11 de set. de 2020

322) POR QUE NÃO PARAS RELÓGIO?

Com o primeiro salário do meu primeiro emprego formal, então com 14 anos de idade, em março de 1963, comprei o meu primeiro relógio de pulso. Façanha tamanha para quem não só se via equipado com o instrumento símbolo da modernidade como o fazia com recursos próprios...

Minha memória me recoloca, agora, no trecho de poucos quarteirões da Rua Carijós que liga a Avenida Paraná à Praça Sete, e dali, pela Avenida Afonso Pena, até ao viaduto Santa Tereza com destino a Philips na minha Belo Horizonte de lembranças imorredouras. Queria que o relógio andasse rápido. A vida tinha muito ainda a me mostrar...

4, 5 vezes, em média, nessa breve caminhada, era parado por gente ciosa do cumprimento de seus compromissos pessoais, mas desprovida do instrumento de que eu, orgulhosamente, já era possuidor, um relógio portátil, meu companheiro de todos os dias:

__ Por favor, que horas são?  __ Poderia me dizer as horas?  __ Já são 8 horas?

Essa faceta civilizatória que sanciona a qualquer um o direito de interromper o fluxo regular da vida de um desconhecido para satisfação de uma necessidade bem pessoal é, sem dúvidas, tipicamente brasileira. Estejamos absorvidos por preocupações importantes, mesmo assim não nos sentimos, ou não sentíamos, na época, incomodados pela intromissão de um estranho só para compartilhar conosco as horas que o nosso relógio marcava.

Não era só pelo prazer de ajudar a quem me dirigia a pergunta. Havia também, no fundo daquela alma juvenil, a satisfação de quem se tornara importante por ter tomado a decisão correta de investir o modesto ganho de aprendiz em algo tão útil, tão moderno, tão cobiçado...

Claro que aquele relógio só funcionava às custas de dar-lhe corda várias vezes ao longo ao dia. Atrasava ou adiantava um pouco, sim, mas isso não fazia diferença para que nem relógio tinha, não é mesmo? Afinal, a vida moderna já tinha feito da pontualidade uma questão de grande significado. Eu continuava, contudo, desejoso de que as horas passassem ligeiras...

A modernidade e os anos avançaram.  Fez-se, o relógio, onipresente. Hoje, ele está nos braços de todos, nos vários cômodos de nossas casas, nos celulares, na tv, no computador pessoal, no topo do edifício e até em lugares inimagináveis.

Agora, não me param na rua, nem a ninguém mais, a perguntar pelas horas. Fechou-se mais uma oportunidade de contato e integração social. Para além disso, pelo menos para mim, também já não tenho mais o desejo de que as horas passem rápidas. Pelo contrário - como na antiga canção -, e se possível fosse, pediria aos relógios que detivessem o tempo, tornando a minha vida e a de meus amigos, perpétuas...

Edson Pinto

Setembro’ 2020