Com o primeiro salário do meu primeiro emprego formal, então com 14 anos de idade, em março de 1963, comprei o meu primeiro relógio de pulso. Façanha tamanha para quem não só se via equipado com o instrumento símbolo da modernidade como o fazia com recursos próprios...
Minha memória me recoloca, agora,
no trecho de poucos quarteirões da Rua Carijós que liga a Avenida Paraná à
Praça Sete, e dali, pela Avenida Afonso Pena, até ao viaduto Santa Tereza com destino
a Philips na minha Belo Horizonte de lembranças imorredouras. Queria que o
relógio andasse rápido. A vida tinha muito ainda a me mostrar...
4, 5 vezes, em média, nessa breve
caminhada, era parado por gente ciosa do cumprimento de seus compromissos
pessoais, mas desprovida do instrumento de que eu, orgulhosamente, já era possuidor,
um relógio portátil, meu companheiro de todos os dias:
__ Por favor, que horas são? __ Poderia me dizer as horas? __ Já são 8 horas?
Essa faceta civilizatória que
sanciona a qualquer um o direito de interromper o fluxo regular da vida de um
desconhecido para satisfação de uma necessidade bem pessoal é, sem dúvidas, tipicamente
brasileira. Estejamos absorvidos por preocupações importantes, mesmo assim não
nos sentimos, ou não sentíamos, na época, incomodados pela intromissão de um
estranho só para compartilhar conosco as horas que o nosso relógio marcava.
Não era só pelo prazer de ajudar
a quem me dirigia a pergunta. Havia também, no fundo daquela alma juvenil, a
satisfação de quem se tornara importante por ter tomado a decisão correta de
investir o modesto ganho de aprendiz em algo tão útil, tão moderno, tão
cobiçado...
Claro que aquele relógio só funcionava
às custas de dar-lhe corda várias vezes ao longo ao dia. Atrasava ou adiantava
um pouco, sim, mas isso não fazia diferença para que nem relógio tinha, não é
mesmo? Afinal, a vida moderna já tinha feito da pontualidade uma questão de
grande significado. Eu continuava, contudo, desejoso de que as horas passassem
ligeiras...
A modernidade e os anos avançaram. Fez-se, o relógio, onipresente. Hoje, ele
está nos braços de todos, nos vários cômodos de nossas casas, nos celulares, na
tv, no computador pessoal, no topo do edifício e até em lugares inimagináveis.
Agora, não me param na rua, nem a
ninguém mais, a perguntar pelas horas. Fechou-se mais uma oportunidade de
contato e integração social. Para além disso, pelo menos para mim, também já
não tenho mais o desejo de que as horas passem rápidas. Pelo contrário - como
na antiga canção -, e se possível fosse, pediria aos relógios que detivessem o
tempo, tornando a minha vida e a de meus amigos, perpétuas...
Edson Pinto
Setembro’ 2020