27 de mar. de 2014

258) DESTRUIÇÃO CRIATIVA

Quando o empresário e inventor, Steve Jobs, criador da Apple, a gigante da informática, poucos meses antes deixar este mundo em 2011 mencionou em seu famoso discurso na Universidade de Stanford que a “morte é muito provavelmente a principal invenção da vida, pois ela é o agente de mudança que limpa o velho e abre o caminho para o novo”, ele estava tocando na essência da existência humana:

O filósofo grego, Heráclito (século V a.C.), já tinha nos legado o pensamento de que tudo no mundo tende a se transformar, recíproca e eternamente, em seus opostos tendo como conseqüência benéfica o equilíbrio do universo. Tudo está em permanente estado de fluxo, nada é imutável. É dele a famosa frase de que “ninguém se banha duas vezes no mesmo rio”. O rio de ontem não é o rio de agora, pois a água é sempre renovada assim como o é o fluxo da vida.

Georg Hegel (1770 – 1831), filósofo alemão, viu no processo que ele chamou de “dialético” a forma como o mundo avança. A síntese (conclusão) surge do confronto de uma tese com algo que lhe é oposto, a antítese. Assim, a síntese se torna em nova tese que logo encontra nova antítese num processo dialético contínuo que propicia ao nosso espírito ir ao encontro de um entendimento crescentemente profundo e aperfeiçoado.  Voltando ao discurso de Steve Jobs, é a morte que ao abrir o caminho para o novo, tal qual a água do rio no fluxo de Heráclito, também se reinventa e prossegue.

Para chegar aonde pretendo, sinto ser preciso citar dois outros pensadores: O primeiro é também alemão, Karl Marx (século XIX), que a partir da constatação de que o capitalismo avançava de crise em crise com efeito destruidor sobre as forças produtivas, concebeu um sistema que objetivava eliminar essas inconstâncias via a abolição da propriedade privada e a substituição da classe burguesa então dominante pelo comando de uma nova classe, o proletariado. O comunismo, como é sabido, deu no que deu, porém o âmago da questão relativo ao permanente estado de desequilíbrio social e econômico continuou incólume.

O último pensador que quero mencionar é o austríaco Joseph Schumpeter (1883 – 1950). Mostrou-nos que na busca da sobrevivência os detentores do capital buscam novos mercados para garantir a continuidade de seus lucros. Essa busca por novos mercados requer criatividade e inovação, essência do empreendedor de sucesso. No momento em que o capital com as sua inovação identifica novos e prósperos mercados, o ambiente econômico anterior é impiedosamente destruído. Neste ponto, podemos dizer que há, sim, a morte do velho e a criação do novo. Tal qual na dialética de Hegel, ocorre uma síntese e a vida avança...

Juntando todos esses pensamentos podemos ter um entendimento melhor do papel do governo que elegemos para que, em nosso nome, execute o contrato social na busca do progresso e da harmonia de nossa sociedade. Começo com uma pergunta singela: O estado deveria intervir com tanta força e freqüência na economia para tentar eliminar os efeitos das crises recorrentes a que o capitalismo de tempos em tempos se submete?

Penso que não, porque entendo que as os desajustes econômicos que podem até mesmo resultar em recessão são os motores que impulsionam o capitalismo para novo avanço. Aqui está a morte do velho com a sua substituição pelo novo. A isso se determinou chamar de “destruição criativa”. O lucro - quer falemos de empresas no sistema capitalista, quer falemos de ganhos sociais - está na ponta das aspirações humanas. É inovando que avançamos. São necessárias inúmeras respostas criativas às dificuldades que surgem. Insistir na manutenção do velho é condenar-se à morte sem qualquer perspectiva de ressurreição.

Vejam o que o mundo da informática tem feito com os produtos, serviços e mercados antigos! Nada do que é hoje era exatamente igual a um par de décadas, se tanto. Empresas que se descuidaram, mesmo sendo líderes em seus mercados, acabaram por perder posições e até mesmo tiveram que amputar partes importantes de seus negócios para não perderem a vida por completo. O governo, quando entra protegendo bancos, indústrias locais e mercados de várias naturezas cria redomas protecionistas que não se sustentam ao longo do tempo, principalmente porque a predominância das novas tecnologias e da globalização é inexorável. Criar ambiente econômico favorável e proteger contratos são a essência do estado moderno. Mais do que isto é incorrer nos erros de sempre.

Tal qual um empresário obtuso que não consegue ver a importância da destruição criativa, um governo retrógrado e acomodado também sucumbirá à morte sem o conforto da ressurreição. O capitalista sem visão é punido pela destruição de seu negócio e os governos míopes são punidos nas urnas pela perda de votos... Há sempre uma solução!

Edson Pinto 

Março’2014

21 de mar. de 2014

257) SOMOS ENGRENAGENS DE UMA MÁQUINA EM MOVIMENTO

Bernard Mandeville foi um filósofo holandês que viveu entre os séculos XVII e XVIII. Era também médico, economista político e acima de tudo um ferino satirista. Na verdade, sua filosofia foi tomada como sendo falsa e cínica por enaltecer a importância do que ele chamou de “vícios privados” como motor do progresso da humanidade. Claro! Todo o pensamento filosófico ao longo de milênios sempre enalteceu as virtudes humanas e agora aparecia esse louco para dizer exatamente o contrário. Calma! Antes de julgá-lo vamos procurar saber mais profundamente o que ele realmente quis dizer.

A obra mais notória de Mandeville foi a “Fábula das Abelhas” de 1729. Nela ele fala das abelhas que repentinamente tornaram-se virtuosas, abençoada que foram pela dedicação incansável ao trabalho, pela felicidade com que levavam a sua tarefa árdua e pela sua honestidade. Fizeram, portanto, por merecer uma vida tranquila, sem trabalho, em uma árvore exclusiva. Obviamente, por não mais laborar e por terem abandonado o vício da cobiça e do amor próprio, a sua sociedade fracassou.

Mandeville então satirizou dizendo que as virtudes morais não passam de mera hipocrisia da elite governante com o propósito de dominar as classes inferiores. Concluiu dizendo que é o paradoxo do cultivo dos vícios pessoais que gera o progresso. “Vícios privados – disse ele - são benefícios públicos”.

Anos mais tarde, Adam Smith, precisamente em 1776, cravou em “A Riqueza das Nações” aquilo que tem sido considerado o conceito fundamental da economia: é da ação interesseira, egoísta das pessoas que a economia é movida. "Não é da benevolência do padeiro, do açougueiro ou do cervejeiro que eu espero que saia o meu jantar, mas sim do empenho deles em promover seu próprio autointeresse".

O século XX começa com o capitalismo a todo vapor e com as sociedades tomando uma nova feição que merecia ser estudada e explicada. Max Weber (1864 – 1920) se ofereceu para fazer isto por meio de uma nova disciplina, a “Sociologia”. Observou ele que as ações individuais são moldadas pela experiência e visão de mundo que cada pessoa tem. Porém, quando elas interagem coletivamente, isto é, dentro da sociedade que elas mesmas contribuíram para criar, suas ações se tornam complexas e formam um novo entendimento da vida que deixa de ser individual e passa a ser coletivo. Aqui surgem as religiões e os sistemas políticos, por exemplo.

A conseqüência quase inevitável da criação dessas novas estruturas coletivas é que elas, ao contrário de facilitar e promover as liberdades humanas, acabam por criar-lhes obstáculos. Isto pode ser tanto ruim como bom dependendo dos efeitos que causa: os protestantes, por exemplo, são religiosamente estimulados a trabalhar muito ao mesmo tempo em que se mostram moderados no consumo. Ao pouparem, acabam por criar condições para o desenvolvimento do capitalismo. Só poupança, contudo, não seria suficiente para a economia avançar. É preciso consumo, e isto só pode acontecer quando os “vícios privados” a que se refere Mandeville e a ambição daqueles que provêm o jantar do “Homo economicus” de Adam Smith funcionar como engrenagens dessa máquina em movimento...


Edson Pinto

Março’ 2014 

14 de mar. de 2014

256) O LIMITE DE MEU CAMPO DE VISÃO É O LIMITE DO MUNDO...

Filosofando brevemente com Arthur Schopenhauer, de Danzig, atual Gdansk, Polônia (1788 – 1860). Três questões existenciais:

___ Meu caro senhor Schopenhauer, diga-me se a compreensão que tenho do mundo que me rodeia é limitada, isto é, não vai além das observações sensoriais que posso diretamente fazer, ou se devo considerar que existe dentro de mim uma vontade própria, não sensorial, que nada mais é do que uma extensão de uma Vontade maior, universal e sobre a qual a minha experiência é zero?

___ Mais: Faz sentido eu considerar que o meu modo de ver o mundo não inclui, por razões óbvias, nem as coisas concretas que meus sentidos ainda não puderam captar de forma adequada e nem mesmo, e principalmente, essa possível Vontade superior e universal a que respeito, mas que jamais experimentei e que - pelo que imagino - jamais terei acesso?

___  É coerente, por fim, adotar o seu raciocínio de que os limites de meu entendimento são, como diz o título deste texto, os limites da minha visão do mundo?

___ Você sabe, meu caro mortal, que empiristas como John Locke (1632 – 1704) foram muito objetivos ao afirmar que todo o conhecimento que adquirimos ao longo da vida só provém de uma única fonte, a experiência captada pelos nossos sentidos. Ao virmos ao mundo, disse o colega, aqui chegamos com a mente como se fosse uma folha de papel em branco, uma “tábula rasa” que precisa ser preenchida pela experiência que nossos sentidos vierem a captar. São elas que nos permitem entender e teorizar o mundo. Portanto, nem me passa pela cabeça contestar o grande filósofo inglês, mas tenho uma maneira ligeiramente diferente de ver essa questão:

___ Comecemos por admitir que o meu quase contemporâneo Immanuel Kant (1724 – 1804) não estava de todo errado quando nos explicou que o mundo se divide entre os fenômenos que observamos e o que ele chamou de as “coisas em si”. O que tenho dito é realmente o que você pensa e expressou nas três perguntas, ou seja, cada um de nós de per si produz a própria visão de mundo a partir da experiência particular.

___ Acrescento apenas que, mesmo concordando com ele, vejo de forma diferente a razão pela qual temos essa limitação de visão do mundo. Penso que ela não deriva do fato de termos vontade e fenômenos isolados em mundos distintos e não conectados entre si. Para mim ambos se fundem, pertencem ao mesmo mundo, em que pese serem sentidos de forma diversa. Consideram-me pessimista porque, diferentemente do meu outro contemporâneo Georg Hegel (1770 – 1831), não vejo essa vontade como uma força positiva, construtiva.

___ Explico melhor: Como nossa vontade particular se funde à Vontade universal, ficamos à mercê dessa Vontade despropositada e irracional. Nossos instintos mais primitivos são conduzidos por essa Vontade o que nos frustra ao tentarmos aliviar tais anseios. Meu caro, como vê, o mundo não é bom nem ruim, apenas considero-o sem significado cheio de dor e sofrimento. A única forma que vejo para vocês se livrarem dessa condição miserável é se privarem do desejo de ser feliz...

___ Isto é o que penso meu amigo, mas você pode se informar como esse meu pensamento se desdobrou com Nietzsche quando propôs a noção de “vontade de poder” como explicação básica para as motivações do ser humano ou mesmo ver como Freud usou o inconsciente para explicar esses mesmos desejos e instintos básicos sobre os quais falei...

Edson Pinto

Março’ 2014

5 de mar. de 2014

255) EMOÇÕES SÃO UM TREM DESGOVERNADO

No filme “Incontrolável” do diretor Tony Scott, estrelado por Denzel Washington e Chris Pine, EUA, 2010, a aventura se dá quando uma composição de trem, por falha humana, fica desgovernada. O problema é que esse trem transporta produtos químicos tóxicos altamente letais e dirige-se, sem controle e em alta velocidade, para uma cidade densamente povoada. Dá para imaginar que se nada for feito quais serão as terríveis consequencias disso. Suspense!

O psicólogo americano, Paul Ekman (1934 -), buscou na imagem horripilante de um trem desgovernado um paralelo ao que acontece com os seres humanos quando são tomados por emoções em alta dose. Para ele, as emoções normalmente surgem antes mesmo que tomem, racionalmente, consciência de que estão sob o seu domínio. Sabemos desde há muito que guardamos em nosso inconsciente tendências básicas, pulsões, que nos são importantes para a sobrevivência. Costumamos popularmente chamar a isso de instintos como os clássicos relativos à sobrevivência e à perpetuação da espécie ambos determinantes para a procura de alimentos e a reprodução.

O problema é que as emoções podem sobrepor à boa parte das nossas pulsões vitais mais poderosas e de grande importância. Alguns exemplos: o nojo que se manifesta na forma de repulsa quando vemos um determinado alimento pode extinguir, no ato, o desejo de alimentar mesmo quando estamos com muita fome; a vergonha e o medo podem inibir a libido com consequências nefastas para o exercício de uma vida sexual saudável; uma tristeza profunda pode chegar ao ponto de tirar de pessoas até então saudáveis a vontade de viver.

O fato notório é que essas emoções são involuntárias, o que quer dizer que não são deliberadas pelo consciente e podem, com um pouco de observação, ser facilmente detectadas nas expressões faciais. Uma pessoa quando demonstra estar dominada pela raiva franze as sobrancelhas; na repulsa ou nojo força os lábios; quando com medo abre bem os olhos; se alegre alonga a boca para um sorriso; quando surpreendida por algo arregala mais ainda os olhos e, finalmente, na tristeza baixa a cabeça e apaga o encanto dos lábios. Tudo isso pode ocorrer bem antes que essa mesma pessoa tenha tomado consciência plena das causas subjacentes àquelas emoções.

Não é por outra razão que a sabedoria popular há tempos já nos orienta a “contar até 10” antes de tomarmos uma atitude sob forte emoção. Este ato de contar até dez tem se mostrado mais do que adequado para dar tempo a que a consciência, racional como deve ser, interprete as razões que levaram a uma emoção de raiva, por exemplo, e indique alternativas de ações mais adequadas.

Visto pelo lado prático da vida, emoções até que podem – desde que controladas – ser boas companheiras. É a alegria de viver que nos impulsiona a ir adiante. A surpresa aguça nosso desejo de saber e a raiva pode nos aprimorar o senso de justiça assim como a repulsa pelo desalinho e a bagunça pode nos levar ao hábito da limpeza e da organização.

O trem desgovernado a que Paul Ekman se referiu é aquela situação em que há exagero e indícios de distúrbios mentais. Tudo em exagero faz mal. É no meio - como sabemos - que haveremos de encontrar a virtude. Por isso, temos que ter em mente que se é difícil controlar as emoções exacerbadas que nos inviabilizam o bom e necessário relacionamento social, é bom sabermos que, por outro lado, não é de todo impossível alterar os fatores que as provocam. Para isso, muita calma, atenção e suco de maracujá...

Haverá sempre um freio de mão a ser puxado antes que o trem desgovernado ponha tudo a perder...

Edson Pinto

Março’2014