30 de ago. de 2008

44) UMA ESPÉCIE DESORIENTADA (agosto'08)


A espécie humana, ou o que chamamos de Homo sapiens (o homem racional que somos hoje) surgiu na face da Terra há aproximadamente 100 mil anos. Parece ser muito tempo, mas na verdade corresponde a um ínfimo pedaço da trajetória de existência de nosso planeta de mais de 4,5 bilhões de anos.

Tomemos uma analogia para melhor compreensão do que significa nosso tempo de vida na Terra: Se a história da Terra, contada desde o momento em que a Terra foi criada, acumulasse até este momento, 24 horas, correspondendo a um dia inteiro, teríamos então: Ás 5h15 surgiram as primeiras evidências de vida nos oceanos; Às 21h30 os oceanos estavam cheios de vidas e começava a vida no solo; Às 23h apareceram os dinossauros que se extinguiram às 23h42; Às 23h59 registram-se os primeiros antepassados da espécie humana; Às 23h59m58, ou exato 1,7 segundo para 24 horas, surgiu a nossa espécie.

A nossa experiência de mundo, enquanto espécie é, portanto, de apenas 1,7 do total de 86.400 segundos que tem um dia. Nem é necessário fazer mais cálculos para mostrar o quão insignificante é a trajetória humana sobre um meio ambiente de formação tão longa. O homem, em fração minúscula de tempo, se apoderou do patrimônio terrestre e caminha para destruí-lo com a voracidade de seus 7, 10 bilhões em futuro não distante, de consumidores insaciáveis com os recursos naturais obviamente limitados da mãe Terra.

Será que estamos no caminho certo, ou seria necessário mandarmos a astronave Terra parar um pouco enquanto repensamos o nosso futuro? Quais limites seriam aceitáveis para o crescimento desenfreado da população humana e principalmente de seus padrões de consumo a exigirem cada vez mais recursos que não podem ser renovados? Claro que algumas poucas gerações ainda conseguirão usufruir das benesses da mãe natureza, mas certamente em momento não muito distante faltará água, faltarão combustíveis fósseis, faltarão alimentos e assim desaparecerá o equilíbrio saudável de nossa biosfera.

Nunca é demais lembrar que a questão do aquecimento decorrente do efeito estufa acelerador do degelo dos pólos, a destruição da camada de ozônio incumbida de nos proteger da nociva radiação solar ultravioleta, a poluição do meio ambiente degradadora da qualidade de vida e muitos outros desmandos dessa especiezinha chegada nos últimos 1,7 segundos, continua sem solução adequada. Não há como não ver a espécie humana agindo como um adolescente deslumbrado que ao ganhar mesadas generosas sai gastando de forma irresponsável sem a menor preocupação com o futuro. Assim, infelizmente, parece também agir a humanidade.

Mas nem tudo está perdido. E, simplesmente nos comportarmos de forma pessimista, mais prejudica do que ajuda. O importante é que os lideres do mundo saibam como conduzir a humanidade para o uso racional dos escassos recursos da Terra, distribuindo-os de modo equânime, evitando o desperdício e principalmente incentivando a reciclagem dos recursos não renováveis de tal modo a reduzir a exploração desenfreada das limitadas reservas naturais.

O sistema educacional tem um papel importante na formação de uma mentalidade preservacionista nos jovens de hoje, consumidores e lideres do dia de amanhã. Mas por que esperar que apenas a Escola faça a cabeça dos jovens? Os adultos poderiam muito bem começar, em casa, no escritório, na fábrica ou mesmo na comunidade em que interagem a implantar medidas de conservação dos recursos naturais. Como os governos não têm sido efetivos na implantação de programas de coleta seletiva do lixo, por exemplo, e que permite a reciclagem, por que não forçarmos da base para o topo?

Não precisamos esperar que chegue o dia em que preservar a natureza será obrigação passível de punição. Ou agimos de forma espontânea ou teremos que dar razão ao alerta das poucas e boas cabeças dessa espécie dos últimos 1,7 segundos:

"Quando a última árvore tiver caído/Quando o último rio tiver secado/Quando o último peixe for pescado/Vocês vão entender que dinheiro não se come”.
Edson Pinto
30/08/08

24 de ago. de 2008

43) ESTARIAM OS DEUSES CONTRA NÓS? (agosto'08)




Cornelius Horan, aquele ex-padre irlandês, maluco, atravessou a pista e num gesto tão inusitado quanto hilário, impediu que o nosso atleta Vanderlei Cordeiro de Lima confirmasse a sua vitória na maratona das olimpíadas da Grécia em 2004. Antes, em 2000, o grande cavaleiro Rodrigo Pessoa viu escoar por entre os seus dedos a medalha de ouro em Sidney, Austrália, quando o seu famoso cavalo Baloubet du Rouet refugou ridiculamente diante de um simples obstáculo igual a tantos que o conjunto havia superado com grande facilidade em centenas de outras competições do mesmo naipe.

Chegamos a 2008, Olimpíadas da China, e o orgulho de sermos brasileiros agora turbinado por atletas brilhantes e com precedentes de vitórias nos permite sonhar com medalhas, cerimônias de podium e a execução do “ouvirundum”, enquanto o “símbolo augusto da pátria” subisse ao alto dos ginásios de esporte para admiração de bilhões de terráqueos pregados às TVs de todo o mundo.

No entanto, judocas campeões mundo afora caem diante adversários teoricamente mais fracos. Nossos hábeis e já afamados ginastas aterrissam fora do tablado, caem de costas no último e decisivo salto, dão belas piruetas no cavalo de pau, mas chegam ajoelhados para desencanto de milhões de aflitos patriotas que atravessam madrugadas acordados pelo cândido sonho por uma medalhinha sequer.

O futebol dos estrelados e milionários marmanjos imita Baloubet du Rouet justo na frente do obstáculo mais indesejável de todos: a Argentina. E se não bastasse isso, somente algo sobrenatural para explicar o sumiço da vara de saltar da nossa promessa Fabiana Murer, que, mesmo considerando a real dificuldade de superar a russa Yelena Isinbayeva, viciada em quebra de recordes, pelo menos poderia nos trazer uma vistosa medalha de prata. Some a vara da Fabiana e com ela as nossas esperanças...

Estariam os deuses contra nós? Galvão Bueno, arauto-mor da brasilidade transbordante de otimismo dirá que não, e ainda nos responderia com uma outra pergunta: Se Deus, sabidamente, é brasileiro, como é que outros deuses de menor hierarquia se atreveriam a ser contra nós?

Lula completaria dizendo que nunca na história deste país os esportes foram tão bem sucedidos e até mesmo não se acanharia em comparar-se ao Barão de Coubertin, claro, devido ao seu idêntico e verdadeiro espírito olímpico. Nem nos causaria espanto se ainda dissesse que a meta de um eventual 3º governo seria propiciar ao menos 3 esportes por dia para cada brasileiro: um pela manhã para alimentar-nos o espírito, outro ao meio-dia para fortalecer-nos o corpo, e um à noite para aplacar-nos as paixões mais recônditas. Afinal, o horário político gratuito já começou e o povo nunca deixará de acreditar no que o presidente disser repetidamente, mesmo que não seja verdade.

Ah, mas ganhamos ouro com a equipe feminina do vôlei de quadra! César Cielo nos deu também o ouro dos 50 metros na natação e Maurren Maggi que ao pular mais de 7 metros buscou o ouro, chorou as lágrimas da atleta injustiçada e nos fez, também, chorar de emoção? As mágicas futebolistas de saia, só nos enchem de orgulho e nos presenteiam com uma brilhosa medalha de prata. Por muito pouco poderia ser a de ouro. Que pena! Essas poucas e preciosas conquistas deveriam nos levar a aceitar passivamente uma classificação além do 20º lugar no quadro de medalhas olímpicas, mesmo considerando o fato de que somos a 10ª economia mundial, caminhando rápido para o 8º lugar, a 5ª população do mundo e que temos sol em abundância, espírito esportivo, alegria transbordante e aprimorada etnia?

Estaríamos sofrendo da terrível síndrome do gafanhoto em que o medo da derrota já nos cerceia o impulso necessário para a vitória? Por outro lado, os sempre vitoriosos americanos e outros, simbolizados pela águia que demonstra força, nobreza e vivacidade prevalecem sobre a nossa timidez, esta covarde aceitação de fraqueza, baixa auto-estima e o famigerado complexo de inferioridade? Isso seria suficiente para nos privar da conquista de vitórias em maior quantidade e qualidade?

Minha observação pessoal indica que não. Não somos vitimas da síndrome do gafanhoto por sermos frágeis como o são esses insetos que podem ser pisados, embora sejam numerosos. O que me parece mais plausível é entender que o Esporte a exemplo de muitas das atividades humanas deixou também de ser um mero exercício de criatividade e recreação para assumir o status de um grande negócio. Negócio, no sentido de que pode gerar receitas fantásticas para organizadores, patrocinadores e produtores de conteúdo na mídia do entretenimento massificado. Além disso - e não é novidade - governos e nações, principalmente aqueles que mantêm grande poder econômico, descobriram há tempos o poder do uso do Esporte em favor de seus objetivos de ampliação do bem-estar social de seus povos ao mesmo tempo em que impõem ao mundo as suas supremacias.

Dito isso, só nos resta abandonar o romantismo das disputas esportivas pelo seu prazer lúdico e encararmos a necessidade de investimentos de longo prazo, tendo como base uma infância melhor assistida com cuidados de saúde e educação. A antiga expressão “Mens sana in corpore sano” parece ter recuperado nos dias de hoje a importância que nos legou a Grécia Antiga.

É claro que os deuses não estão contra nós. O que poderíamos ouvir do Galvão Bueno e de outros ufanistas inveterados é que na verdade Deus – dado à abundância de benesses generosamente a nós concedidas - como florestas verdejantes, praias encantadoras, território livre dos grandes desastres naturais, povo alegre e bonito, precisaria buscar certo equilíbrio nos dando escassas medalhas olímpicas.

Por que, já pensaram, se ainda fossemos bons de medalhas? Aí é que a garganta de nosso querido Galvão Bueno estouraria pelos incessantes gritos de seu ufano amor pelas coisas da nossa terra.

Brasil, sil, sil, sil.... E que o mundo nos aguarde em 2012! Pelo menos, uma nova medalha de ouro já está garantida: choro coletivo

Edson Pinto
24/08/08

42) A CUECA DO ABADIA (agosto'08)

Nada conseguia abalar a exuberância do seu ego. Se um amigo dissesse: “Veja esse Matisse que comprei por 2 milhões de reais”, ele logo retrucava: “Mas você não viu o Rembrandt que tenho na minha sala de jantar? Custou-me, no leilão, o dobro do seu, e em euros”, complementava para que não ficasse nenhuma dúvida sobre a sua condição superlativa. Recentemente, é bom que se diga, vinha mudando suas referências monetárias. O dólar americano perdia valor e seu ego, já de algum tempo atrelado a até então mais forte das moedas, não poderia ser arrastado ladeira abaixo. Agora só falava em euros...

Não nasceu rico, mas fez-se próspero fruto do auto-esforço. Seria de se esperar que a sua origem de homem simples se refletisse no comportamento do empresário bem sucedido de agora, boa família e vida abastada. Porém, por intrincadas artimanhas psicossociais, talvez em decorrência de tantos e velhos sofrimentos que considerava injustos; do passado de permanentes competições profissionais que reputava torpes e, ainda, de mil coisas de foro íntimo impossíveis de serem compreendidas, acabou por imaginar-se bem na máscara de todo-poderoso.

Assim agindo, tudo aquilo para o qual, no seu passado de humilhação, olhava e não conseguia alcançar, agora estava aos seus pés podendo, metaforicamente, chutar, pisar e até mesmo cuspir-lhe de soberba. A polpuda conta bancária e a habilidade de grande jogador respaldavam-lhe a empáfia. Se o destino lhe tivesse feito francês, certamente se autodenominaria o “Rei-Sol” e a expressão "L'État c'est moi" lhe cairia muitíssimo bem. Absolutista, mandava, além da conta, na mulher, nos filhos, nos empregados. E mais: no cachorro que late, no carro que sacode, no semáforo lento, na porta fechada, na demora do elevador, enfim, em tudo que ousasse a não lhe atender na forma, no momento e com a perfeição determinada pela sua frivolidade sem fim.

Aí a vida lhe impôs duro revés. Conta corrente zerada, sem mulher para servir-lhe, sem ninguém nem mais nada para mandar. Sem Rembrandt na parede, sem cachorro para chutar, sem reino, sem ombro amigo para o aconchego ou ouvidos complacentes que lhes suportassem as afrontas, resta-lhe, ainda, a vaidade mais comezinha:

__ E aí meu amigo não vai ao novo leilão de artes? Há de tudo, de Rembrandt a Brecheret.

__ Não, hoje não! Voltei do outro leilão onde arrematei, em euros, a cueca do Abadia...

Edson Pinto
22/08/08

19 de ago. de 2008

41) FALAR COM QUEM? (agosto'08)



Em qualquer lista que se faça sobre invenções que tiveram o mérito de acelerar o progresso da humanidade, certamente lá encontraremos o telefone. Não é sem razão que Alexander Gran Bell, nascido na Nova Escócia, tornou-se tão famoso mundo afora.

Em Boston, EUA, há exatos 132 anos, deu, ele, a luz a esse que é considerado um dos mais úteis dispositivos para a comunicação entre os homens. De sobra, suportou-lhes, com absoluta galhardia, a sua incontrolável sanha por conquistas tecnológicas e os mil avanços sem precedentes no mundo de então. Sem o telefone, o mundo jamais seria o que é. Veio para ficar definitivamente na vida de todos nós.

Serve tanto para dizer que estamos chegando; para dizer que partiremos para sempre; para dizer mamãe te amo; para pedir socorro; cobrar promessas; declarar paixões e, quando mal usado, até para ser grampeado com ou sem autorização judicial por estados policialescos em primaveril e desordenado crescimento.

Assim é o telefone que deixou de ser preto e movido à manivela para ficar compacto, portátil, embutir-se no computador, no Ipod ou mesmo para entrar nos presídios por mãos desumanas. Não dá para viver sem ele. Dá? Pergunto, de forma contundente. Posso até antecipar o que você responderá: Não! Definitivamente, não dá, mesmo...

Mas, parece que, muitos dos clássicos prestadores de serviços, mesmo os que fazem o jogo do capitalismo explorando a invenção de Gran Bell, acreditam que podem, isto é, podem viver relacionando-se com seus clientes sem o uso do telefone. Estou exagerando?

Se você tiver dúvida sobre o que vou falar, tente antes de prosseguir na leitura deste ensaio, encontrar nos site da Cia. Telefônica, no site da Vivo Celular, no site da Caixa Econômica ou no site de quase todos os Bancos brasileiros, só para citar alguns, um número de telefone para que você possa pedir um serviço ou reclamar de um outro mal prestado. Dificilmente encontrará. Todos os sites o conduzirão para o uso do sistema de e-mail, quando muito. Você escolhe um grupo de assunto; depois classifica o que quer falar, porque aparentemente estão tão especializados em broncas que nos usam para alimentar as suas estatísticas e indicadores de performance; produz um texto já previamente limitando a quantidade de caracteres; fornece o seu próprio e-mail; digita aquelas letrinhas e números que nos mandam bem tortinhos, penso até para testar nosso grau de daltonismo; e manda pra lá. Resposta? Nem Deus sabe quando...

Você pode até me dizer que encontrou um 0800, ou outro número disponível para ligar. Só não esqueça de também contar que dificilmente conseguiu falar com um ser humano de verdade do outro lado: Se quiser isto, tecle 1; aquilo, tecle 2; nada disto, tecle 3; tá cansado, tecle 9 e tchau! E você ouvirá, ainda, aquele sinalzinho de linha ocupada, “tun, tun, tun” Não raro, quando diz que vai “ser atendido por um de nossos operadores”, aí vem o golpe fatal: “Você é o 28º na fila de espera. Nossa previsão para atendimento é de 2 horas, 45 minutos e 27 segundos”. Essa precisão tem o mesmo efeito de cócegas nas axilas, nos estrebucha todo o corpo.

Por que será que as empresas querem o dinheiro dos clientes, mas detestam ouvir as suas vozes? Eu desenvolvi uma tese, sujeita, evidentemente, a ser testada até que se confirme ou não: Gente cansa, aborrece, tem problemas pessoais, fala manso, fala bravo, espirra, xinga, pergunta o que não pode ser respondido, brinca, dá risada, comete erros de pronúncia, forma frases erradas, toma nosso tempo e custa caro atender, enfim, gente é um saco! Melhor seria - pensam quase que em uníssono - encontrar uma maneira de pegar o seu dinheiro e nada mais.

A Internet caiu. Claro, você agora não pode nem reclamar pelo site, pois não tem Internet, certo? Pesquisa no contrato de compra do serviço, liga para um amigo, busca uma anotação antiga e finalmente encontra um telefone para pedir socorro: Tecle 1, 2, 3, 4, 5, 8, 9, 1000, até que uma voz metálica, digitalizada, lhe aplica um “ippon” (aquele golpe decisivo do judô quando você cai de costas no chão após um movimento perfeito do adversário): O senhor não contratou o serviço de "help desk", portanto não podemos atendê-lo por telefone. Pode? Não tem Internet, não pode falar ao telefone e agora? Entregue ao bom Deus...

Agora veja que curioso: Não te dão um telefone para falar com a empresa quando você precisa, ou quando o fazem colocam tantos tecle aqui, tecle ali, que vamos nos auto-extinguindo ao longo da jornada, tal qual gametas na desesperada busca de seus objetivos, mas, por outro lado, contratam exércitos de operadores de telemarketing para fazerem o caminho inverso: Ligam no horário da novela, no horário do Jornal Nacional, quando você está entrando para o banho ou recebendo uma visita e lhes dizem: “Devido ao nosso excelente relacionamento, o senhor foi escolhido para ter o privilégio de comprar o nosso exclusivo título de capitalização Máster de Ouro. O senhor põe 100 e retira ao final de 2 anos 80, quer atenção maior do que essa meu senhor?”

O brasileiro e mineiro, Alberto Santos Dumont, inventor do avião, matou-se, conta-nos a história, quando se deu conta de que o seu invento havia se transformado em arma letal na Grande Guerra.

Fico aqui pensando: Se Gran Bell, com toda a sua criatividade, tivesse ao menos imaginado o mau uso que dariam ao seu magnífico invento, ou teria seguido o mau exemplo do pai da aviação, ou, o que pareceria mais lógico, teria colocado fogo na patente do seu grande invento e assim evitado que ele chegasse ao uso a que chegou.

É certo que, sem ele, o telefone, não teria o mundo atingindo o grau de desenvolvimento que atingiu. Porém, nos conformaríamos com uma vida mais simples; trataríamos nossos problemas com os fornecedores de serviços mais no "tet-a-tet" e o verbo “teclar” significaria para nós tão somente pressionar as teclas do piano que nos alimenta a alma com a música que acalma ou premer o teclado da nossa velha máquina de escrever para, então, eternizarmos no papel uma declaração de amor às pessoas que dão valor às nossas vidas.

Edson Pinto
postado em 19/08/08

40) A MÃO DE DEUS (agosto'08)

 Este texto foi escrito para corroborar a admiração que meu amigo Manuel Jorge, Manú, poeta, expressou por esta foto que, pelas mãos de Deus, chegou até ele.
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Oscar, o arquiteto, lança seu olhar lógico sobre o casario rude da viela centenária e admira-se com a obra que gente tão simples houvera concebido. Não tem betume, mas o pavimento tosco absorve a água, previne a erosão, guarda umidade e temperatura em doses exatas; e mais, aproveita com harmonia a abundância de fragmentos insossos da rochosa montanha, sem degradar, como convém aos homens de virtudes. Só pode ter a mão de Deus, exclama...

Cândido, o artista, vê no contorno levemente sinuoso da vereda que embica em direção à capelinha a costear a jazida vermelha de ferro e no amálgama das cores cruas, docemente contrastantes, inspiração das mais profundas: Imagina redivivos, Rembrandt, Matisse, Van Gogh e outros mestres das telas para aqui enriquecerem o tesouro das artes. Só pode ter, exclama também, a ajuda da mão de Deus...

Bento, o pastor de almas, olha para o céu azul e enleva, a não mais poder, preces sinceras agradecendo ao Supremo pelo dom da vida. Reforça seu recorrente desejo de paz, união dos homens, bondade e amor. Está, neste cenário, exclama com alma pungente, a ajuda da mão de Deus...

Manú, o poeta de alma sensível, emerge - como ele mesmo disse - do recôndito de seu ser para lançar olhar amoroso sobre a beldade de vestido de chita que com divina sensualidade estica os braços aos céus. Sente envolvida a própria alma e a voz que ecoa no vazio de si mesmo para em seguida despertar-lhe a consciência abstrata de seu nada absoluto. Tem, também, a certeza da mão de Deus...

Mas o suspiro que de súbito sufoca o grito do poeta é só dele e de mais ninguém...

Edson Pinto
postado em 19/08/08

13 de ago. de 2008

39) UM COMPORTAMENTO OLÍMPICO (agosto'08)



Duas condutas independentes em suas essências, porém interligadas por um elemento de cunho psicológico maior e comum, vêm chamando minha atenção nessa última semana. Não gostaria, ipso facto, de deixar que o tempo as apagasse de minha memória antes que eu manifestasse modesta opinião sobre elas.

Observem um detalhe na primeira foto acima: Para aqueles que têm acompanhado o desenrolar das eleições americanas, já devem ter notado que, à parte o fato do Democrata Barack Hussein Obama Jr. representar a juventude, a mudança na direção do novo, a vitória da igualdade sobre ultrapassados preconceitos e, com oportuna competência, ter demonstrado sua habilidade em agregar séqüitos de todos os matizes na variada formação étnico-social americana, ele tem – queiram ou não - certo ar de arrogância.

A cabeça de Obama apresenta-se sempre erguida em excesso, o que para Pierre Weil e Rolan Tompakow em seu importante livro “O Corpo Fala”, Editora Vozes, interpreta como sendo uma prejudicial hipertrofia do controle mental de quem assim se porta. Já, o Republicano John Sidney McCain III, reconhecido herói de guerra, tem sempre a cabeça na posição normal o que sugere um controle adequadamente regular de sua mente.

Aí vem as Olimpíadas da China: Vimos pela TV e certamente os americanos mais ainda, a figura – isto ninguém pode negar – simpática, descontraída, diria, até mesmo humilde e popular de um Bush, hoje um presidente capenga, agitando a bandeirinha americana, tirando fotos com atletas de vários países e torcendo como um simples mortal nas arquibancadas dos belíssimos ginásios de esportes da remoçada Pequim.

Os americanos, com justa razão, adoram os esportes em geral, especialmente quando isso se dá nos palcos iluminados de um evento grandioso como os de uma Olimpíada. Nesse momento mágico e de plena exuberância, seus atletas de primeiríssima linha simbolizam a supremacia da grande e poderosa nação tal qual sonharam George Washington e os outros fundadores da pátria.

Ao mesmo tempo, Michael Phelps, o admirável nadador americano, recordista histórico em número de medalhas, um jovem com aparência de sujeito simples, também muito simpático, vibra à borda da piscina, bem no nosso mais puro estilo latino. Incentiva os seus companheiros com a humildade de quem pode, tal como os demais mortais, também perder.

As outrora arrogantes figuras do basquetebol americano, o chamado “Dream Team” agora está sendo representado por um novo ícone, um campeão de simpatia, Kobe Bryant. Dá entrevista a todos que lhe acercam, cita nome de atletas de outros países (inclusive falou que admira o nosso Ronaldinho), assiste a jogos de vôlei de praia e distribui tantos sorrisos como autógrafos.

Temos - é certo - que esperar até o fim das olimpíadas para a confirmação dessa minha suspeita de que a nação inventora do Marketing segue implementando um bem elaborado projeto para melhoria, tanto externa como interna, de sua imagem. “Por prudência, é melhor” - me lembra um de meus filhos – “esperarmos a entrada em cena da turma do atletismo americano”. Aquela plêiade de estrelas fenomenais, recheada de egos excêntricos, de "pavonismo" pitoresco com suas sapatilhas douradas e queixos apontados para o céu a sustentarem a maléfica hybris, arrogância suprema de quem, por vencer tanto e de modo tão convincente, com o tempo passa a menosprezar seus adversários.

Sempre gostei de ver as coisas pelo lado bom que elas têm. Por isso, estou convencido de que a “Inteligentsia” americana, seu núcleo pensante de alto nível, deve ter diagnosticado que a imagem de arrogância ostentada por tanto tempo por sua nação já havia causado desgastes demais mundo afora e até mesmo dentro de sua própria hoste.

Concertaram, imagino eu, uma estratégia para mostrarem ao mundo e à dissidência interna americana que o país precisava ser visto de forma diferente. Uma nova imagem que transmitisse simpatia e um pouco de humildade. Não querem mais perder outra janela de sorte para terem o mundo ao seu lado como fizeram no doloroso pós 11 de setembro, momento em que a humanidade, quase em peso, lhes disponibilizou o ombro amigo da solidariedade.

Que bem nos tem feito a globalização das últimas décadas! Não tivesse o mundo além fronteiras americanas, buscado o seu crescimento e com isso gerado novas e poderosas economias a fazerem frente ao seu inexpugnável domínio, continuaríamos gravitando em torno da estrela de primeira grandeza mal comandada pelo Bush mais desajustado da família.

E vejam a bela e rápida resposta dada àqueles que imaginavam que o fim da União Soviética, até então bipolarizado com os Estados Unidos, nos levaria à monopolização comandada pela única superpotência remanescente. O mundo agora se mostra mais e mais multipolar, por isso a América precisa ser mais humilde, mais compreensiva, menos petulante...

E Obama com isso? Sua cabeça excessivamente erguida, infelizmente, tem muita semelhança com uma América arrogante que nem os próprios americanos querem ver mais. O problema de quem vai comandar os Estados Unidos a partir do próximo pleito é um problema nitidamente do povo americano, mas, daqui debaixo da linha do equador e vendo o que vejo, me arrisco a prever que John McCain, Republicano como George W. Bush, mesmo em desvantagem nas pesquisas, vai sentar-se no salão oval da Casa Branca a partir de janeiro do próximo ano.

Uma América mais humilde, menos belicosa, mais progressista, mais fraterna, menos arrogante e mais simpática, é tudo o que o mundo quer e precisa.

Podiam, muito bem, me convidar para a posse de McCain...


Edson Pinto
13/08/08

9 de ago. de 2008

38) POR QUE VOCÊ NÃO TELEFONOU? (agosto'08)


__ Jorge, por que você não telefonou?

__ Precisava?

__ Não, claro, bobagem minha...

__ Então por que você me faz essa pergunta, Teka? Até parece uma cobrança...

__ Você tem toda a razão Jorge. Eu não devia ter me manifestado sobre a falta que senti do seu telefona. Apesar de ter total consciência de que você está sempre muito ocupado com infindos afazeres, problemas no trabalho, o trânsito e tantas outras coisas que te ocupam todo o tempo - confesso – bobeei e assim deixei-me dominar pelo egoísmo de merecer uma ligação sua. Vacilei, de fato, Jorge. No fundo, no fundo, eu queria mesmo era só ouvir a sua voz. Não acrescentaria nada para você, sei disto. Desculpe-me!

__ Espera aí Teka, vamos racionalmente esclarecer esse ponto. Você sabe como sou objetivo e como gosto de tratar com responsabilidade os problemas que me acorrem no dia-a-dia. Sei que está tudo bem com você, com as crianças e com a casa. Por que então eu deveria fazer uma ligação? Só para dizer alô querida, tudo bem e aí voltar para os meus problemas do escritório? Você não acha melhor eu dedicar todo o meu esforço para vencer as dificuldades materiais da minha luta diária e só falarmos à noite quando volto para casa, ou no final de semana depois da volta do futebol com a turma? Você é feliz, não nos falta nada, não é?

__ De novo Jorge, você tem toda a razão. Esse ingênuo e inexplicável sentimento guardado em meu peito desde que o conheci parece ser o que me leva a ter desejos tão egoístas como esse de querer simplesmente te ouvir. Pode ser afeição em excesso, uma carência, uma emoção que domina minha alma, uma tristeza momentânea, um pressentimento, sei lá...

__ Francamente, eu não consigo explicar, Jorge. Acontece e pronto... Sabe: eu sou uma romântica fora de moda, daquelas que ainda acreditam que ao serem envolvidas pelas asas do amor devem entregar-se plena e incondicionalmente, mesmo ferindo-se na espada escondida em sua plumagem. “Quando o amor vos fizer sinal, segui-o; ainda que os seus caminhos sejam duros e difíceis...” como nos falou Khalil Gibran ao discorrer sobre o amor.

__ Oh meu Deus! Vacilei de novo, Jorge, e acabei falando mais com a alma do que com a razão. Sem querer falei de amor... Eu não queria aborrecê-lo, desculpe-me de novo, meu amor...


Edson Pinto
09/08/08

7 de ago. de 2008

37) UM CASO BEM ORTOMOLECULAR (agosto'08)




Seu Tenório, viúvo, indo para os 80, irreverente e vaidoso, estava convencido de ter encontrado a razão pela qual commodities minerais apresentavam-se com os preços tão elevados no mercado internacional: O mineralograma que fizera a pedido de seu novo médico ortomolecular apontara que seu corpo tinha excesso de manganês, cobre, potássio, alumínio e chumbo, só para citar alguns dos minerais investigados. Outros apresentavam baixos índices, porém, o que não escapava da mordacidade daquele velhote tão alegre quanto invocado eram aqueles minerais que valiam uma fortuna mundo afora. Esses sim, excediam-lhe em abundância.

__ Claro, exclamou ele com a ironia de sempre. __ O que tenho em excesso só pode estar fazendo falta no mercado, por isso os preços sobem. __ O quê não compreendo bem, doutor, é o porquê de, tendo sido descoberto tamanho excedente de minerais tão valiosos em meu organismo, ao contrário de isto me beneficiar com alguma renda extra, eu tenho que gastar essa fortuna com o seu tratamento? Deixa pra lá, finalizou, enquanto dolorosamente assinava um graúdo cheque para compensar tão inusitada descoberta. __ Volte no mês que vem seu Tenório, mas, não vá deixar de tomar todos esses 150 comprimidos por dia, tal qual lhe receitei, viu?

Seu Tenório, excluída a força do trocadilho, era o que ele mesmo se denominava um “Radical Livre”. Era um tipo rebelde, alegre e ao mesmo tempo todo cheio de adjetivos terminados com o sufixo “oso”: capricho, teimoso, orgulhoso, opinioso, presunçoso e acima de tudo vaidoso. Devido à predominância desse seu último “oso”, queria uma pele mais vistosa, cabelos com o antigo brilho que encantava moçoilas lá pelos saudosos idos de 50, uns 10 quilos a menos, tudo, tudo, com o propósito de voltar ao velho desempenho que o tornara famoso como garanhão de Ponte Grande, pedaço de mundo em que reinou absoluto na juventude.

E não é que estava dando certo! Em poucos meses e dezenas de milhares de comprimidos com suplementos vitamínicos, dietas que excluíam a ingestão de gorduras, queijos, frituras, cozimento dos alimentos no vapor e outras milongas mais, lá estava o novo Tenório: corpo de bailarino de dança flamenga, cabelos, embora poucos, pretinhos e brilhosos, pele rosada que mais parecia a de um bebê bem nutrido e a aparente disposição de garanhão redivivo, agora pronto para voltar à lide. Danou-se a freqüentar os Bailes da Saudade com a autoconfiança plenamente recuperada.

__ Seu Tenório, pensei que nunca mais voltaria ao meu consultório, exclamou entre surpreso e feliz o orgulhoso médico ortomolecular ao recebê-lo para uma consulta não programada. __ Vejo que está tudo muito bem, não é mesmo? __ Não doutor, não está tudo bem, não! Por isso eu estou aqui e já lhe trouxe até um novo mineralograma para o que o senhor reveja minha situação. __ Realmente emagreci, melhorei a pele, meus cabelos agora têm mais brilho e, confesso, disse reduzindo o volume da voz para não parecer demasiadamente pretensioso, tenho tido muito sucesso em conquistar minhas gatonas nos bailes da vida. __ Então o que mais o senhor queria, seu Tenório? __ Olha doutor, atraio como nunca, conquisto, danço com juvenil disposição, mas na hora “H” não tem funcionado. Nem com toda a dieta e com os suplementos vitamínicos que ainda continuo tomando tem dado jeito, doutor...

__ Bem, seu Tenório, orgulho sempre em dizer que a minha medicina é muito eficiente na restauração - em nível das moléculas que formam as nossas células - das concentrações e funções de substâncias diversas. Nos últimos anos, o progresso dessa revolucionária medicina tem sido extraordinário. Evoluímos em favor da melhoria da qualidade de vida, mas, seu Tenório, dos diversos minerais excedentes no corpo humano - e isto é visível aqui no seu mineralograma - lamento informar-lhe de que não sabemos ainda como reduzir o nível do chumbo, principalmente quando ele se concentra em local tão inconveniente como é no seu caso.

__ Melhor seu Tenório, é aproveitar a sua renovada disposição para conquistar parceiras, levá-las para a cama e tornar-se o que popularmente já se denomina de um amante DVD. __ Mas, o que isto quer dizer, doutor?

__ Simples seu Tenório: Deita, Vira e Dorme!

Edson Pinto
postado em 07/08/08