casas que seriam distribuídas a famílias como aquela que o Sr. Hamilton dos Santos teve a sabedoria de poupar.

Edson P. Pinto
maio'2003